O Ministério da Saúde de Angola lança amanhã, terça-feira, o concurso público com 7.667 vagas para o ingresso, promoções e actualizações de carreira, número que ainda não mitiga o défice 28 mil médicos no país. E então os médicos expatriados em serviço nos hospitais públicos sempre vão ser substituídos por clínicos nacionais? Brincar com a nossa saúde não é boa ideia…
A ministra da Saúde de Angola, Sílvia Lutucuta, no anúncio feito hoje, referiu que estão disponíveis 1.700 vagas resultantes de uma resolução da Assembleia Nacional, das quais 1.500 são para a admissão de médicos, 100 para enfermeiros licenciados e outras 100 para técnicos de diagnóstico e terapeutas licenciados.
Para o fundo salarial resultante do sector a nível nacional, existem 1.332 vagas de ingresso, 2.999 vagas para a promoção e 1.636 vagas para actualização, perfazendo o total de 7.667 vagas.
Segundo a ministra, o período de inscrição arranca a 3 de Setembro, por via de um endereço electrónico.
“É um concurso nacional que será feito a nível dos municípios e, a todos os níveis, terá para admissão uma prova escrita, elaborada para cada carreira na admissão. Terá correcção electrónica (…) a lista dos apurados será afixada nos municípios e haverá uma equipa de supervisão em cada província”, detalhou a ministra.
Segundo Sílvia Lutucuta, o grande objectivo é colocar quadros a nível dos municípios para mitigar os problemas que existem na assistência a nível primário, salientando que foi dada também alguma atenção aos hospitais nacionais.
“A eles também foi atribuída uma quota, porque, além da admissão em si, temos um programa de formação de quadros, porque precisamos cada vez mais a todos os níveis de médicos com especialidade, com competência para prestarem melhores serviços a todos os níveis”, disse a ministra.
Sílvia Lutucuta informou que podem também concorrer estrangeiros residentes, mas só para os casos de especialistas em áreas carenciadas.
A titular da pasta da Saúde sublinhou que não deve ser tanta a preocupação com o número ideal de profissionais da saúde no país, antes de se “ver o que é que também há disponível” no mercado.
A governante angolana, lembrando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o rácio de um médico para mil habitantes, disse que Angola tem apenas neste momento registado e formados cerca de 6.400 médicos.
“Nós precisamos de 28 mil, desses 6.400 temos neste momento cerca de 3.500 na função pública, alguns deles estão no sector privado e temos agora, por esta altura, cerca de 3.000 médicos à procura do seu primeiro emprego”, avançou.
“Mesmo assim, temos de fazer um esforço muito grande na formação, mas com qualidade para atingirmos as metas recomendadas pela OMS”, disse.
Relativamente ao rácio enfermeiro/paciente, a ministra disse que é “ainda menor”, de acordo com as recomendações da OMS.
“Mas nós temos rácios em alguns locais, em que há um enfermeiro para mil habitantes. Devíamos ter rácios inferiores. Apesar de todo o processo de formação que tem sido feito nos últimos anos, ainda temos um défice, ainda temos um número elevado de enfermeiros que estão no desemprego ou que estão noutras funções por falta de enquadramento”, referiu.
A ministra apelou para que se veja o assunto “com razoabilidade”, tendo em conta a situação económica actual do país. Isto, recorde-se, no mesmo dia em que (mesmo) Governo relançou a segunda fase de construção da zona sudeste da via Marginal de Luanda, troço Praia do Bispo/Corimba, que durará 18 meses e custará mais de 142 milhões de dólares (123 milhões de euros).
“Já se está a fazer um esforço, que agora que vai ser contínuo porque, além do Orçamento Geral do Estado, há resoluções eventuais, como esta da Assembleia Nacional. O sector também está a trabalhar no sentido de ter uma atenção muito especial para o fundo salarial gerado todos os anos. Com este fundo, haveremos de fazer sempre concursos de admissão”, salientou.
A governante avançou que os critérios de distribuição de quotas foram baseados nos pressupostos como o número de habitantes, perfil epidemiológico, número de recursos humanos já existentes e número de unidades hospitalares de cada nível que a província tem.
De acordo com a ministra, as províncias de Luanda, Lunda Norte, Benguela, Huambo, Bié e Cabinda foram as maiores beneficiárias, devido ao seu perfil epidemiológico, caracterizado por um elevado índice de malária.
“Por outro lado, também foi tido em conta as províncias que têm unidades hospitalares muito bem equipadas e de altíssima qualidade, com muito boas infra-estruturas, como por exemplo o Cuando Cubango e o Moxico, que vão ser centros no futuro de formação. Também foi atribuída uma quota pensando nisso”, acrescentou.
“Está a fazer-se um esforço, vamos mitigar o problema, mas não vamos resolver já todos os problemas de recursos humanos porque, de acordo com a informação e de acordo com os rácios da OMS, ainda estamos aquém das necessidades”, admitiu.
Brincar aos médicos e aos doentes
Como acima se referiu, Sílvia Lutucuta informou que podem também concorrer estrangeiros residentes, mas só para os casos de especialistas em áreas carenciadas.
No entanto, em Janeiro o (mesmo) Governo anunciou a intenção de substituir médicos expatriados em serviço nos hospitais públicos por clínicos nacionais, tendo em conta os 1.500 profissionais que estão actualmente desempregados, apesar das carências do país no sector.
Algo está doente num reino que conta actualmente com 6.400 médicos e precisa de ter 28 mil.
Aposição foi transmitida pelo secretário de Estado da Saúde, Atílio Matias, à margem do congresso do Sindicato Nacional dos Médicos, reconhecendo que, “entre uns mais antigos e outros mais novos”, o país tem hoje médicos no desemprego, apesar do custo da formação para o Estado.
Precisa de tantos médicos e tem médicos no desemprego. Estão a brincar com a nossa chipala e a gozar com a saúde de, pelo menos, 20 milhões de angolanos que todos os dias fazem um enorme esforço para aprenderem a viver sem… comer.
“Se começar, de forma positiva, a se reverter a necessidade de termos médicos expatriados em algumas áreas, poderemos aproveitar sim, essas vagas, para termos médicos nacionais”, defendeu Atílio Matias, em declarações aos jornalistas.
Em causa estão médicos formados nas universidades nacionais, públicas, mas também no exterior, nomeadamente através de bolsas atribuídas pelo Estado angolano.
Recorde-se que o (mesmo) Governo aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades.
Esta informação consta – repare-se – de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.
O mesmo decreto define que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.
O Governo anunciou em Abril desse 2016 que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.
O ingresso como médico interno geral é feito agora por contrato individual de trabalho celebrado com o Ministério de Saúde, pelo período de um ano, renovável automaticamente.
“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.
A informação consta de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual é “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.
O Governo previa gastar o equivalente a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimentos da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutivo, voltavam a ficar congeladas, segundo o OGE para esse ano.
Folha 8 com Lusa