Chuvas torrenciais provocaram inundações, queda de árvores e de casas, congestionamentos e deixaram ruas intransitáveis em Luanda, onde uma zungueira morreu electrocutada e duas crianças estão desaparecidas. Culpados? Os mesmos dos últimos 500 anos.
Faustino Miguéns, porta-voz do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros de Luanda, citado pela TPA, revelou que a chuva ininterrupta afectou 80% da cidade e que além da morte de uma pessoa, duas crianças estão dadas como desaparecidas no distrito urbano do Nova Vida.
No distrito urbano da Samba, a estrada principal ficou intransitável com extensos lençóis de água a escorrer dos bairros periféricos e na Rua da Liga Africana, a queda de uma árvore obrigou à interrupção do trânsito.
A governadora provincial de Luanda, Joana Lina, disse à TPA que (quem diria?) vai avaliar a situação com as administrações municipais e dos distritos que estão já a recolher informações sobre as ocorrências.
A governadora notou que em algumas áreas se verifica ainda amontoados de lixo, que foram arrastados pelas chuvas, e assinalou que a questão das ravinas “está a ser tratada”.
Nas ruas inundadas da cidade e dos bairros acumularam-se detritos, lama e água, que impediram ou dificultaram a circulação de muitos moradores ao longo das três horas de chuva.
Há também registo de bacias de retenção que transbordaram, queda de árvores sobre viaturas e queda de postes de iluminação pública, segundo Faustino Miguéns, que aconselhou as pessoas a não manter contacto com a electricidade para evitar casos de electrocussão.
No final de 2017, o Governo, na tentativa de mostrar que, ao contrário do que se diz, Roma e Pavia se fizerem num dia, disse que iria começar o processo de descentralização administrativa, anunciado anteriormente pelo Presidente da República, João Lourenço, com a área da gestão do saneamento em Luanda, passando competências para o governo provincial.
De acordo com um despacho presidencial de Novembro, João Lourenço aprovou um reajuste na Unidade Técnica de Gestão do Saneamento de Luanda (UTGSL), considerando a “necessidade de se aprofundar o processo de desconcentração” da administração do Estado.
No caso das alterações à UTGSL, que ficou sob superintendência do governador da província de Luanda – a primeira medida concreta do género aprovada por João Lourenço -, insere-se na “consolidação das bases do Processo de Descentralização administrativa que conduza à efectiva aproximação dos órgãos de decisão às populações, dotando-as de capacidade institucional para assegurarem com a adequada eficiência e eficácia o serviço público para o qual são vocacionadas”.
O Presidente da República assumiu em Outubro (de 2017, recorde-se) que a instituição das autarquias locais no país é um “desafio central” para a actual legislatura, que decorre até 2022.
“Um dos desafios centrais que assumimos para esta legislatura é passar as autarquias locais do texto constitucional para a realidade dos factos. É importante assegurar que o Estado esteja mais próximo dos cidadãos”, disse João Lourenço.
Angola continua sem realizar as primeiras eleições autárquicas no país, cujas administrações municipais são nomeadas pelo poder central, perante as fortes e reiteradas críticas dos partidos da oposição.
Entre outras alterações, o despacho assinado por João Lourenço define que compete ao governo provincial de Luanda nomear e exonerar o director da UTGSL, aprovar o respectivo programa de acção, modelo de organização e funcionamento.
Está também definido que a UTGSL coordena todo o processo da “expansão dos sistemas de drenagem pluvial e recolha, tratamento e rejeição final das águas residuais”, para “garantir-se a funcionalidade e a observância dos padrões de qualidade das novas urbanizações”, de acordo com o programa estratégico para a província de Luanda, actualmente com mais de sete milhões de habitantes.
Assume ainda, entre outras competências, a coordenação e execução de eventuais expropriações por utilidade pública, bem como “elaborar e implementar” o projecto de macrodrenagem na cidade de Luanda, além de gerir o programa de saneamento da província.
A 14 de Novembro, em Luanda, o vice-Presidente da República, Bornito de Sousa, afirmou que o Governo pretende descentralizar competências e meios para os municípios, começando na edução e saúde, antes da realização das primeiras eleições autárquicas.
A posição foi transmitida na abertura da quinta edição do Fórum dos Municípios e Cidades de Angola, que passou a ser um órgão auxiliar da Presidência da República.
Na sua intervenção, Bornito de Sousa enfatizou que “implementar gradualmente as autarquias locais é uma promessa eleitoral para cumprir” (ficamos assim a saber que outras haverá que não são para cumprir) neste mandato, mas que para tal “é fundamental” levar “a sério o processo de desconcentração e a transferência de competências para os municípios”, por serem “pressupostos essenciais para a criação das condições para a materialização das autarquias locais”, nos actuais 164 municípios.
“Os departamentos ministeriais e os governos provinciais devem, neste quadro, evitar substituir-se aos municípios, privilegiando capacitá-los para melhor e mais eficazmente exercerem as suas atribuições”, alertou o vice-Presidente da República.
