O bispo auxiliar de Luanda saudou hoje o “novo período” na política angolana e a pacificação das relações Igreja/Estado, indicando que Angola “ainda é terra de missão” e que a nova Concordata está “bem encaminhada”.
“E sta viragem é um modo de dizer que o que vínhamos fazendo até agora estava mal feito”, assinalou Zeferino Zeca Martins, em declarações à Agência Ecclésia, lembrando ainda a “escolha acertada” do papa Francisco na nomeação do novo bispo de Cabinda, Belmiro Cuica Chissengueti.
Bispo auxiliar desde 2012, quando foi nomeado por Bento XVI, Zeferino Zeca Martins, antigo provincial dos Verbitas, disse que Angola “ainda é terra de missão”, do ponto de vista católico, e que viveu uma “crise moral”, antes do actual tempo de “reconstrução”.
“A Igreja está muito atenta” à evolução política numa sociedade “moralmente desfeita pela corrupção, pelo descompromisso” público, acrescentou, aludindo às acções e reformas que o Presidente angolano, João Lourenço, tem implementado no país.
Por outro lado, o prelado explicou, sem pormenorizar, que o acordo entre a Santa Sé e Angola para uma Concordata está “bem encaminhado”. “A Igreja está a viver um momento muito bom, muito bonito”, sustentou.
“A nomeação de D. Belmiro foi acertadíssima, vem numa ocasião propícia. É uma pessoa de muito diálogo, muito trabalhadora, muito da Igreja, um missionário autêntico. Creio que a Igreja de Cabinda só terá a ganhar”, observou, sobre o religioso com quem colaborou em Luanda e na Comissão Justiça e Paz de Angola.
O bispo auxiliar de Luanda disse esperar que Belmiro Cuica Chissengueti, nomeado pelo papa Francisco em 3 de Julho, seja bem acolhido pelos católicos da comunidade de Cabinda, uma igreja que “já madura, que está aberta à Igreja universal”.
Já o novo bispo de Cabinda disse à Agência Ecclésia que quer ser “alguém aberto ao diálogo” e “sem nunca fechar as portas a ninguém”.
Belmiro Cuica Chissengueti, até agora superior provincial da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos) em Angola, vai ser ordenado numa cerimónia que decorrerá na Arquidiocese de Luanda, estando a tomada de posse na Diocese de Cabinda marcada para 7 de Outubro.
Questionado sobre as pretensões independentistas no enclave angolano de Cabinda [liderado pela Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda – FLEC/FAC], o novo bispo sublinhou que a missão da Igreja é “essencialmente religiosa, espiritual”, sem qualquer “distinção” de pessoas.
A diocese angolana esperava um novo bispo desde 2014, altura em que Filomeno Dias foi nomeado arcebispo de Luanda, continuando como administrado apostólico de Cabinda.
Belmiro Cuica Chissengueti nasceu em 5 de Março de 1969 (49 anos), na aldeia do Cutato-Chiguar, município da província do Bié, no centro de Angola.
A verdade da mentira
Novembro de 2015. Filomeno do Nascimento Vieira Dias passava a ser o presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), em substituição de Gabriel Mbilingue, arcebispo do Lubango. Que tal irmos à memória buscar factos que importa não esquecer? Desde logo porque a verdade não prescreve.
Embora de vez em quando surjam revoltas dentro da própria Igreja Católica, certo é que a sua hierarquia em Angola continuava a fazer o jogo do regime, esquecendo que o rebanho é que precisa de ser protegido.
Contrariando os seus mais basilares princípios, a Igreja Católica angolana esteve claramente “vendida” ao regime, sendo conivente nas acções de dominação, de prepotência, de desrespeito pelos direitos humanos. Aliás, a tese da libertação foi há muito – mas sobretudo nos últimos anos – mandada às malvas pela hierarquia católica.
Por muitas que sejam as vezes em que os responsáveis católicos comunguem, o pecado – por exemplo – do acordo celebrado em 2011 entre o MPLA e a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012 pode ser perdoado mas não pode ser esquecido.
“Da parte do partido no poder agenciou o acordo Manuel Vicente, na condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento”, relatam notícias da época, nunca desmentidas.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continuava a querer agradar a Deus (José Eduardo dos Santos) e ao Diabo (José Eduardo dos Santos), aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não era novidade.
Ao que parecia, a enorme violação dos direitos humanos, neste caso de Cabinda ao Cunene, a forma execrável como as autoridades coloniais de Angola tratam impolutos cidadãos, pouco interessar à Igreja Católica. Isto porque, de facto, o regime comprou a sua cobardia dando-lhe as mordomias que a leva a estar de joelhos perante o MPLA.
“Nós, como Diocese, contactamos a Procuradoria-Geral da República e esperamos que o assunto se resolva da forma mais célere e se esclareça quanto antes, embora notamos com preocupação que o tempo da prisão cautelar já se tenha excedido”, dizia em tempos o então vice-presidente da CEAST e Bispo da diocese de Cabinda, Dom Filomeno Vieira Dias, dando uma no cravo e outra na ferradura.
