A representante de Angola junto das Nações Unidas e outras organizações internacionais, Margarida Izata, assegurou em Genebra (Suíça), que Angola está alinhada com o pensamento do Relator Especial e a Declaração feita pelo Grupo Africano que destacam a importância do «Dever de Memória». Por alguma razão, repetimos com orgulho e patriotismo, o Folha 8 tem como máxima “Jornalismo com memória desde 1995”…
Por Orlando Castro
A intervenção da embaixadora Margarida Izata centrou-se na temática “Reparação, Verdade e Justiça”, amplamente discutida durante a 45° Sessão do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.
Margarida Izata esclareceu que, tendo em consideração a sua própria experiência, Angola reiterou o seu firme apego ao estabelecimento de processos verdadeiramente transitórios que requeiram a apropriação dos principais intervenientes, incluindo a sociedade civil.
Destacou também que foi com este espírito, após ter aderido em 2019 ao 2º Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 1949 (relativas à Protecção das Vítimas de Conflitos Armados Não Internacionais), que o país instituiu a “Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos” ocorridos entre 11 de Novembro de 1975 e 2 de Abril de 2002.
Margarida Izata, conforme as ordens superiores (que hoje continuam vigentes mas que – supostamente – deixaram de existir com a chegada ao Poder de João Lourenço) esqueceu-se de levar a memória até, pelo menos, 27 de Maio de 1977.
“O seu principal objectivo é dar resposta à violência cometida durante este período sombrio da história angolana e prestar uma digna homenagem às vítimas”, enfatizou.
Em Genebra, Angola participou também no debate relacionado com o “Direito ao Desenvolvimento, como um dos principais objectivos do Programa de Desenvolvimento Nacional (PDN).
Quanto a esta questão, o país concorda com o Relator Especial em relação à atenção que deve ser dada ao ser humano em todo processo que envolve o Direito ao Desenvolvimento, acrescentando que o financiamento a este propósito deve significar as prioridades de desenvolvimento das pessoas e comunidades envolvidas.
“É aqui que o Direito ao Desenvolvimento se encontra com os Direitos Humanos e precisa ser plenamente realizado”, asseverou.
A 45ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos, culminou com a aprovação, após árduas discussões e 17 propostas de emendas da Rússia, de uma resolução sobre a situação dos Direitos Humanos na Bielorrússia, proposta pela União Europeia, com base no número de denúncias e alegações de tortura e outras formas de maus-tratos pelas forças de segurança naquele país.
Após as deliberações tradicionais, o processo de votação contou com a aprovação do Projecto de Resolução dos proponentes do debate, aprovado com votos a favor de 23 estados membros, 22 abstenções e dois contra.
Segundo o Professor de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Brasil), José Carlos Moreira da Silva Filho, “o Direito à Memória e o Direito à Verdade são direitos que se articulam de maneira muito próxima, a ponto de em muitos momentos figurarem juntos numa mesma expressão: Direito à Memória e à Verdade. Enquanto a ideia de um Direito à Verdade é tributário do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos e pode ser rastreado, de modo cada vez mais intenso, nas normas de Direito Internacional e nas sentenças produzidas por jurisdições internacionais, bem como nos documentos gerados pela actuação de organismos internacionais, como a ONU e a OEA, o Direito à Memória também encontrará sua força a partir do mesmo influxo, mas com uma dimensão muito mais ampla”.
“O Direito à Verdade volta-se para a necessária investigação eficaz para que as circunstâncias das graves violações de direitos humanos ocorridas em meio a situações de violência massiva na sociedade, mormente nos regimes ditatoriais ou a Estados que praticaram crimes contra a humanidade, possam ser esclarecidas e conhecidas, bem como os autores e vítimas de tais atrocidades”, diz José Carlos Moreira da Silva Filho, acrescentando que “já o Direito à Memória indica a necessidade de recordar tais factos gravosos, sinalizando de modo colectivo para o seu repúdio, mediante gestos, feitos e políticas que aportam na dimensão cultural e simbólica e na representação cívica do passado ausente, tentando escapar da aparição desse passado como sintoma de repetição não devidamente purgado e catalisador do carácter mimético da violência”.
“Assim, considera José Carlos Moreira da Silva Filho, não se trata simplesmente de delinear os detalhes das graves violações, mas sim de representá-las de modo a ressignificá-las no espaço público e colectivo, o que pode assumir virtualmente infinitas formas e maneiras. O Direito à Memória também alerta para a prioridade ética que deve ser dada ao testemunho das vítimas, pois é através da sua memória, ainda que representada no silêncio e na dor, que a sociedade poderá melhor conhecer a dimensão das violências praticadas com o apoio ou directamente pelo Estado”.
“O exercício da memória nesta chave, outrossim, é parte indissociável não só da reapresentação ressignificada e simbólica dos fatos, mas até mesmo da sua construção e delineamento, o que ajuda a entender um pouco o porquê da forte proximidade entre um Direito à Memória e um Direito à Verdade”, afirma José Carlos Moreira da Silva Filho, acrescentando que importa “evidenciar justamente esse carácter construtivo, político e público da memória, o que pode ser alcançado teoricamente no âmbito de uma já iniciada discussão e diálogo entre história e memória.”
