O Presidente vitalício de Angola e do MPLA, José Eduardo dos Santos, defendeu no dia 20 de Agosto de 2009, em Luanda a realização das eleições “presidenciais” angolanas num sistema parecido com o da África do Sul, que definiu como uma eleição “indirecta atípica”.
Por Orlando Castro
E assim aconteceu, acontece e acontecerá enquanto Angola não for de facto, não apenas de jure, uma democracia e um Estado de Direito.
Não importa que seja eleição “indirecta atípica”. O que importa é que José Eduardo dos Santos continue no poder, se possível durante toda a vida. Não seria o primeiro nem certamente o último.
“O que estamos a advogar agora é a eleição presidencial por sufrágio universal, mas num sistema que seja parecido com o da África do Sul”, declarou Eduardo dos Santos, defendendo a realização de um escrutínio directo e universal em que o Presidente é cabeça de lista do partido que o apoia, devendo a escolha popular ser depois ratificada pelo Parlamento, mas que não é uma eleição indirecta típica.
Ou seja: para além de as eleições se realizarem apenas e quando Eduardo dos Santos quer, e se quiser, é preciso que tudo se faça de modo a garantir que tudo ficará na mesma, como aliás acontece desde 1975 com o MPLA e desde 1979 com ele.
O dono do país, que respondia a perguntas de jornalistas, adiantou, no entanto, que a modalidade de realização das presidenciais dependeria da vontade da maioria.
E quem é essa maioria? É o MPLA. Aliás, como noutros tempos, dir-se-ia que o MPLA é o povo e o povo é o MPLA. E se assim é, se calhar nem valeria a pena haver eleições. Com elas ou sem elas, o povo continua a passar fome e o petróleo continua a chegar aos donos do mundo. Portanto…
“Evidentemente que sou presidente de um partido, sou presidente do MPLA”, frisou Eduardo dos Santos. E frisou bem, não fosse alguém esquecer-se.
A Constituição, como de resto tudo em Angola, foi também feita à medida e por medida e, é claro, aprovada pela tal maioria.
No meio de um discurso sisudo, Eduardo dos Santo não resistiu (ainda bem!) a contar uma anedota que, apesar de velhinha, continua a fazer-nos rir. Afirmou que “o Estado vai continuar a criar condições para que a imprensa seja cada vez mais forte, plural e isenta, responsável e independente”.
Como a audiência parecia não ter percebido o alcance da anedota, o chefe de Estado, do MPLA, do Governo, do país, pormenorizou: É preciso dar “expressão à realidade multicultural do país e contribuindo para a unidade da Nação e incentivando o surgimento e desenvolvimento da iniciativa privada nacional nos diferentes domínios da comunicação social”.
Regressado à sisudez soviética (atenuada em alguns pontos pela mão dos amigalhaços portugueses e brasileiros) onde aprendeu tudo o que sabe, Eduardo dos Santos disse que “hoje, neste acto histórico e solene, o povo angolano vai conquistar pela primeira vez uma Constituição genuinamente nacional que assinala o fim do período de transição em que vivíamos (desde 1991, com a abertura ao multipartidarismo) e instaura definitivamente um Estado democrático e de direito”.
Para os leitores menos habituados a esta linguagem figurativa do dono de Angola, importa fazer a tradução. “Constituição genuinamente nacional” significa que foi exclusivamente feita pelos angolanos de primeira e para os angolanos de primeira, ou seja os do MPLA.
“Estado democrático e de direito”, quer dizer um reino onde o clã Eduardo dos Santos dá total liberdade aos súbditos para seguiram o MPLA, bem como para perceberam a filosofia democrática do regime: “quero, posso e mando”.
Respondendo a críticas, com destaque para a UNITA, o maior partido da oposição que abandonou o Parlamento nos momentos de votação, Eduardo dos Santos disse que a Constituição “é fruto de um prolongado debate aberto, livre e democrático com todas as forças vivas da Nação”.
Tem razão. O debate foi aberto, livre e democrático. Todos puderam falar do assunto, propor alternativas e contestar. Todos aqueles que ainda não tinham percebido que esse debate era folclore e que a Constituição seria aprovada segundo as regras e interesses do regime…
O presidente lembrou ainda que esta Constituição “reafirma e consagra” entre os seus princípios estruturantes a democracia pluralista e representativa, o carácter unitário do Estado, a valorização do trabalho e o respeito pela dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa económica e empresarial, a justiça social, a participação dos cidadãos e o primado da lei.
Esta foi aquela parte tirada de outras leis fundamentais que ficam sempre bem, mas que não são para cumprir.
Se a existência de partidos é, só por si, sinónimo da de democracia, se calhar o regime de Salazar também era democrático. Para haver democracia, julgam alguns peregrinos das causas humanas, é preciso que o poder não esteja na mão de uma só pessoa, é preciso que o poder legislativo seja eleito, que o poder executivo seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito, que o poder judicial seja independente, que o Povo saiba quem elege ou quem não elege. Nada disto é verdade em Angola.
Assim, o presidente da República é o “cabeça de lista” do partido mais votado, mesmo que só consiga – por exemplo – 25% dos votos (não será o caso do MPLA que é bem capaz de passar os 100%).
Além disso, o presidente escolhe o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica e o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas.
Melhor do que isto não se conhece. Nem mesmo Jean-Bédel Bokassa, também conhecido como Imperador Bokassa I e Salah Edddine Ahmed Bokassa, Idi Amin Dada ou Mobutu Sese Seko fizerem algo de semelhante.