CADA UM DEVER SER FISCAL… A BEM DA DEMOCRACIA

Lucas Quilundo, porta-voz do MPLA e da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola considerou hoje – mentindo – que a permanência de cidadãos junto às assembleias de voto “tem potencial para gerar atrito”, apelando a que abandonem o local após terem votado.

“A lei diz que os eleitores depois de exercem o seu direito de voto devem regressar às suas casas. Não é assim que se faz em todo o lado? As pessoas votam e abandonam o local, não ficam por ali”, disse Lucas Quilundo, sublinhando que “o ‘Votou/Sentou’, no contexto e intencionalidade com que tem estado a ser usado, não é bom para o ambiente eleitoral”. Mentir é com eles. Nos países verdadeiramente democráticos (que Angola está muito longe de ser), depois de votarem as pessoas vão para onde quiserem, não há recolher obrigatório como pretende o MPLA.

“Tem um potencial gerador de atrito e é por isso que a CNE desencoraja os eleitores a aderirem a esse apelo”, disse o representante da CNE/MPLA.

Angola está na fase final de campanha eleitoral: em 24 de Agosto, os eleitores vão escolher o Presidente da República e os deputados à Assembleia Nacional. No dia da votação, as urnas abrem às 07:00 e fecham às 17:00, “desde que já não haja ninguém para votar”, adiantou Lucas Quilundo, garantindo que se houver ainda cidadãos na fila poderão participar.

Questionado sobre se poderá haver intervenção da polícia para retirar eleitores que queiram permanecer nas proximidades, depois de votarem, considerou que esta avaliação compete à polícia (ao MPLA, entenda-se), tratando-se da autoridade que zela pela ordem pública: “Essa avaliação é deles.”

Organizações da sociedade civil angolana, bem como a liderança da UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda permite, têm apelado aos eleitores para que permaneçam nas proximidades da assembleia de voto para evitar a fraude eleitoral, motivando a definição do movimento “Votou/Sentou”.

O MPLA, através do seu representante/presidente na CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, já se manifestou contra a ideia, declarando que é “ilegal”, e pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) para aplicar a lei em relação a todos os cidadãos que tentarem permanecer junto das assembleias.

O candidato do MPLA, João Lourenço, que se candidata a um novo mandato como Presidente da República, também está contra a permanência de eleitores junto das assembleias de voto, por considerar que perturba o processo de votação, e acusou a oposição de incentivar a fraude. O candidato lembrou que estes espaços não são esplanadas.

Também Manuel Fernandes, candidato da coligação CASA-CE, terceira força política do Parlamento, declarou no domingo aos jornalistas que discorda da iniciativa.

Por outro lado, a sociedade civil angolana pede que os cidadãos não abandonem as assembleias de voto, de modo a exigir a contagem dos votos e a publicação dos resultados nos locais da votação.

A actual Lei Orgânica das Eleições Gerais, revista no ano passado, retira a contagem dos votos nos municípios. Facto que leva a oposição angolana a levantar suspeitas de fraude no processo. Como bem recordou recentemente Sérgio Piçarra, num dos seus “cartoons”, os criminosos nunca contam o dinheiro roubado nos locais onde fazem os roubos…

Para contornar esta medida legal, a sociedade civil angolana sugere uma alternativa para a controlo do voto. Para isso, propõe que os eleitores exijam permanecer nas assembleias do voto até a contagem final dos votos em cada assembleia.

Sob lema “votou, sentou”, várias organizações da sociedade civil exortam os cidadãos a serem os próprios fiscais das eleições no país, disse em declarações exclusivas à DW África, José Hata, coordenador Movimento Hip Hop de Intervenção Terceira Divisão.

“O lema é votou, sentou. É estar na assembleia até à contagem final dos resultados. Para quem diz que existem eleições justas, livres e transparentes, não deve ter medo. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) deve abraçar esta ideia no sentido de dar legitimidade a própria CNE”, afirma.

Acrescenta ainda o activista: “No fim, queremos eleições justas, livres e transparentes. Será transparente para todos. Para o MPLA, para a UNITA, para o Bloco Democrático e para toda a sociedade”, defende.

O desrespeito das leis por parte das autoridades angolanas, bem como a falta de confiança na administração eleitoral são outras razões que motivam o controlo “rigoroso” do voto nas urnas, segundo o activista da Terceira Divisão.

“A CNE é politizada e partidarizada. Tudo gira em torno dos partidos políticos. É uma réplica dos números da Assembleia Nacional”, lembra. “Não há confiança na CNE. Por isso é que criamos estes métodos de fiscalização independente. A sociedade civil também deve ter uma voz, que vai servir de equilíbrio dos diferendos entre a oposição e partido no poder”, garante o activista.

Segundo José Hata, a mobilização para adesão ao voto já está feita. O momento agora é de garantir a fiscalização do voto.

O apoio logístico aos delegados de mesa dos partidos da oposição é importante para o controlo do voto no dia das eleições, diz o professor de Ciências Políticas Paulo Faria, candidato a deputado pela lista da UNITA.

“É de facto sistemático, coordenada e vigorosamente defendermos o voto, e criarmos redes de apoio comunitário aos delegados de mesa para que eles não se sintam abandonados. Para não abandonarem os seus postos de trabalho para buscarem água e alimentos”, sublinha Paulo Faria.

“Isso tem de ser o compromisso de cada um de nós. Realizando este compromisso, estaremos a realizar a alternância com Adalberto da Costa Júnior como Presidente da República e Abel Chivukuvuku como vice-presidente da República”, defende.

Por seu turno, o político do Bloco Democrático Nelson Pestana Bonavena, membro da direcção do controlo do voto da Frente Patriótica Unida, defende que se não houver fiscalização, o “voto da alternância” pode ser transformado em “voto do regime”.

Segundo Bonavena, a FPU vai dedicar 70% dos esforços para a defesa do voto. “A fraude pode sempre existir porque ela aqui é administrativa. Mas se tivermos as actas todas a rolar na opinião pública nacional e internacional, temos maneiras de defender o nosso voto. O meu apelo vai no sentido de que cada um de nós se implique na defesa do voto. Cada cidadão é um fiscal da verdade eleitoral”, conclui.

Folha 8 com DW África

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