Ter memória é… crime!
Um seminário de formação de formadores, que marcou o lançamento do programa de formação política e patriótica dos dirigentes, quadros, militantes e amigos da JMPLA, realizou-se em Março de 2010 em Cabinda. Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo).
Tal e qual comos nos tempos da militância marxista-leninista do pós-independência (11 de Novembro de 1975), o regime angolano continua a reeducar o povo tendo em vista a militância política e patriótica. E tanto a militância política como a patriótica são sinónimos de MPLA.
Basta ver, mas sobretudo ter memória, que o regime mantém, entre outras, a estrutura dos chamados Pioneiros, uma organização similar à Mocidade Portuguesa dos tempos de um outro António. Não António Agostinho Neto mas António de Oliveira Salazar.
Num Estado de Direito, que Angola diz – pelo menos diz – querer ser, não faz sentido a existência de organismos, entidades ou acções que apenas visam a lavagem ao cérebro e a dependência canina e psicotrópica perante quem está no poder desde 1975, o MPLA.
Dependência essa que, como todas as outras, apenas tem como objectivo o amor cego e canino ao MPLA, como se este partido fosse ainda o único, como se MPLA e pátria fossem sinónimos.
Na acção desse mês de há onze anos, levada a cabo pelo regime na seu quintal de Cabinda, os trabalhos incidiram sobre “Princípios fundamentais e bases ideológica do MPLA”, “Discurso do Presidente José Eduardo dos Santos na abertura do VI Congresso do partido”, “Princípios fundamentais de organização e funcionamento da JMPLA” e ” O papel da juventude na conquista da independência Nacional e na preservação das vitórias do povo angolano”.
Nem no regime de Salazar se fazia um tão canino culto do regime e do presidente como o faz o MPLA, nem faltando dizer que no Céu há um só Deus mas que Angola teve (mais ou menos) três: Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, este entretanto transformado pelo seu sucessor em Diabo, e João Lourenço.
Não nos esqueçamos, por exemplo, que o regime tem comandantes militares cuja exclusiva função é a Educação Patriótica.
Quase 46 anos depois da independência, quase 20 depois da paz, a estrutura militar continua a trabalhar à imagem e semelhança dos Khmer Vermelhos de Pol Pot.
Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalidades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundir-se consigo. Daí saber-se que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA.
Recorde-se, é só mais um exemplo, que o antigo primeiro secretário do comité colonial de Cabinda do MPLA, Mawete João Baptista, exortou em Dezembro de 2011 os militantes do partido no sentido de intensificarem as suas acções de mobilização das populações e a manterem mais activas as estruturas de base nos bairros periféricos da cidade.
Tudo porque afinal, afirmou Mawete João Baptista, ainda era preciso defender a paz e o progresso social, o que – está bem de ver – só é possível se o MPLA, que está no poder desde 1975, por lá fique aí mais umas décadas.
Os partidos políticos estão para as democracias (quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano (quando este está vivo), razão pela qual o funcionamento organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimável… nas democracias. Por força do MPLA nada disto se aplica a Angola.
Não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistência política pacífica, deste que os subalternos não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder. E quem está no poder desde 1975? O MPLA. E quem vai estar no poder em 2075? O MPLA.
E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democráticos (quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívocos e firmes de tolerância, convivência na diversidade, entre outros. Isto é, repita-se, quando se vive em democracia. Não é o caso de Angola.
Todos os sectores políticos (com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importância da adopção das melhores práticas, baseadas essencialmente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressuposto de que acima estão (ou deveriam estar) os interesses dos angolanos. De todos os angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos (fica na dúvida se o MPLA se pode incluir porque, cada vez mais, não é um partido mas sim uma seita) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal.
Temos um histórico, relativamente aos esforços para implementação do processo democrático “imposto”, segundo as palavras do próprio ex-presidente do MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. O MPLA só aceita a democracia se continuar no poder. É simples.
A vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridades angolanas (o MPLA desde a independência) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita-se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamentos em que devia assentar o futuro do país.
Acreditamos que o alcance da paz, em 2002, que deveria ter contribuído para a retoma do processo democrático sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrático, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único.
As formações políticas, acompanhadas de todos os outros actores que, exceptuando a conquista do poder político, desempenham o papel cívico e interventivo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuições e responsabilidades na medida em que os partidos políticos representam a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA.
Por isso é que a Constituição determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuições e fins, contribuir para a consolidação da nação angolana e da independência nacional, para a salvaguarda da integridade territorial, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituição está, tem estado sempre, a vontade não propriamente do MPLA mas de quem for o seu dono.
É preciso que as instituições do Estado (e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibilização junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunhar.
Os objectivos que todos (isto é uma força de expressão) perseguimos para ver Angola crescer, para que o bem-estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, com excepção do MPLA, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamos que a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos, que o MPLA também aceitará embora impondo uma condição “sine qua non”: manter-se no poder. Simples.