O bispo católico angolano Maurício Camuto criticou hoje que um grupo “que pensa ser iluminado” (ou seja, os donos do reino, a elite governativa do MPLA) e quer levar Angola avante “como se tivesse uma varinha mágica”, não consiga resolver os problemas do país, defendendo maior participação cidadã. Embora estas verdades não alimentem fisicamente os nossos 20 milhões de pobres, são um alento espiritual para todos aqueles que continuam a tentar aprender a viver sem comer.
Em conferência de Imprensa, o bispo da diocese de Caxito, Maurício Camuto, afirmou, sem meias palavras: “Há essa necessidade de implementar a participação de todos os cidadãos, que não haja só um grupo que pensa ser iluminado para levar o país avante, estamos a ver onde é que chegámos por causa disso”.
Aludindo às autoridades que dirigem o país (há 48 anos nas mãos do MPLA), o bispo católico disse que este “pequeno grupo [de governantes] pensa ter todas as soluções, como se tivesse uma varinha mágica para resolver tudo”.
“E estamos a ver que não conseguem resolver”, realçou o também secretário-geral da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), tendo defendido mais espaço para os cidadãos participarem na vida do país. Participarem na vida já que a morte, à fome ou por acção da Polícia Nacional do MPLA, está garantida.
“Que todos possam participar e dar o seu contributo político, social, programático para que ajudemos o país a sair da situação em que se encontra”, salientou o Bispo que, assim, se coloca na linha de fogo das armas desses “iluminados” que, para além de terem o cérebro ligado aos intestinos, entendem que a razão da força (do MPLA) nunca será derrotada pela força da razão do Povo.
Falando na conferência de imprensa de lançamento da sétima edição da Semana Social, que decorre em Luanda entre 19 e 21 de Julho, numa parceria da CEAST com o Mosaiko – Instituto para a Cidadania, o bispo considerou ser “urgente” o processo autárquico.
“Então, é importante para isso que instauremos as autarquias para soluções locais e não esperar por decisões centrais, o que atrasa o nosso país e lança-nos na miséria em que nos encontramos”, apontou Maurício Camuto.
Para o bispo católico angolano “é urgente e necessário a implementação do processo autárquico que pode ajudar-nos a sair do marasmo em que nos encontramos”.
Maurício Camuto comentou também os argumentos sobre falta de condições nos municípios para a implementação das autarquias, considerando que se está a “colocar a charrua à frente dos bois”.
“Quando dizemos que há localidades que não têm desenvolvimento suficiente para realização das autarquias estamos a colocar a charrua à frente dos bois, este argumento não colhe”, observou.
Maurício Camuto manifestou-se igualmente solidário com as vozes da sociedade civil e de sectores políticos que defendem a materialização das eleições autárquicas no país, referindo que a esperança das autarquias foi apresentada pelo Presidente da República, João Lourenço.
Com a subida do actual Presidente da República, João Lourenço, ao poder, assinalou o bispo, “foi dada esta esperança sobre a realização das autarquias” mas “já lá vão tantos anos e até agora as autarquias não se concretizem”, criticou.
“Há muitas questões, que são normais, há interrogações sobre alegado medo ou risco de o partido no poder perder posições, pode ser isso, mas também se fala em legislação não concluída”, frisou.
O bispo católico defendeu ainda a necessidade de “pressionar” os legisladores, os deputados, de modo que estes possam concluir o pacote legislativo sobre as autarquias.
A lei sobre a institucionalização das autarquias em Angola é o único diploma do pacote legislativo sobre o poder local que falta ser aprovado pelo parlamento angolano.
As autarquias serão um dos temas abordado nesta “Semana Social”, espaço de debates sobre a vida socioeconómica do país. Este ano o encontro decorre sob o lema “Participação Local, Mudança Global”.
… E por falar em Igreja, em Angola a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais. Não, ao contrário do que dirão de imediato os arautos do regime, não foi o Folha 8 quem afirmou tal coisa.
Quem o disse em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, foi o arcebispo da cidade do Huambo, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República do regime, João Maria Moreira de Sousa.
D. José de Queirós Alves admitia também que ainda subsistia no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça. Assim continua.
O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras.
“O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”, disse D. José de Queirós Alves.
Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão, que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006, D. José de Queirós Alves já dizia (e assim continua) que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.
Nessa mesma entrevista, o arcebispo do Huambo considerava a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.
D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.
E, já agora, citemos Frei João Domingos que afirmou que em Angola “muitos governantes têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Folha 8 com Lusa