O Presidente (nunca nominalmente eleito e há 38 anos no poder) José Eduardo dos Santos comemora hoje 75 anos, cinco dias após os angolanos terem ido às urnas mostrar, no mínimo, um cartão amarelo à sua corrupta e despótica governação. Tem no peito diversas medalhas, com destaque para que distingue Angola como um dos países mais corruptos do mundo, outra referente a ser o país com o maior índice de mortalidade infantil e uma terceira relativa aos 20 milhões de pobres.
Por Orlando Castro
Pela primeira vez na história dos simulacros de democracia, iniciada em 1992, José Eduardo dos Santos votou na quarta-feira para escolher um Presidente que não fosse ele próprio, embora fosse o que ele escolheu pessoalmente e sem direito a contestação. As vigarices das eleições gerais do dia 23 foram, reconheça-se, elogiadas pelos observadores nacionais e estrangeiros como um exemplo de vigarices e fraudes de mestre. Aliás, se não fosse para elogiar nunca o regime os teria convidado. Veja-se o facto de terem impedido a presença de observadores da União Europeia.
Eduardo dos Santos governou o seu reino unipessoal em condições difíceis… para os angolanos, soube conduzir com êxito um programa de reconstrução e de desenvolvimento de toda Angola que fez florescer o peculato levado a cabo pelos seus familiares e acólitos e termina (isto é como quem diz) pondo no seu lugar uma marioneta que tudo fará que, mais uma vez, se possa dizer que apenas mudarão algumas moscas…
Num artigo inspirado pelo extracto da conta bancária alimentada pelo regime angolano, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Portas (também conhecido pelo “Paulinho das feiras”) elogia o processo de sucessão em Angola em função dos desejos e pagamentos do cliente, dizendo mesmo que “Presidente José Eduardo dos Santos resistiu à tentação do poder vitalício e que a sua decisão de sair e organizar uma transição inovadora marca uma diferença em África”.
Consta que outros sipaios correligionários de Paulo Portas, como é o caso de Luvualu de Carvalho, temem perder o lugar de bajulador-mor para o ex-ministro português.
O “Paulinho das feiras” afirma ainda no referido artigo, previamente aprovado pelo seu patrono, que José Eduardo dos Santos soube separar o seu destino do destino do seu reino e que “não é apenas um dos vencedores da guerra, é um dos construtores da paz, é também um Presidente que soube sair e abrir caminho ao futuro”.
Esta afirmação levou o general Bento Kangamba, sobrinho de Eduardo dos Santos, a manifestar o seu desagrado porque entende – e muito bem – que o ranking do anedotário angolano só deveria contar com a participação de autores angolanos. Infelizmente a concorrência portuguesa é de peso: Paulo Portas, Martins da Cruz e Augusto Santos Silva são de facto adversários de enorme valor bajulador.
“Mesmo que o partido governamental seja o mesmo, o Chefe de Estado será outro. É inevitável a abertura de um ciclo novo. O Presidente João Lourenço é um militar muito respeitado e um político de larga experiência. Garantiu o essencial para poder fazer reformas: uma maioria estável. A perícia com que administrar as expectativas de mudança e as garantias de continuidade marcarão o seu mandato”, escreveu o Paulinho, abrindo assim a porta para o endeusamento do novo chefe.
Olhando-se ao espelho, o Paulinho lambe (e tem o direito de lamber quem e o que quiser) os seus amigalhaços do MPLA, destratando os portugueses que – diz ele – se comportam como se o império ainda existisse e analisam África sem sequer a conhecer e actuam com a arrogância.
O carácter divino de José Eduardo dos Santos (considerado o “escolhido de Deus”) é reconhecido em todo o mundo e arredores, seja na Coreia do Norte ou na Guiné Equatorial. Veja-se, por exemplo, que a ONU o felicitou, em 29 de Julho de 2000, pelo anúncio de que perdoaria todos os rebeldes armados, incluindo o seu líder, desde que reconhecessem as autoridades legítimas e contribuíssem para a consolidação do regime democrático, para a reconciliação nacional e para o desenvolvimento do país.
