BIENAL DE UMA ESPÉCIE DE… PAÍS

Nove filmes integram o ciclo de cinema europeu com que o grupo EUNIC, que integra, entre outras entidades, o Camões – Centro Cultural Português, comemora a edição deste ano da Bienal de Luanda, nos dias 28, 29 e 30 de Novembro. Por falta de apoios financeiros não será apresentado (não chegou, aliás, a ser feito) o filme “Os 20 milhões de pobres que Marcelo não viu”…

A série “Diálogos Euro-África” é composta por nove filmes produzidos nas últimas décadas, que abordam questões sociais, culturais e políticas entre os dois continentes, segundo um comunicado de imprensa do Camões.

Os filmes “O roubo do Boli (2020)”, de Abderrahmane Sissako, que retrata em ópera o roubo de um Boli maliano, “I love kuduro — De angola para o mundo (2013)”, de Mário Patrocínio, com as mais idolatradas estrelas deste género musical angolano, e “Becoming Black (2020)” de Ines Johnson-Spain, sobre uma mulher em busca da própria identidade farão a abertura do ciclo no auditório do Camões, em 28 de Novembro.

No segundo dia, são exibidos os filmes “Diamantes Negros (2013)”, de Miguel Alcantud, sobre dois jovens que sonham tornar-se futebolistas, “Pele escura — Da periferia ao centro (2021)”, de Graça Castanheira, que acompanha os sentimentos de seis jovens negros que se dirigem para o centro de Lisboa e “O cidadão (2016)”, de Roland Vranik, que apresenta a luta de um homem com mais de 50 anos na busca pela nacionalidade húngara.

O ciclo encerra no dia 30 de Novembro com os filmes “Pequeno país (2020)”, de Eric Barbier, “Os combatentes do pelo sagrado (2015)”, de Florian Vallée, e “Martha & Niki (2016)”, de Tara Mkandawire.

A entrada é gratuita e a lotação máxima da sala é de 60 lugares.

O Grupo EUNIC (EU National Institutes for Culture) é composto pelo Camões – Centro Cultural Português, Goeth Institut, Alliance Française de Luanda e as Embaixadas da Espanha e Hungria, bem como as Embaixadas da Bélgica, Suécia e Noruega.

A segunda edição da Bienal de Luanda é um evento internacional organizado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), União Africana (UA) e o Governo de Angola entre 27 e 30 de Novembro em formato híbrido.

“Arte, Cultura, Património: Alavancas para a África que Queremos” é o lema central desta Bienal que deve congregar mais de 100 jovens líderes de toda a África em espaços de reflexão, exposição, difusão de criações artísticas, boas práticas, ideias e saberes relacionados com a cultura de paz.

Por falta de apoios financeiros não será apresentado (não chegou, aliás, a ser feito) o filme “Os 20 milhões de pobres que Marcelo não viu”, e cujo argumento se centrava no facto de o chefe de Estado português se ter declarado solidário com a política e o “percurso imparável” do Presidente de Angola, João Lourenço, considerando que “uma página essencial foi virada” nas relações luso-angolanas.

Desse argumento constam pilares fundamentais para esse “percurso imparável”:

– 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico;

– Um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos;

– 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Os argumentistas (que mantém o anonimato) recordam que Marcelo Rebelo de Sousa declarou em 2019, depois de uma visita a Luanda, que irá regressar a Portugal “saudoso e solidário”.

“Saudoso e solidário, com a vossa gesta nacional, com a sua política, senhor Presidente, com esse percurso imparável legitimamente ambicionando converter o sonho fundador venerado no Memorial Agostinho Neto numa dimensão de potência regional, continental e com afirmação no mundo”, acrescentou.

Aqui Marcelo Rebelo de Sousa prestou, embora de forma subtil e ao estilo de quem atira a pedra e esconde a mão, uma homenagem a Agostinho Neto, certamente por este ter sido o principal responsável pelos massacres do 27 de Maio de 1977, no qual foram assassinados pelo MPLA milhares e milhares de angolanos.

O Presidente português reforçou a ideia de que se entrou num “novo ciclo” nas relações bilaterais: “Os senhores diplomatas aqui presentes compreenderão que uma página essencial foi virada e que um novo capítulo da nossa história comum foi aberto, a pensar no futuro”.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, neste “novo ciclo” existe uma “parceria privilegiada” também no plano multilateral, em organizações como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ou as Nações Unidas (ONU).

O chefe de Estado português agradeceu a forma como foi acolhido em Angola, disse que nunca mais esquecerá esta visita e acima de tudo o contacto com a população, “a verdade do abraço, do beijo, do olhar, da palavra de um sem número de angolanos que amam Portugal e de um sem número de portugueses que amam Angola”.

No seu entender, “isso valeu e vale ainda mais do que seis meses de labuta em torno de 35 acordos, de certificações de dívida, de estímulos ao investimento, de cooperação na educação, na saúde, na segurança social, na Administração Pública, no poder local, na justiça e na defesa”.

“Porque são os povos, e só eles, a razão de ser dos poderes políticos, dos políticos – não o amor-próprio, não a vaidade, não a conveniência, não a ambição daqueles que, ao servirem os Estados, apenas servem os povos”, argumentou.

Dirigindo-se a João Lourenço, Marcelo Rebelo de Sousa reiterou que aquilo que mais o tocou na visita “foi o encontro com as pessoas, todas e cada uma, a começar nas mais simples, nas mais directas, nas mais frontais, nas mais terra-a-terra“.

“Aí pude ver o que tantas vezes recordei: bem podem os que têm poder zangar-se – o que não é, nem será o caso – que a força do que nos une a todos resiste porque é baseada numa fraternidade indestrutível”, afirmou.

Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.

Bem dizia Eça de Queiroz, provavelmente antecipando a pequenez intelectual de um tal Marcelo que haveria de ser presidente de Portugal, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.

Vejamos, por exemplo, o que disse Guerra Junqueiro, num retrato preciso e assertivo de Marcelo Rebelo de Sousa e de grande parte dos seus cidadãos: “Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment