O que terá levado, nesta altura do “campeonato”, o embaixador da China em Luanda, Cui Aimin, a dizer (hoje) que a dívida de Angola para com o seu país “é controlável, sustentável e não é muito má”, considerando ser um assunto bilateral, sem, no entanto, avançar o montante?
Os argumentos do diplomata chinês foram apresentados hoje, em Luanda, durante uma conferência de imprensa sobre a Cimeira de Pequim, no âmbito do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que decorrerá nos dias 3 e 4 de Setembro.
De acordo com Cui Aimin, a dívida é uma situação normal de países em desenvolvimento que necessitam de sustentar os seus projectos, afirmando ser uma dívida “controlável e sustentável” para ambos os países. É claro que Luanda, talvez mais do que Pequim, agradece a explicação que certamente o Governo de João Lourenço fará chegar ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Para o devedor, é necessário tomar decisões conforme as próprias necessidades e capacidades. Para o credor, é também necessário levar em consideração a sua capacidade de financiamento. É um assunto bilateral, daí que a sua resolução deve merecer um tratamento entre as partes”, disse Cui Aimin, certamente agastado com esse fantasma do FMI.
Ainda assim, o embaixador chinês em Angola considerou que a situação da dívida de Angola para com o seu país “é controlável”. Ou seja, pormenorizou, “a situação não é muito má”.
A dívida externa acumulada de Angola à China, bilateral e comercial (através dos bancos), ascendia em 2017 a 21.500 milhões de dólares (18.600 milhões de euros), de acordo com dados oficiais do Governo angolano.
Cui Aimin destacou as reformas económicas (que, na verdade, ainda são um mero enunciado de boas intenções) em curso em Angola como “medidas positivas” para “evitar os riscos da dívida” e que dão igualmente um “outro vigor ao desenvolvimento económico” do país.
Angola marcará presença no FOCAC ao mais alto nível, com o Presidente João Lourenço a liderar uma vasta comitiva ministerial e empresarial.
Em relação à cooperação bilateral, o embaixador da China em Angola fez saber que ambas as partes estão a negociar alguns acordos, nomeadamente no domínio da “protecção de investimentos, evitação de dupla tributação e a troca de moedas”.
Acordos que, segundo o diplomata, estão “sem qualquer consenso” até ao momento, mas cuja efectivação, sustentou, deve “solidificar ainda mais as relações entre Angola e China”, bem como “atrair o investimento chinês e de outras partes do mundo” para Angola.
“Acho que, com a eventual assinatura [dos acordos], isso vai representar a solidificação das boas relações entre os dois países, mas também é um grande e importante factor para atrair os investidores chineses e estrangeiros”, afirmou.
“São garantias institucionais e jurídicas para os investimentos estrangeiros em Angola”, indicou.
Questionado sobre o volume global de financiamento da China a Angola, Cui Aimin referiu apenas que a cooperação financeira entre ambos países vai continuar, defendendo, porém, melhorias na sua estrutura e ajustamentos na sua quantidade.
“Vamos levar em consideração a situação económica da China e a sua capacidade. Posso dizer que esta cooperação de financiamento vai continuar. É necessário fazer uma melhoria da estrutura e, se calhar, também vamos fazer alguns ajustamentos em relação à quantidade”, observou.
O Fórum de Cooperação China-África, explicou o embaixador chinês, não se vai limitar ao aumento da confiança mútua entre a China e os Estados africanos, mas vai também traçar “medidas concretas” que atendam as necessidades de desenvolvimento de África e do país asiático.
A China é o maior financiador de Angola e, só em 2015, atribuiu uma nova linha de financiamento para obras públicas superior a 4.000 mil milhões de euros.
No entanto, este tipo de financiamento é amortizado por Angola com a entrega de petróleo bruto, sendo a China o principal cliente do crude angolano.
O FMI e a China
O FMI encorajou recentemente (Julho deste ano) a China a acelerar as reformas estruturais e a prestar atenção ao “crescimento insustentável” do crédito, para manter o crescimento económico ao mesmo tempo que reduz a dívida.
O FMI apontou “o contraste” entre os objectivos declarados por Pequim, como a estabilização do endividamento, o papel decisivo reconhecido ao mercado, maiores aberturas, e o aumento “sempre insustentável” do crédito, o intervencionismo invasivo do Estado ou ainda as restrições às trocas e ao investimento.
Se estas tensões não forem resolvidas podem ameaçar os objectivos de crescimento e encorajar uma “política de recuperação impulsionada pelo crédito”, como depois da crise financeira de 2008, alertou o FMI.
Esta reviravolta pode “intensificar as vulnerabilidades chinesas” e levar a “um brutal reajustamento” da segunda economia mundial, sublinhou. O alerta do FMI surgiu quando Pequim prometeu “uma política fiscal mais activa” para estimular a economia, com deduções fiscais e emissões de títulos para financiar projectos de infra-estruturas.
“Uma política baseada na direcção do Estado e no crédito servirá apenas para manter uma má distribuição de recursos e intensificar os riscos”, sublinhou o FMI.
Apesar do crescimento, impulsionado pelas exportações e gastos públicos, a dívida total da China continua a subir, advertiu o FMI, segundo o qual a dívida será superior a 260% do PIB este ano, excluindo o sector financeiro. A situação levou Pequim a cortar as despesas das colectividades locais e a reforçar as advertências sobre produtos de investimentos “opacos”.
Confrontada com um abrandamento económico e tendo como pano de fundo um agravamento das condições de crédito e a escalada das tensões comerciais com os Estados Unidos da América, a China poderá registar uma taxa de crescimento de 6,6% em 2018 e de 6,4% em 2019, num claro abrandamento em relação a 2017 (+6,9%).
O FMI lamentou que os “objectivos quantitativos de crescimento” fixados por Pequim possam levar à adopção de uma “política de recuperação incompatível com as necessidades de desenvolvimento a longo prazo” e pediu às autoridades chinesas que intensifiquem as reformas estruturais e “reduzam a presença do sector estatal em alguns domínios”.
Folha 8 com Lusa