É obra. “Olhai para o que ele diz e não para o que fez ou fará”, recomendou as Nações (des)Unidas, certamente convicta que o MPLA e o seu emérito líder eram e são os mais emblemáticos representaste de Deus/Alá na Terra. Aliás, como se sabe (é só perguntar ao Paulinho Kangamba) o genocídio do 27 de Maio de 1977 nada teve a ver com o MPLA…
Já em 1998, com o retorno à guerra, na sequência da não aceitação dos resultados fraudulentos das primeiras eleições gerais da história do país, registada em 1992, José Eduardo dos Santos decidiu combater a subversão armada, mantendo em funcionamento todas as instituições aniquilando todos os resquícios de democracia, todos os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que não fossem do MPLA.
Bom. Mas hoje é dia para felicitar José Eduardo dos Santos. São 75 anos de vida, 38 dos quais a infernizar a vida de todos nós.
O “querido líder”, o “escolhido de Deus”, o mais alto representante de Deus na terra, José Eduardo dos Santos, continua com elevado sentido de humor, razão pela qual tanto gosta de gozar com os angolanos.
O mundo não só se rende como se curva perante uma tal envergadura deste presidente. A Coreia do Norte prepara-se para instituir o dia 28 de Agosto como “Dia Internacional Eduardo dos Santos”. Homenagens similares estão previstas para as maiores democracias do mundo, começando no Zimbabué, passando pela Arábia Saudita, China, Cuba, Irão, Guiné Equatorial, Síria e Estado Islâmico.
Convenhamos que, como escreveu o Financial Times, há petrolíferas razões que justificam que Eduardo dos Santos seja o paradigma dos paradigmas da política internacional. Nunca é demais relembrá-las, numa humilde contribuição da nossa parte enaltecer a efeméride.
Angola é (e continuará ser) uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes são uma elite indiferente ao resto da população. Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta. Os oligarcas deixam gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto cerca de uma em cada seis crianças angolanas morrem antes de terem cinco anos.
Esta pequena, mas poderosa, cleptocracia é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental, sendo os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios do clã Eduardo dos Santos.
Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc.. A clique dirigente consiste largamente nas poucas famílias de raça mista da capital, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo para os educar.
Por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa que não se preocupa com as consequências da sua gestão. Por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada.
Os membros do clã Eduardo dos Santos fazem luxuosas viagens à Europa e passeios entre capitais europeias recorrendo a aviões a jacto privados. O dinheiro dos governantes e o dinheiro do Estado é a mesma coisa. Todo ele é roubado ao Povo. Mas como o dinheiro não fala, empilham-no nos bancos da Europa (e não só) e gastam-no como lhes dá na real gana: compram quadros, cirurgias plásticas, casas de praia e empresas.
O perfil do cliente de elite angolano em Portugal, por exemplo, que representa mais de 40% do mercado de luxo português, revela que se trata sobretudo de homens, empresários do ramo da construção, ex-generais ou com ligações ao governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex. Do outro lado estão 70% de angolanos cujo perfil é pé descalço, barriga vazia, (sobre)vive nos bairros de lata.
Os angolanos de primeira, apoiados pelo seu “querido líder”, não olham a preços. Procuram qualidade e peças com o logo visível. É comum uma loja de luxo facturar, numa só venda, entre 150 e 300 mil euros, pagos por transferência bancária ou cartão de crédito. Na joalharia de luxo, os angolanos de primeira (todos afectos ao regime) também se destacam, tanto pelo valor dos artigos que compram como pela facilidade com que os pagam. Chaumet, Dior e H. Stern? Sim, pois claro. O preço não é problema. Quanto mais caro melhor. Comprar uma pulseira por 200 mil euros é como comer um pires de tremoços.
Refeições? Que tal trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005?
Quanto ao Povo, a ementa dessa subespécie é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem.