A delegação da União Europeia (UE) em Angola assinou hoje os contratos de financiamento de quatro projectos na área dos direitos humanos, que vão receber um total de 850 mil euros. Pois é. Não esqueçamos que MPLA assassinou recentemente, a sangue-frio, uma zungueira, de seu nome Raquel Kalupe.
Os quatro projectos, com duração de dois a três anos foram seleccionados na sequência de um convite à apresentação de propostas com vista a reforçar a protecção e respeito pelos direitos humanos, a democracia e as liberdades fundamentais em Angola, nas áreas de maior risco. Saberá a União Europeia que não é possível defender o que não existe?
Em concreto, pretendia-se projectos que contribuíssem para a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, combate à violência baseada no género e fortalecer o direito à informação e da liberdade de expressão.
Foram seleccionados os projectos “Pelas Meninas e Mulheres de Cabinda” das organizações World Vision e Salesianos Dom Bosco de Angola, que pretende fortalecer organizações da sociedade civil e criar uma rede de activistas pela eliminação da violência de género, e “Ampliando direitos, construindo o futuro” da ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, visando o respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e jovens, e a redução da vulnerabilidade nas zonas rurais das províncias do Huambo e de Malanje.
Os projectos “Mudança”, da Liga de Apoio à Integração dos Deficientes (Lardef), direccionado à inclusão social e económica das pessoas com deficiência em Angola, e “A Voz do Jornalista — Fase II”, implementado pela Radio Ecclesia e o Sindicato de Jornalistas Angolanos, para reforçar o papel dos jornalistas em termos de garantia dos direitos humanos e à liberdade de imprensa e informação também foram escolhidos.
Em declarações no final da cerimónia, a embaixadora da UE, Jeannette Seppen, afirmou que a União Europeia mantém um diálogo anual com o Governo angolano sobre estes temas. Na Europa talvez o diálogo ajude a dar de comer a quem tem fome. Em Angola não. Talvez o diálogo funcione nos países que são aquilo que Angola não é – uma democracia e um Estado de Direito.
Questionada sobre o mais recente relatório da organização Human Rights Watch, que apontou ameaças à liberdade de expressão e de imprensa e violência policial como principais preocupações, a diplomata afirmou que ainda não foi abordado com as autoridades angolanas. Não foi nem será. Jeannette Seppen sabe que, desde 1975, o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.
“Tomámos muito boa nota desse relatório, vamos tratando (desses temas) no nosso diálogo, mas também nas nossas acções concretas, já que os projectos que financiamos e vamos continuar a financiar também tratam destas temáticas”, referiu Jeannette Seppen. Direitos humanos não são “temáticas”. Só o poderiam ser se existissem.
A diplomata sublinhou que Angola e a União Europeia mantêm “uma relação de parceria” em que são falados “muitos assuntos”, entre os quais os direitos humanos, “uma temática extremamente importante” na política europeia. Embora não seja matumba, talvez Jeannette Seppen não se importe de o parecer. Não pode, contudo, é querer que os angolanos que estão a aprender a viver sem comer acreditem que os nossos rios são habitados por jacarés vegetarianos.
“Vamos continuar a trabalhar com o Governo de Angola, a favor de todos os angolanos e angolanas para que os desafios que temos nos direitos humanos tenham um seguimento positivo”, complementou Jeannette Seppen.
Por sua vez, a secretária de Estado da Justiça para os Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário salientou que, neste diálogo bilateral, as questões são colocadas em cima da mesa e discutidas pelas duas partes. É claro que sim. O MPLA escuta a União Europeia, faz contas aos seus contributos financeiros, concorda com tudo, diz que sim, e depois continua a nada fazer pelos nossos 20 milhões de pobres. Simples.
“Não é uma avaliação de Angola ou da UE, cada uma das partes apresenta a sua visão e diz como é que tem estado a trabalhar, há pontos mais críticos para nós e outros que são mais críticos para a UE, é um diálogo de troca de informação e de experiências e é nessa base que trabalhamos”, afirmou Celeste Januário. E afirmou bem. Todos podem opinar, mas quem decide é sempre o mesmo, o MPLA.
DIREITOS HUMANOS? UM DIA… TALVEZ!
