Ditadura quer assassinar a liberdade de Imprensa

A Rádio Despertar, um dos órgãos que, desde o seu nascimento, escancara as portas ao pluralismo de ideias e opiniões, comemorou no dia 26 de Dezembro de 2020, catorze anos de existência, brindando-me com o papel de prelector, ladeado por gente honrada.

Por William Tonet (*)

Aceitei, o repto, mas pensei, ingenuamente, que um dos colegas de painel, não se fizesse presente, o Dr. Israel Bonifácio, do MPLA, mas eis que se fez presente, chegando mesmo antes do presidente da UNITA, do líder da bancada parlamentar deste partido, do secretário da geral e de muitos outros dirigentes para dissertar num terreno adverso. Fê-lo, em liberdade e sem apupos.

Bem-haja a democracia da UNITA, pois o inverso (MPLA, convidar um dirigente do Galo Negro, no aniversário da Rádio Nacional) seria impensável.

A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o que é a informação feita por Jornalistas e a que é feita por produtores de conteúdos/informação partidocratas.

Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista. Actualmente, para desgraça do sonho democrático dos angolanos, a maioria dos órgãos públicos de comunicação social e afins, não faz jornalismo, mas outro “ismo” ligado ao “emepeleaismo” ideológico que assassina a liberdade de imprensa, no seu objecto plural.

Por esta razão, também, urge reconhecer (e distinguir) a proliferação de meios e formas de comunicação, sobretudo no meio digital, que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso.

O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, com um grau de exigência técnica e ética que importa cuidar e incentivar.

O desrespeito pelas normas que regem a actividade jornalística deve estar sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei e nunca na ideologia dominante, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos).

No caso de Angola não pode, contudo, ser o bode expiatório mais aliciante para os diferentes Poderes (económico, político, partidário, religioso, etc.).

Dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo tem de ser a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações.

O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade, mesmo sabendo-se que isso desagrada aos poderes instituídos.

A independência é ou, melhor, tem de ser, um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz.

Não é jornalismo, não é comunicação social pública, isenta e imparcial, vetar o acesso a informação ao líder do maior partido da oposição, Adalberto da Costa Júnior, mais de um ano depois da sua eleição, por manifesta interferência e orientação do partido no poder.

Todos os jornalistas, bem como os seus órgãos representativos, devem condenar a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas por parte de organismos (caso da ERCA) que mais não são do que departamentos de propaganda partidária, promovendo a desinformação e a perseguição de profissionais independentes, não bajuladores e apenas comprometidos com as liberdades e democracia.

De facto, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Se antes o GPS, na comunicação social pública era o Grecima, hoje, ante a espiral da bajulação informativa, no clone Lourecima.

A independência, o comprometimento com as liberdades de imprensa, de expressão e a democracia, têm custado muito caro aos jornalistas e ao projecto Folha 8, com processos judiciais, prisões, invasões, roubos de equipamentos informáticos, pelo SIC, retirada de títulos e suspensão de carteira profissional, tudo para calarem este projecto de revolução informativa.

Nós resistimos. Nós demos a cara. Nós não temos dinheiro sujo, pelo contrário, o nosso compromisso com os 20 milhões de pobres, a soberania de Angola e a implantação de um verdadeiro Estado de Direito e democrático, faz-nos continuar de cabeça erguida, com os parcos recursos e não soçobrar.

Nós não nos escondemos, como muitos meios fantasmas, defensores do diabo, pois basta ver, se alguém estiver preocupado com isso, que esses meios não têm – por exemplo – Ficha Técnica, nem Estatuto Editorial nem Código de Ética e Deontologia específico.

Para o bem e para o mal (muito mais para o mal, reconhecemos) quem quiser, por exemplo, saber o que é o Folha 8, onde está, o que faz, quem faz, como faz, basta consultar o… Folha 8.

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Quando se diz que Angola precisa de um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, está a repetir-se a tese dos tempos de partido único.

Cada vez mais o governo quer formatar a comunicação social. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.

Só numa ditadura se pode ver governantes de um projecto ditatorial, que frauda eleições, macula e discrimina cidadãos, na imprensa pública, a dar-nos lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”.

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia?

Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos do MPLA?

Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serem formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

O Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, se pautem pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. Isso não é jornalismo é outro ismo, como bajulismo e “empelialismo”.

COMUNICAÇÃO SOCIAL VERSUS TITULARIDADE

O sector da Comunicação Social enfrenta hoje um quadro que pode ameaçar a pluralidade ou diversidade de órgãos. No capítulo das televisões, nesta altura, o Titular do Poder Executivo, enquanto governo unipessoal é o único detentor de estações de televisão, depois da transferência da TV ZIMBO para a esfera do Executivo.

Se estivesse na esfera do Estado teria uma administração independente com noção de prestação de serviço público.

Seguem-se, no entanto, um conjunto de canais que distribuem serviços via redes de satélites, nomeadamente; ZAP, DSTV, TV Cabo e outros.

Em suma, a ZAP, a Palanca TV e a VIDA TV não são estações de televisão, mas produtoras de conteúdos televisivos e, dentre elas, só a VIDA TV é que ainda não está controlada pelo Titular do Poder Executivo, que já tem sob a sua alçada, a Palanca TV e a ZAP, cuja serventia informativa é parcial e partidocrata a favor de um partido e o seu líder. A ZAP navega nestas águas, provisoriamente, em virtude de pender sob ela uma providência cautelar e tudo indica assim ficará até as eleições se nada for feito pela classe jornalística independente, a sociedade civil e a oposição.

