O mundo está a viver, nos últimos tempos, uma verdadeira “Revolução de Conceitos”, que invadiu as fronteiras de Angola e já não pode ser descurada, principalmente, quando o significado de uma expressão de ontem, pode não ser linear e substantivamente igual à de hoje, ainda que a mesma bifurque num idêntico objecto ou conceito.
Por William Tonet
A denominação “revolução”, deriva do latim: “revolutio, ónis: acto de revolver”, ganhando corpo nos primórdios do século XV e significando mudança violenta ou rápida de um poder por outro.
O filósofo Aristóteles deu-lhe uma roupagem sublime, considerando ser um processo visando, alterar uma Constituição por outra ou de substituir a existente, através de uma ruptura.
Os radicais defendem mudança, com violência armada, golpe de Estado, alteração total da Constituição vigente e instauração de uma nova ordem ou regime.
As mais significativas revoluções foram a Francesa de 1789, a Russa de 1917 e a islâmica do Irão de 1979.
Estas, para o bem ou para o mal, inspiraram outras, como as das independências dos países africanos do jugo colonial, nos anos 50 e 60 do Século XX e, mais recentemente, deve realçar-se a “Revolução dos Incorruptíveis” de 1983, liderada por Thomas Sankara, no Burkina Fasso.
O jovem líder africano preconizou uma mudança radical de regime e constitucional, alterando as relações com os países ocidentais, recusando-se a pagar a dívida externa, devido à escravatura e à exploração colonial, por um lado, ao mesmo tempo que liderou uma campanha contra o despesismo governamental, para promover o fomento da produção agro-pecuária, o combate à fome, ao analfabetismo e à erradicação das principais epidemias.
Em quatro anos de poder, conseguiu ganhos relevantes que ditaram o seu assassinato.
Na África Austral houve uma das mais importantes revoluções do Século XX, liderada por Nelson Mandela, em 1991, visando o fim da violência, a paz, a unidade e a reconciliação nacional, entre todos os povos e raças na África do Sul.
Mandela com De Klerk elaboraram uma nova Constituição, que rompeu com as raízes do regime do apartheid.
Como sinal da força das novas tecnologias de comunicação, através das redes sociais, importantes movimentos de cidadãos, sem uma estrutura organizativa, produziram manifestações pacíficas, em nome da liberdade de imprensa, movimento e de expressão, naquelas que se convencionaram chamar de Primavera Árabe.
Em Angola, 2010, sem que muitos se tenham dado conta, houve uma “Revolução Atípica”, liderada por José Eduardo dos Santos, alterando com ruptura a Constituição vigente, não respeitando as cláusulas pétreas, por uma outra, visando blindar um homem e um partido, que se constituiu, como o órgão mais importante do poder de Estado.
O MPLA e o seu líder, tendo, à época, um diagnóstico de quebra de popularidade, face à desastrosa política económica, os altos índices de delapidação do erário público, o nepotismo, o peculato e a corrupção, deu início, sub-repticiamente, a uma sinistra revolução constitucional, assassinando, radicalmente, o paradigma democrático, inspirado nos acordos políticos (1991- Lei 12/91 e 1992 – Lei 23/92 – MPLA/UNITA e outros partidos políticos), inculcando, no novo texto constitucional, os ideais inspiradoras da ditadura dos ex-proletários, convertidos em proprietários vorazes.
A Constituição de 2010, não é só atípica como também, verdadeiramente, um monstro contra o Direito, ao institucionalizar não só a “anarquia da norma”, como a privatização económica e partidocrata dos órgãos do Estado, por um homem, um partido e uma família.
Uma filosofia constitucional barroca, que minou o caminho das Liberdades, da Democracia e todos carreiros (caminhos pequenos) e opções da oposição ou sociedade civil, poderem alterar o xadrez, quer nominal, como colectivamente, os processos eleitorais, face às elucubrações jurídicas, inculcadas, bem como a montagem de uma máquina eleitoral maquiavélica, sustentada na filosofia do “quantum”, posição de força, no seio da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).
Se um partido tem hegemonia num órgão que deveria ser independente, com todos actores políticos em posição de igualdade paritária, não existe independência e transparência, tanto é assim que, no último pleito eleitoral, não foram escrutinados os votos em 15 das 18 províncias do país.