Há um ano (Janeiro de 2022) a Human Rights Watch (HRW) aplaudiu a entrada em vigor do novo código penal em Angola, que descriminaliza a homossexualidade, mas alertou para a implicação das forças de segurança angolanas em violações graves dos direitos humanos. O relatório da HRW não foi, obviamente, contraditado pelos donos do país, nomeadamente pelo Departamento de Informação e Propaganda do MPLA…
No capítulo dedicado a Angola do seu relatório anual, divulgado a 13 de Janeiro de 2022, a organização não-governamental recordou que em 2021 entrou em vigor o novo código penal em Angola, que substituiu uma lei obsoleta, de 1886, que ainda punia aqueles que “habitualmente se entregam à prática de vícios contra a natureza” e que limitava o acesso a emprego, à saúde e à educação aos homossexuais, bissexuais e transgénero.
“Há aspectos que merecem a nossa apreciação positiva. Mas para a dimensão dos problemas de direitos humanos de Angola ainda há muito trabalho para se fazer. (…) Por exemplo, no que diz respeito à actuação das forças de defesa e segurança, muito pouco mudou”, disse a representante da HRW para Angola, Zenaida Machado.
Segundo o relatório, em 2021 as forças de segurança angolanas “continuaram a ser implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções sumárias, uso excessivo de força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias”.
No relatório recordou-se que, em 30 de Janeiro, a polícia matou pelo menos 10 manifestantes (foram, de facto, muitos mais) quando “disparou indiscriminadamente contra as pessoas que se tinham juntado pacificamente para exigir melhores serviços públicos” na cidade de Cafunfo, na província de Lunda Norte.
“É uma decepção enorme ver que as forças de defesa e segurança de Angola continuam a agir da mesma forma, como se quem pacificamente protesta contra o regime fosse um inimigo do Estado”, disse Zenaida Machado, comparando a situação com a do regime do ex-Presidente José Eduardo dos Santos porque havia “expectativas positivas em relação” ao Presidente João Lourenço.
A responsável defendeu a “necessidade urgente de reestruturação e reforma das forças de defesa e segurança” angolanas, o que passa por “formação em aspectos de direitos humanos, e a “implementação urgente e eficiente” da estratégia de direitos humanos aprovada há dois anos pelo Governo.
De acordo com Zenaida Machado, a HRW lamentava também a forma como o Governo de Angola estava a gerir a crise alimentar no sul do país, que segundo o relatório deixou em situação de fome severa mais de 1,3 milhões de pessoas nas províncias de Cunene, Huíla e Namibe, incluindo 114 mil crianças com menos de 5 anos. A HRW esqueceu-se que Angola “só” tem 20 milhões de pobres e que, graças ao Governo do MPLA (no Poder há 47 anos), são cada vez mais os angolanos que estão prestes a saber viver sem… comer.
Segundo a governadora do Cunene, citada no documento, esta crise terá levado a um movimento de pessoas “nunca antes visto”, com 4.000 pessoas deslocadas dentro da província e outras 2.000 na Namíbia.
Zenaida Machado disse que a HRW recebeu informação através das autoridades da Namíbia de que crianças terão morrido durante o ano de 2021 porque chegaram à Namíbia demasiado malnutridas e não foi possível salvá-las.
“A forma leve como o Governo de Angola tem estado a gerir o problema preocupa-nos”, disse, apelando a “medidas concretas para proteger aquela população (…) e colaboração eficiente e eficaz com os países vizinhos” para que as autoridades angolanas possam apoiar os refugiados.
No relatório, a organização lamentou também que as autoridades continuem a usar “leis draconianas” para limitar o trabalho dos jornalistas e alertou que milhões de angolanos em todo país vêem negado o direito a informação livre, diversa e imparcial, já que o país é o único da África austral sem estações de rádio comunitárias, e recorda que as autoridades reduziram o número de televisões privadas quando suspenderam três canais em Abril, o que resultou na perda de centenas de empregos.
No documento sublinhou-se também o problema da violência sexual contra crianças, recordando-se que em Junho o Instituto Nacional da Criança (INAC) revelou que mais de 4.000 crianças com menos de 14 anos tinham sido vítimas de abuso sexual desde Junho de 2020, na maioria meninas de Luanda vítimas de vizinhos ou amigos da família.
Em Setembro, lembrou ainda a organização, o Governo revelou a existência de uma rede de prostituição infantil na aldeia de Cahota, província de Benguela, alegadamente controlada por migrantes chineses, tendo sido noticiados dezenas de casos de meninas, algumas de 13 anos, grávidas dos seus predadores.
Folha 8 com Lusa