1.2 – No que à Rádio diz respeito, o TPE/Estado também não tem concorrente à altura. À Rádio Nacional, que é ouvida em cerca de 60-70% dos municípios do País, junta-se à Rádio Mais, situado em quatro províncias e com melhores condições (estúdios e meios).

Na prática, o Estado, partidocratamente, controlado pelo Titular do Poder Executivo é o único com órgãos que emite em todo território nacional.

A Rádio Ecclésia, ou rádios diocesanas como também são conhecidas, enfrentam grandes dificuldades de instalação por ser responsabilidade de cada uma delas, instalar as rádios locais, o que pressupõe condições financeiras. Além de Luanda não existe mais Diocese ou Arquidiocese com capacidade para tal. Alguns bispos vão contando com apoio externo, mas são muito poucos. E uma vez instaladas, não têm condições (recursos humanos e meios) para as manter funcionais. Umas porque falta-lhes fontes alternativas de energia o que acontece é que quando há luz, as rádios também não funcionam, por outros motivos.

As Dioceses não têm capacidade para ter quadros experimentados, porque lhes falta capacidade financeira e vão contando com jovens curiosos e sedentos de realizar o sonho de um dia ser jornalista, a maior parte deles fiéis escuteiros de disponibilidade voluntariosa, mas com muitas debilidades técnico-profissionais. Ademais, muitas dioceses debatem-se com a falta de meios de transporte, o que afecta e dificulta o trabalho dos profissionais.

1.3 – Luanda é assim o principal e o único centro de imprensa, onde se assiste alguma diversidade de órgãos de Comunicação Social, graças à existência da Rádio Ecclésia, a LAC, Despertar, MFM, Essencial, Metodista, Tocoista, Solidária. Nas outras cidades, Benguela, Cabinda, Huambo e Huíla, encontramos mais do que uma rádio, mas estão todas sem condições de funcionamento. Morena, em Benguela, enfrenta dificuldades mil, de sorte que os trabalhadores estão há quatro meses sem salário, e nenhum jornalista ganha duzentos mil kwanzas.

Rádio 2000, na Huíla, a situação é idêntica.

O empregador está a despedir, por não ter condições para garantir emprego por muito mais tempo face a difícil situação económica. As empresas estão a encerrar, as poucas existentes, têm problemas de tesouraria, logo não há condições de captação de publicidade, sempre um recurso a ter em linha de conta, a mesma realidade em Cabinda, e no Huambo.

1.4 – Quanto aos jornais, com a excepção do Novo Jornal, Expansão, Jornal de Angola e Folha 8, não há mais jornais em formato físico. A explicação é óbvia, custo de produção, ausência de papel, falta de publicidade.

2. BUDGET À DISPOSIÇÃO DO MERCADO

Segundo um estudo recente da Marktest, há cerca de treze mil milhões de kwanzas para a publicidade, quer para concepção pelas agências de publicidade como para difusão, mas este é um número que não corresponde a verdade, dado que o método utilizado contabiliza toda publicidade difundida como se tivesse sido paga, o que não é verdade. Esse valor está abaixo da metade e a maior parte dele é consumido pelas empresas públicas, nomeadamente, as televisões, Rádio Nacional e o Jornal de Angola. E, agora, também, a Rádio Mais – Luanda.

3. LIBERDADE DE EXERCÍCIO

Os jornalistas que trabalham em órgãos públicos voltaram a sentir as ordens invisíveis e com isso encurtaram, como nunca antes, em muito pouco tempo, o espaço de abordagem mais crítica ao desempenho dos órgãos públicos e do Titular do Poder Executivo.

A explicação pode ser encontrada no facto do líder da UNITA não ter dado nenhuma entrevista aos órgãos detidos pelo Estado: Jornais: Jornal de Angola; O PAÍS e as rádios: Rádios Nacional ou Rádio Mais, e ainda as televisões, TPA ou ZIMBO.

4. PERSPECTIVAS

Antevemos um cenário em que mais órgãos de comunicação social irão juntar-se à esfera pública ou de pessoas próximas ao Estado. Um desses órgãos pode ser a MFM e, a acontecer, outros órgãos irão surgir como rádios, detidas por pessoas próximas ao Titular do Poder Executivo e ao MPLA, configurando um monopólio camuflado.

É preciso que os ouvintes, os amantes da liberdade de imprensa, os deputados da UNITA, os seus membros e dirigentes contribuam, todos os meses, não, só para a sobrevivência da Rádio Despertar, mas, fundamentalmente, da sua voz, em prol da pluralidade de opinião e democracia, como travões ao monopólio da ditadura. Eu darei o ponta pé de saída, com um depósito solidário mensal.

Os católicos devem fazer, igualmente, este exercício para a manutenção da Rádio Eclésia, em cada homilia.

A par disso, mais dificuldades financeiras podem fazer desaparecer os jornais que hoje circulam ainda no formato físico, a menos que o mercado reaja.

(*) Contribuições de Orlando Castro e Teixeira Cândido

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One Thought to “Ditadura quer assassinar a liberdade de Imprensa”

  1. biostras

    A Rádio despertar deve divulgar o mais rápido possível,o seu número de conta para haver contribuiçõres de cidadãos independentes,pois os truques de Maduro na Venezuela estão a repetir-se aqui em Angola a CUBA DE ÁFRICA-COM UM PARTIDO ÚNICAMENTE SÓ!!!!

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