Alguns amigos do actual líder do maior partido português, o PSD, não gostaram do que o Folha 8 escreveu ontem e anteontem sobre a visita de Rui Rio a Angola. Ou, melhor, da visita aos donos do país, o MPLA (versão Presidente da República e Presidente do partido). Angola é outra coisa.
Por Orlando Castro
Apelemos à memória. “Henrique Granadeiro pediu-nos para, antes de publicarmos artigos sobre a PT, o avisarmos, mas se houvesse algum problema, o que prevaleceria seria a linha editorial”, declarou na Comissão Parlamentar de Ética, José Leite Pereira, na altura director do Jornal de Notícias (Portugal).
Leite Pereira garantiu também nunca ter sentido qualquer “intromissão no trabalho da redacção” quer da parte da PT quer da Controlinveste: “Não há nenhuma intervenção do senhor Joaquim Oliveira nos conteúdos do jornal”.
Na reunião de 23 de Fevereiro de 2010, Leite Pereira foi ainda questionado pelo PSD sobre as relações do JN com a autarquia do Porto, então presidida por Rui Rio.
O então director do JN referiu que tunham ao longo dos anos existido por parte do município gerido por Rui Rio diversas queixas. Assumiu, ainda, “não querer reabrir feridas antigas” mas revelou que quando o JN integrava o universo da Lusomundo (no tempo da PT) “houve da parte da Câmara do Porto pressões para que a direcção do JN fosse demitida”, era então o PSD quem estava no Governo.
Recorde-se que o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, responsabilizou em Setembro de 2007 os jornalistas por haver “cada vez menos gente na política” e pediu o fim da impunidade na comunicação social.
Vamos por partes. Como há políticos e políticos, há jornalistas e jornalistas. Há directores e directores, há empresários e empresários.
Mas quem foi que fez tudo para transformar os jornalistas em produtores de conteúdos comerciais, em criados de luxo do poder vigente? Quem foi que fez tudo para dar essa impunidade à comunicação social, que não aos jornalistas que o são de facto? Não serão os políticos responsáveis por haver cada vez menos jornalistas na comunicação social?
“Muitos jornalistas pensam que eu não penso mas eu penso”, disse o então o presidente da Câmara do Porto na II Conferência do Clube de Amigos de Vieira, com o tema “Os jogos do poder na comunicação social”.
Ainda bem que Rui Rio pensava… Pena é que agora, ao que parece, tenha deixado de pensar. Esperamos, mesmo assim, que não se esqueça que no Jornalismo também há, ainda há, gente que pensa e que, exactamente por pensar, foi chutada para as prateleiras ou para o desemprego, sem que isso merecesse qualquer acção dos políticos que dizem que pensam.
Com muitas críticas à forma como “alguns jornalistas” trabalham, o autarca social-democrata defendeu o “fim da impunidade” no jornalismo e o fomento da “auto-regulação na comunicação social”.
Rui Rio, talvez embalado por um tema que lhe permitiu dizer o que pensa, esqueceu-se de pensar no que diz. O Jornalismo não é uma actividade acima da lei e nem goza de impunidade. A impunidade a que o autarca se referia, com alguma razão, não respeita ao Jornalismo mas ao comércio jornalístico que, esse sim, está em Portugal nas mãos de autómatos colocados pelos políticos, desde o PSD ao PS, desde o PS ao PSD, nos lugares de decisão e em Angola nas mãos dos autómatos escolhidos pelo MPLA.
“Tem de haver mecanismos de defesa das pessoas perante a difamação ou a insinuação que determinados órgãos de comunicação fazem aos políticos”, afirmou Rui Rio. É claro que sim. Mas não é acabando com a liberdade de expressão, como fez o PS com o Estatuto dos Jornalistas, que se altera a situação. Não é acabando com a liberdade de expressão, como faz o MPLA também através da sua sucursal reguladora da comunicação social (ERCA), que se altera a situação.
Ponham, em Portugal e em Angola, seja na política ou no Jornalismo, o primado da competência acima do da subserviência e encontrarão um salutar equilíbrio. Até lá teremos mais subservientes do que competentes, até porque a profissão de subserviente é muito mais, mas muito mais, bem paga.
“Cada vez há menos gente disponível para ocupar cargos públicos porque têm medo da comunicação social”, frisou o então presidente da Câmara do Porto. Medo? Os políticos são a única classe que pode mentir todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos sem que nada lhes aconteça e, por isso, não têm legitimidade para falar de medo.
Com algum bom senso, Rui Rio condenou os políticos que “aderiram às regras da comunicação social” e que olham para as pessoas como “espectadores” e não como cidadãos. Ora aí está. Afinal, parecem ser farinha do mesmo saco.
Quanto à existência ou não de liberdade de imprensa em Portugal, Rio disse que não há liberdade de imprensa da forma que entende que deve haver.
“A liberdade de imprensa não respeita as outras liberdades. Assume-se como a única verdade e isso não pode ser”, referiu o autarca.
É verdade. Todos os jornalistas sabem que a sua liberdade termina onde começa a dos outros. Também sabem que a dos outros termina onde começa a sua. O problema está em que a Imprensa é cada vez menos feita por jornalistas…
E quando aparecem Jornalistas a dizerem que “Rui Rio confirma que o PSD bajulou, bajula e bajulará” o MPLA, entorna-se o caldo. É a diferença entre políticos e jornalistas. Os primeiros põem as ideias de poder em primeiro lugar, os segundo põem em primeiro o poder das ideias. E isso é uma chatice.