Até à instituição das autarquias locais, o Governo central pretende avançar com a descentralização de funções para as actuais administrações municipais e governos provinciais, âmbito da Reforma do Estado a realizar ao longo da actual legislatura.
Saneamento básico em Luanda?
Em Março de 2017 morreram pelo menos 11 pessoas em Luanda em resultado das fortes chuvas que inundaram mais de cinco mil casas, o desabamento de algumas e desalojando perto de 400 famílias. A culpa, é claro, é dos portugueses.
As chuvas inundaram ainda duas escolas, sete centros de saúde e uma igreja, sobretudo nos municípios do Cazenga, Cacuaco e Viana. Para tentar minimizar os estragos das chuvas foram realizados trabalhos de sucção das águas, a abertura de valetas.
No entanto, as autoridades alertaram para a iminência do enchimento e transbordo de várias bacias de retenção de águas das chuvas, bem como o alagamento da maior parte de ruas secundárias e terciárias da periferia de Luanda.
Entendamo-nos. Tudo o que de errado se passa em Angola foi, é e será culpa dos portugueses. A independência poderia ter chegado há 500 anos mas só chegou há 45. A culpa é dos portugueses. Os presidentes de Angola (todos do MPLA) poderiam ser brancos, mas não isso não aconteceu. A culpa é dos portugueses. Angola poderia ser um dos países menos corruptos do mundo, mas não é. A culpa é dos portugueses.
Em tempos recentes, o ex-Presidente da República (que só esteve no poder 38 anos) José Eduardo dos Santos considerou que a província de Luanda vivia “graves problemas decorrentes da situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”.
Sua majestade, então rei do país e hoje apenas um marimbondo conluiado com as forças do mal, intervinha na abertura de uma reunião técnica, dedicada à problemática dos constrangimentos sócio-conjunturais da cidade capital, e que juntou alguns membros do Executivo e responsáveis da província em busca de fórmulas mais consentâneas para a implementação dos projectos decorrentes de programas aprovados há alguns anos.
Segundo o então Presidente, os 30 anos de guerra que o país viveu (por culpa dos portugueses, é claro) não permitiram a mobilização de recursos humanos e financeiros para satisfazer todas as expectativas das populações.
Para o MPLA, os desafios são enormes, as despesas cresceram muito e, em certos casos, “superam a nossa capacidade”, daí a necessidade de recorrer-se à sabedoria no domínio da gestão parcimoniosa.
José Eduardo dos Santos disse também ser preciso trabalhar com base em prioridades “atacando os problemas essenciais”, que, por sua vez, permitam a resolução de outros, decorrentes dos eixos fundamentais.
Antes dessa reunião, no Marco Histórico “4 de Fevereiro”, no município do Cazenga, com titulares das pastas da Construção, Transportes, Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Urbanismo e Habitação, os secretários de Estado das Águas e do Tesouro, entre outros responsáveis, o “querido líder” cumpriu uma jornada que o levou às obras de intervenção na zona conhecida como da “Lagoa de São Pedro”, na comuna do Hoji-Ya-Henda, assim como a algumas vias rodoviárias, que supostamente vão conferir melhores condições de vida às populações.
Foi então que, com a impressão digital de um dos seus sipaios (no caso até é filho incerto de pais portugueses) que dirigia o Pravda do regime, Eduardo dos Santos mandou dizer que “no ano de 2015, de grande significado para os angolanos, a empresa lusa Mota-Engil foi contratada para reabilitar todos os passeios e ruas da cidade de Luanda”.
Até aqui tudo normal. Mas seguiu-se a reprodução do argumentário simiesco do sipaio (José Ribeiro, então director do Jornal de Angola), com o aval do Presidente: “Durante as obras, a construtora vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas. Quando nesse ano as fortes chuvas chegaram, as ruas ficaram transformadas em rios e no sítio dos esgotos abriram-se crateras que ainda hoje se vêem.”
E depois não queriam que a rapaziada critique Portugal, mesmo que tenha de se descalçar pra contar até 12. Então a Mota-Engil “vedou com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”? Isso é coisa que se faça? A ideia seria dar razão ao MPLA quando este fala da “situação complicada herdada do colonialismo, mormente no domínio das infra-estruturas e saneamento básico”. Mas, convenhamos, poderiam não ter vedado “com alcatrão toda a rede de esgotos, sarjetas e valas de drenagem das ruas”.
“Com a acumulação de charcos e lixo, as condições de saúde na capital angolana degradaram-se. A cidade foi assolada por um surto de febre-amarela. A crise só foi ultrapassada com a substituição do governo provincial”, escreveu o Pravda. E escreveu muito bem, ou não estivesse a reproduzir o recado de um líder que até conseguiu pôr o Rio Kwanza a desaguar na foz e não na nascente…
O “pedido de desculpas” da Mota-Engil
Assinada pelo presidente do Conselho de Administração, Paulo Dias Pinheiro, o Pravda ou Boletim Oficial do regime, formalmente tratado por Jornal de Angola, recebeu da empresa Mota-Engil Angola, com pedido de publicação, a seguinte carta, a propósito do artigo de opinião “Mensagem de harmonia em dia de Natal”, assinado pelo sipaio José Ribeiro, na coluna “Palavra do Director”:
«No passado dia 25 de Novembro, lemos, como habitualmente, o Jornal de Angola e no seu editorial, sob o título ‘Mensagem de harmonia expressa em dia de Natal’, vimos uma crítica à Mota-Engil Angola, que não compreendemos e cujo fundamento também não vislumbramos.