Dom Filomeno Vieira Dias sabia que em Cabinda, como em Angola, havia cada vez mais gente a ser tratada de forma ignóbil pelo regime do MPLA. Relembre-se o caso de José Marcos Mavungo. No entanto, desde que a Igreja não perdesse os seus privilégios foi fazendo o jogo dos poucos que têm milhões, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco ou nada.
Não deixa de ser elucidativo da posição subserviente da Igreja Católica o facto de Dom Filomeno Vieira Dias quase resumir os atentados aos direitos humanos em Cabinda ao caso que então correu mundo, e que foi obviamente muito grave, do padre Raul Tati.
“Eu, pessoalmente, visitei este sacerdote. Tive encontro com ele. O nosso vigário geral, também, há poucos dias, visitou-o e teve encontro com ele”, acrescentou o prelado, que rematou, indicando que “é quanto temos a dizer sobre esta matéria.”
Recorde-se que, entre outros, Raul Tati foi humilhado física e psicologicamente e, apesar disso, a Igreja Católica fez de conta que ele até estava bem, recusando-se a denunciar – como era e é seu dever – as abomináveis condições em que o padre e todos os outros detidos tentavam sobreviver.
Apesar de ter pedido a demissão, o Padre Tati não deixou de ser um cidadão. Cidadão cabinda cuja nobreza de espírito o levou a não pactuar com uma Igreja que esquece e até conspurca os seus mais elementares mandamentos.
No final de 2011, D. José Manuel Imbamba, arcebispo de Saurimo e porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, disse que os padres que teimam em defender os interesses dos cabindas não foram afastados por razões políticas, mas por questões disciplinares, nomeadamente por não manterem uma boa relação pastoral com o bispo D. Filomeno Vieira Dias.
D. José Manuel Imbamba sabia que estava a mentir. É grave. Ou estava calado ou, se para tanto tivesse coragem, falaria das pressões do regime angolano sobre os prelados que – tal como aprendeu o arcebispo de Saurimo – apenas querem dar voz a quem a não tem.
Aliás, o mesmo se passou com D. Filomeno Vieira Dias que só de vez em quando, raramente, quase nunca, se ia lembrando do “rebanho” que tinha a seu cargo como bispo de Cabinda.
Quando instado a comentar as detenções no estrangeiro de activistas dos direitos humanos de Cabinda, a mando do regime de Luanda ou – quem sabe? – de qualquer força extra-terrestre, o prelado católico não quis (pudera!) desagradar aos donos do poder em Angola e refugiou-se no argumento de que não comentava um caso que tinha ocorrido fora do país.
Consta, contudo, que D. Filomeno Viera Dias mostrou-se preocupado com aquilo que chamou de incapacidade de diálogo entre as pessoas. Pois é. Que em Angola todos que ousem pensar de forma diferente do MPLA sejam culpados até prova em contrário, isso não era preocupante para o bispo.
Preocupante era a falta de diálogo… num regime colonialista que só permite o seu próprio monólogo, que se julga dono da verdade, que põe a razão da força acima da força da razão.
“Para nós é sempre preocupante quando não há capacidade de diálogo e conversação entre as pessoas. Portanto ele (Agostinho Chicaia) foi detido fora de Angola, eu não posso pronunciar-me sobre um facto que ocorreu num outro país, não tenho elementos, é algo que procuramos aprofundar, procuramos saber quais são os motivos, mas não temos elementos sobre isto,” disse no seu estilo angélico D. Filomeno Vieira Dias.
Ao contrário do que, supostamente, aprendeu durante a sua formação religiosa, D. Filomeno Vieira Dias só raramente se lembrava que devia dar voz a quem a não tem. Recorde-se, por exemplo, que o bispo levou muito tempo a descobrir os excessos do regime angolano em relação aos cidadãos supostamente envolvidos em acções de apoio aos militares da FLEC.
Embora, no caso do ataque à escolta militar e policial angolana à equipa do Togo, tudo tenha acontecido em Janeiro de 2010, só em Junho D. Filomeno Vieira Dias enviou uma carta ao Procurador-Geral da República, general João Maria de Sousa, para mostrar preocupação em relação ao excesso de prisão preventiva de activistas e deplorar o adiamento indefinido do julgamento dos acusados.
Antes, a 3 de Maio de 2010, D. Filomeno Vieira Dias dissera que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
Ouvi-lo a falar de liberdade de informar quando, em todo o país, se era detido por ter ideias diferentes, sendo que em muitos casos se era preso só porque as autoridades pensavam que alguém tem ideias diferentes, é algo macabro.
D. Filomeno Vieira Dias disse então que a informação joga um papel fundamental na vida da sociedade, por isso os comunicadores devem fazê-lo com responsabilidade.
Será a responsabilidade a que aludia D. Filomeno Vieira Dias, dizer apenas a verdade oficial do regime? Seria ser-se livre para ter apenas a liberdade de concordar com as arbitrariedades deste regime neocolonial?
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola (ainda) não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como fez o regime angolano.
Folha 8 com Lusa