O monopólio da imprensa em Angola, a perseguição aos órgãos independentes, tornam actual uma revista ao pensamento de Claude Bertrand, para percebermos os riscos, que a incipiente democracia sofrerá com a concentração de todos os órgãos de comunicação social, exclusivamente, na esfera de empresários do regime.
Por William Tonet
N ão é surpreendente que as pesquisas indiquem uma desconfiança nos mídia e uma tendência para restringir a sua liberdade. Nos Estados Unidos da América, três quartos dos usuários têm confiança limitada na mídia, somente um terço dos franceses crêem na independência dos jornalistas. E, por outro lado, os diversos públicos exprimem o seu profundo descontentamento com o entretenimento que a mídia oferece.
Paradoxo: acusa-se a mídia de todos os males, embora ela nunca tenha sido melhor do que hoje. Para convencer-se disso, basta folhear os jornais do século passado, ver alguns programas de televisão dos anos 50 ou ler as vituperações dos críticos de antigamente. Melhor hoje portanto, mas medíocre. Ora, se antigamente a maioria das pessoas podia passar sem meios de comunicação, hoje em dia, mesmo nas nações rurais, sente-se necessidade, não só de mídia, mas de mídia de qualidade. E a sua melhoria não é simplesmente uma mudança desejável: o destino da humanidade depende disso. Efectivamente, só a democracia pode assegurar a sobrevivência da civilização, e não pode haver democracia sem cidadãos bem informados, e não pode haver tais cidadãos sem mídia de qualidade.
Essa afirmação é excessiva? A resposta vem da ex-URSS onde, entre 1917 e os anos 80, centenas de milhares de livros antigos e obras de arte foram destruídos, espaços imensos foram irremediavelmente poluídos, dezenas de milhões de pessoas foram mortas, sem que a mídia soviética tenha querido revelar e protestar.
Se a mídia não cumpre bem as suas funções, um problema crucial em toda sociedade cabe numa pergunta: como melhorá-la?
Diz-se que a mídia constitui ao mesmo tempo uma indústria, um serviço público e uma instituição política. Na verdade, nem todos os meios de comunicação fazem parte desta natureza tríplice: primeiro, a nova tecnologia permite o renascer de um artesanato. Por outro lado, uma parte da produção da mídia não consiste absolutamente num serviço público (por exemplo, a imprensa sensacionalista). Enfim, numerosos veículos (como os milhares de revistas profissionais) não desempenham nenhum papel na vida política.
Apesar disso, os órgãos com os quais se preocupam os cidadãos esclarecidos são os meios de informação geral, que não podem desfazer-se de nenhuma das três características.
Conflito de liberdades. Consequentemente, encontramo-nos frente a um conflito fundamental entre liberdade de empresa e liberdade de expressão. Para os empresários da mídia (e os anunciantes), a informação e o entretenimento são um material com o qual exploram um recurso natural, o consumidor, e tentam manter uma ordem estabelecida que lhes é lucrativa. Para os cidadãos, pelo contrário, informação e entretenimento são uma arma na sua luta pela felicidade, que não podem alcançar sem mudanças na ordem estabelecida.
Para tal antagonismo não há uma solução simples. Durante decénios, duas foram praticadas em mais da metade das nações do globo. Consistem em eliminar um dos dois antagonistas: as ditaduras de tipo fascista suprimem a liberdade de expressão sem tocar habitualmente na propriedade dos meios de comunicação. Os regimes comunistas suprimem a liberdade de empresa, pretendendo manter a liberdade de expressão. O resultado é o mesmo nos dois casos: a imprensa mutilada torna-se um instrumento de estupidez e de doutrinação.
Uma opção seria conceder á indústria da mídia liberdade (política) total. Com efeito, o fim do monopólio estatal e do controlo governamental do rádio e da televisão na Europa, nos anos 70 e 80, fez muito pela democracia e pelo desenvolvimento da mídia. Mas a sua comercialização crescente no século XX e a concentração da propriedade não combinam mal com o pluralismo. A “conglomerização” combina bem com a necessária independência da mídia. Se houvesse total liberdade, poder-se-ia esperar a prostituição da mídia, tanto no sector de informação quanto no de entretenimento. Tem-se uma ligeira ideia disso nos Estados Unidos onde quase toda a mídia é comercial e a regulamentação mínima.
Segundo Eugene Roberts, célebre director de quotidiano, “os jornais, salvo excepções, concentram-se no aumento de seus lucros a fim de agradar aos accionários”. Com o resultado que, naquele país, um grupo de imprensa pode chegar a perto de 25% de lucro, enquanto uma emissora de televisão pode alcançar 50%.
A finalidade da mídia não pode ser unicamente ganhar dinheiro. Nem ser livre: liberdade é uma condição necessária mas não suficiente. A finalidade a atingir é ter uma mídia que atenda bem a todos os cidadãos. Em todo o ocidente industrializado, a mídia privada desfruta há muito tempo de liberdade política e muito frequentemente forneceu serviços deploráveis.
É preciso então, ao contrário, pôr toda a mídia sob o controlo do Estado? A experiência feita no século XX pelo comunismo e pelo fascismo não realizou nada para dissipar uma desconfiança secular em relação ao Estado. Teme-se e com razão que aconteça uma manipulação absoluta das informações e do entretenimento.