Perante este texto, vimos ao seu contacto para esclarecer os factos e solicitar que a realidade seja divulgada pelo Jornal de Angola, em defesa da verdade e do bom nome da empresa. Assim, refira-se que:
1. A Mota-Engil Angola é uma sociedade de direito angolano, e uma parte significativa do seu capital é detida por reputadas entidades nacionais. Tanto a sua administração como as várias direcções integram cidadãos angolanos e muitos dos seus quadros construíram a sua carreira na empresa.
2. Especificamente em Luanda, muitos foram os projectos que executámos ao longo dos anos, como por exemplo a nova Baía de Luanda. Em 2015, a Mota-Engil realizou, em devido tempo, a 1ª fase de recuperação das Ruas de Luanda, uma obra exigente do ponto de vista técnico pela intervenção em zona urbana. Esta recuperação decorreu, assinale-se, de forma colaborativa com a população luandense.
3. Refira-se que esta obra foi concluída em tempo da comemoração dos 40 anos da Independência da República, um compromisso de elevada responsabilidade ao qual respondemos integralmente.
4. Com a concretização dos objectivos previstos para a 1.ª fase de recuperação das Ruas de Luanda, a Mota-Engil Angola foi reconhecida como entidade seleccionada para a execução da 2ª fase, intervindo em outras Ruas não incluídas na primeira intervenção. Naturalmente que o cumprimento dos requisitos de qualidade técnica na 1ª fase foram determinantes para que tal pudesse acontecer.
5. Pelo exposto e pelas manifestações de satisfação das entidades públicas e de cidadãos que temos recebido a propósito dos trabalhos que executamos nas ruas da nossa cidade, não entendemos as críticas que nos foram efectuadas no Vosso Editorial e muito menos entendemos qualquer associação dos trabalhos realizados por esta empresa ao surgimento de um surto de febre-amarela. Em nada contribuímos para este, tendo, bem pelo contrário, apoiado as várias medidas adoptadas por entidades oficiais para a sua erradicação.
Reconhecendo o trabalho do Jornal de Angola, estamos certos que, reavaliados os termos com que a Mota-Engil Angola foi tratada neste excerto do editorial, merecemos a devida reposição dos factos, em prol da verdade e da isenção de que somos todos defensores.
A Mota-Engil iniciou a sua actividade em Angola em 1946 e tem uma presença ininterrupta activa há 70 anos no País. Consideramos ter dado provas, neste percurso, de um forte compromisso com o desenvolvimento Nacional, o que, felizmente, tem merecido o reconhecimento por parte das entidades e dos cidadãos angolanos que têm confiado na empresa para a realização de obras de relevante importância para o desenvolvimento do País.»
É claro que para além da Mota-Engil há muitos mais culpados, todos portugueses… por culpa de Portugal, país do qual o actual Presidente João Lourenço faz questão de (supostamente) se afastar. Em Abril de 2016, o Pravda, também em Editorial assinado por José Ribeiro, criticou os “amigos da desgraça” e a “imprensa do Rossio”, referindo-se ao tratamento jornalístico em Portugal do anunciado pedido de apoio do Governo angolano ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Foi notória a forma ligeira e pretensiosa como alguma imprensa à margem do Tejo, useira e vezeira em desejar desgraça em casa alheia, saiu à rua para lançar diatribes à volta de um suposto programa de resgate económico monitorado pelo FMI, organização de que Angola é membro de pleno direito”, escreveu o pasquineiro.
“Cá dentro, a imprensa do Rossio foi secundada com o anúncio apocalíptico de bancarrota. As finanças públicas não existem mais, segundo o porta-voz da UNITA [Alcides Sakala], que é, para nossa desgraça colectiva, membro da Assembleia Nacional, um órgão de soberania que merece todo o nosso respeito”, dizia o editorialistas. Acrescente-se que, mais uma vez, a culpa é de Portugal que permitiu que UNITA existisse e que, ainda por cima, fosse considerado um movimento angolano.
“Não fosse a UNITA useira e vezeira em discursos inócuos e sem qualquer sustentação técnica, dir-se-ia que o homem perdeu completamente o Norte e agora confunde Angola com Portugal e o rio Kwanza com o Tejo, tal a sintonia com que o homem orquestra a canção do resgate e da austeridade com os amigos do Rossio”, dizia o editorial do Pravda do regime.
Com todo este cenário, é bom de ver que Portugal para se redimir de todos os seus históricos erros em relação a Angola, deve rapidamente pedir desculpas às terças, quintas e sábados e pedir perdão às segundas, quartas e sextas. Aos domingos deve tomar a hóstia que tira todos os pecados.
A bem, é claro, da Nação. Da nação do MPLA, entenda-se.