Revolução Lourenciana
João Lourenço catapultado por Dos Santos para cabeça-de-lista, ascendeu à mais alta magistratura do Estado na lista do MPLA, com uma máquina talhada na engenharia da batota, que se aboleta dos dinheiros e bens públicos, para manutenção do poder, com um objectivo: resgatar a imagem do MPLA.
O partido no poder, perdeu as eleições em Luanda e em muitas províncias, que inviabilizariam o controlo da Assembleia Nacional.
E, lá chegado, iniciou uma “Revolução de Faxina” palaciana, contra o nepotismo, implantado pelo seu antecessor, na lógica de não ter necessidade de “fundamentar” a decisão de exonerar por “conveniência de serviço”, por ser uma prática reiterada e corriqueira, nos corredores palacianos, disse e mal, João Lourenço.
Expulsos do aparelho do Estado, os filhos de papai, pese muitas suspeições e denúncias, não terão de se explicar e apresentar contas, logo a culpa dos seus desvarios vai morrer solteira, afastada que está toda e qualquer hipótese de devolver à sociedade a exigência da responsabilização.
Uma revolução não pode reconhecer a existência de crime, sem dolo.
Neste momento, ao Presidente da República exige-se muito mais do que continuar na senda de exonerar a exoneração.
JLO precisa de dar nome aos bois e direccioná-los ao curral certo, para os actos serem credibilizados e capazes de produzir efeitos, ou de implosão interna ou de afirmação de consulado, como as anteriores revoluções, empreendidas no MPLA, por Agostinho Neto e Eduardo dos Santos, muitas vezes com derramamento de sangue, assassinatos, expulsões e exílios, ao longo dos anos 1963, 1964, 1968, 1974, 1977, 1978, 1992, 1998, 2004, 2008, 2010, 2013, 2015 onde se processaram verdadeiras expurgas internas, para consolidação do poder do chefe.
Finalmente, seria bom que João Lourenço transmitisse confiança, também, ao povo que sofre, com o alto custo de vida, a falta de escolas para os filhos, de saúde e medicamentos baratos. A vida real, na Angola profunda, ainda não rejubila com a sua ascensão.
Mas as afirmações infelizes, proferidas no dia 08.01, em Luanda, de os cidadãos dos partidos da oposição, mesmo tendo comprovada competência, académica não poderem ascender mais do que o cargo de director, viola o princípio de igualdade constitucional.
Por outro lado, ao colocar-se como Presidente, somente dos jornalistas dos órgãos de comunicação social públicos, quando confrontado por um jornalista da Rádio 2000, da Huíla, que acreditando, talvez ingenuamente, estar diante do Presidente de todos os angolanos, partilhou o drama do magro salário de 25 mil kwanzas, praticado no interior e, recebeu (mais ou menos) um inesperado: “eu não sou accionista e os accionistas, não achariam correcto uma minha intervenção”. Excluído, pelo Presidente que conhece bem o historial destas rádios, ligadas à estratégia do MPLA, desde 1991, os seus camaradas respaldados “superiormente”, com esta carta branca, na Huíla, materializaram o óbvio: despediram o jornalista Tony.
Confrontado ainda com a pergunta de como seria o evento do 27 de Maio, em 2018, o Presidente tendo percebido o alcance da questão, minimizou-a, alegando não ser feriado nacional. Ora se há dossier que João Lourenço não desconhece é este, onde cerca de 80 mil cidadãos foram barbaramente assassinados pelo MPLA, outros tantos presos e discriminados, além de muitos jovens estarem, até hoje, sem paternidade e maternidade, por recusa de concessão das certidões de óbito, dos progenitores.
Voluntária ou involuntariamente, a honra dos mártires do 27 de Maio de 1977, que Agostinho Neto disse não perder tempo com julgamentos, demonstrando o seu carácter demoníaco, foi ofendida, desnecessariamente, pelo Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, em Janeiro de 2018, quando poderia dar uma esperança, dispondo-se a reabrir este delicado dossier, dando uma solução, ouvindo todas as partes.
Para 100 e poucos dias está a se exigir mais do que se devia ao PR! Não é possível fazer tudo isso em tão curto espaço de tempo.