Maria Eugénia Neto, viúva do primeiro Presidente de Angola e genocida responsável morte de milhares (talvez 80 mil) de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977, António Agostinho Neto, considerou hoje que o chefe de Estado português, amigo pessoal do MPLA, Marcelo Rebelo de Sousa, “não disse a palavra certa” quando usou o termo “reparações” pela colonização, sugerindo, por exemplo, “corrigir certos danos”.
A luso-angolana, nascida em Montalegre, Portugal, em 1934, expressou hoje, em declarações à agência Lusa, a sua opinião sobre o tema aberto, em Abril passado, pelo Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que sugeriu que Portugal devia liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo, com, por exemplo, o perdão de dívidas, cooperação e financiamento.
“Eu acho que há muita maneira [de reparar]. Dinheiro eles também não têm, que também têm dívida”, referiu. Para Maria Eugénia Neto, há muitas maneiras de Portugal ajudar, citando, como exemplo, o apoio do Governo português na estabilidade política de Moçambique.
“Por exemplo, em Moçambique estavam aqueles bandidos todos a avançar, a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) não conseguia travar, Portugal foi e tirou-os, mas não é só isso, há muita coisa”, apontou.
Segundo Maria Eugénia Neto, escritora e jornalista, a colonização afectou não só angolanos, mas portugueses também, “muitos deles, também foram escravos”.
“Coitados, alguns que vieram para aqui sabiam tanto ou menos dos que estavam aqui, em relação a ler e tudo, então o povo português não foi tão sacrificado?”, realçou Maria Eugénia Neto.
A antiga primeira-dama de Angola e presidente da Fundação António Agostinho Neto disse concordar com Marcelo Rebelo de Sousa, mas entende que a expressão não foi a mais correta.
“Os outros não concordaram, há sempre os que concordam e os que não concordam, mas eu acho que ele não disse a palavra certa. O Presidente devia ter dito outra palavra, enfim, corrigirmos certos danos”, salientou.
Sobre as reparações, o Governo liderado pelo social-democrata Luís Montenegro afirmou que “não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de acções específicas com o propósito” de reparação pelo passado colonial português e que se pautará “pela mesma linha” de executivos anteriores.
Noutra ocasião, em Cabo Vede, o chefe de Estado português (cuja popularidade nunca esteve tão baixa) disse que a reparação às ex-colónias está a ser feita através da cooperação portuguesa com as antigas colónias.
“Ainda agora houve um apelo das instituições internacionais para o Norte apoiar o Sul. Para Portugal não houve dúvidas nenhumas sobre a prioridade a dar àqueles que são Estados que falam português, que vieram à independência depois de terem sido colónias”, disse o chefe de Estado português.
Maria Eugénia Neto repetiu que “há muita maneira de ajudar e de melhorar as relações e é o que muitos estão a fazer e sempre fizeram muitos”.
“Quem preparou a nossa viagem para virmos combater – eles sabiam que a gente vinha combater – foram eles, foi o Partido Comunista que preparou a nossa viagem, que íamos morrendo, eu e os meus filhos, o meu marido, no caminho”, recordou a luso-angolana sobre a saída de Portugal.
“Só ganhamos hoje se tivermos boas relações com Portugal, falamos a mesma língua, temos um bocado de cultura que é igual, temos muita coisa e o mundo mudou”, acrescentou.
Ser viúva de um genocida é ser inimputável
Em 2019, a viúva do primeiro Presidente de Angola afirmou, em Luanda, que o seu marido, Agostinho Neto, “liderou pela palavra, exemplo, presença, comunicação e honestidade”. Em abono das doentias e patológicas (mas compreensíveis) teses de Maria Eugénia Neto está tudo o que respeita aos massacres de milhares e milhares de angolanos assassinados, por ordem de Neto, no 27 de Maio de 1977.
Maria Eugénia Neto, que falava na cerimónia de lançamento do livro “Augusta Conchiglia fotografa Agostinho Neto”, com fotos inéditas do maior genocida de Angola e um dos maiores de África, deveria ter vergonha do que diz, mesmo que goze – tanto quanto parece – do estatuto de inimputabilidade passado pelo MPLA.
Faça-se um parêntesis para explicar ao Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA que inimputável significa: “Que ou quem não pode ser responsabilizado por um facto punível, por se considerar não ter as faculdades mentais e a liberdade necessárias para avaliar o acto quando o praticou”.
Durante a cerimónia, que decorreu (obviamente) no Memorial António Agostinho Neto, Maria Eugénia sublinhou que as fotos mostram que a guerrilha foi feita pelo povo, uns descalços, outros calçados, uns velhos, outros novos, homens e mulheres. É verdade. Também foi feita por gente digna e indigna, por estadistas e escumalha, por heróis e por genocidas.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, o general João Lourenço, denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do (único segundo a leia do MPLA) Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente angolano.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou.
João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre o MPLA e o Presidente Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava (continua a estar) – e nós vamos lembrando porque temos memória – o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos Pacheco disse na altura que a obra resultou de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado do bureau político do partido de João Lourenço.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
Nós sabemos que o general João Lourenço abomina todos quantos usam a cabeça para pensar, bem como todos aqueles que têm memória. Mais furioso fica quando encontra quem em simultâneo, como acontece no Folha 8, pensa e faz – desde 1995 – Jornalismo com memória. Tenha paciência, Presidente. Connosco a verdade nunca prescreverá. Mesmo que mande matar o mensageiro, e mensagem continua a sua caminhada,
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Como em 1977, pensar mete medo aos donos do poder
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, o general João Lourenço alinhava (e alinha) na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.
O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.
Em 1974, duvidava que os portugueses (leia-se brancos) pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.