E os direitos humanos nas zonas diamantíferas?

A organização não-governamental angolana Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) alertou hoje, em Bruxelas, para o desrespeito pelos direitos das comunidades locais em zonas de exploração de diamantes, apelando à União Europeia para que seja mais interventiva.

Numa “mesa redonda” no Parlamento Europeu sobre violações dos direitos humanos no sector diamantífero em Angola, organizada pela eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes e pelo deputado conservador romeno Cristian Preda, a AJPD apresentou o estudo “Os Impactos da Exploração Diamantífera sobre as Comunidades Locais”, que divulgou há menos de um mês em Luanda, dando também conta da situação política no país.

Em declarações à Lusa no final do debate, que contou com a participação de vários eurodeputados de diversos países e famílias políticas, Godinho Cristóvão, director administrativo da AJPD, indicou que o objectivo da organização foi “chamar a atenção da União Europeia, entre outras organizações internacionais, relativamente à questão do respeito pelos direitos humanos em Angola, mais concretamente no sector da industria extractiva, olhando sempre na perspectiva dos direitos humanos”.

O responsável da ONG sublinhou que o estudo, focado nas províncias de Lunda Norte e Lunda Sul, permitiu identificar “vários problemas, sobretudo da acção das empresas de extracção mineira, no que toca à responsabilidade social corporativa e também ao respeito dos direitos daquelas comunidades”, assim como a nível da “transparência”.

Para Godinho Cristóvão, este é um assunto que diz respeito à UE, não só porque muitas das empresas de extracção são provenientes da Europa, mas sobretudo pela influência que pode ter sobre as autoridades angolanas.

“Em muitas situações não sentimos pressão da UE, e também é necessário mais apoio para as organizações (não governamentais) fazerem o seu trabalho. Como tem uma relação muito próxima com o Governo (angolano) e com o país, a UE fazer mais recomendações, mais pressão relativamente ao respeito pelos direitos humanos”, sustentou.

Num debate em que foi por diversas vezes mencionada “a maior abertura” do país desde que João Lourenço assumiu a Presidência de Angola – e que permite, por exemplo, que os responsáveis da AJPD possam regressar de Bruxelas a Luanda sem receio de serem presos, notou Ana Gomes -, o responsável da ONG sustenta todavia que se sucedem casos que “mostram claramente que as instituições ainda têm muito para andar”.

“Não basta uma única pessoa dar a ideia de que quer fazer mudanças, quando, na prática, vemos todos os dias que as coisas continuam na mesma. Precisamos de instituições que funcionem. Temos esperança de que um dia as coisas possam vir a mudar, mas não acredito que seja tão cedo: ainda temos o mesmo partido a governar o país, muitas práticas são as mesmas. Se calhar com alternância…”, concluiu.

O estudo da ONG, que fora já apresentado em Luanda em 11 de Março passado, critica o Estado angolano pela “ausência” de responsabilização pelas comunidades que residem nas zonas de exploração diamantíferas, permitindo abusos das empresas de exploração mineira, sobretudo no leste.

“A parte negativa (do que se conclui no estudo) passa pela ausência do Estado, que se exonerou das suas responsabilidades no cuidado das populações que vivem à volta das zonas de exploração diamantífera, que não têm acesso a água, o sistema de ensino é precário e o de saúde quase nulo. Os jovens vivem desempregados e há um elevado número de meninas com gravidezes precoces”, explicou na ocasião a AJPD.

Outro aspecto negativo, prosseguiu, é o facto de o Estado angolano “não ter a mínima preocupação” em criar condições para a promoção e inclusão dos jovens que vivem nas áreas de exploração diamantífera.

Recorde-se que a UNITA, maior partido da oposição em Angola, denunciou no dia 11 de Março a “conflituosidade” entre sobas e as forças de defesa e segurança, nomeadamente nas províncias angolanas das Lundas, considerando ser este “um alerta” de que algo não está bem.

Em declarações aos jornalistas, em Luanda, no final da apresentação do estudo sobre “Os Impactos da Exploração Mineira sobre as Comunidades Locais”, o líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, alertou para os perigos da “elevação dos níveis de conflito” na Lunda Norte e Sul, no leste do país.

Em causa está o descontentamento das populações que residem próximo das zonas de exploração diamantífera nas Lundas com as promessas por cumprir por parte das empresas de exploração mineira e diamantífera, que têm levado as autoridades tradicionais a protestarem contra o que dizem ser o abandono a que estão submetidos pelo Estado.

“Estamos mais uma vez a pensar enviar uma delegação para fazer um levantamento das razões pelas quais as autoridades tradicionais chegam à absoluta necessidade de entrar em conflitualidade com as forças de defesa e segurança. Isto é um alerta de que qualquer coisa não está bem por estas regiões. É uma preocupação grande”, afirmou.

“Ver sobas, em número de vinte e poucos, agredidos, presos e a necessitarem de ‘lutar’ com as forças de defesa e segurança, isto é o máximo de alerta que as instituições poderiam e deveriam ter para intervirem efectivamente com a responsabilidade que um problema destes obriga”, frisou, sem nunca adiantar onde ocorreram os incidentes.

O dirigente da UNITA realçou que, recentemente, num encontro com homens de negócio que actuam nas Lundas, o alertaram para os efeitos nocivos da “Operação Transparência”, lançada pelo Governo e operacionalizada pelas forças de segurança em Setembro de 2018, que, entre outros objectivos, visa repor a autoridade do Estado e pôr cobro à exploração ilegal de diamantes e à imigração irregular.

“Era uma operação necessária, sem dúvida, pois era preciso arrumar a casa em muitas questões, mas, diziam-me estes empresários, correram com toda a gente, inclusivamente com os legais, e agora estão a substituir os legais pelos amigos. Isto está a trazer muitos problemas novos e muitas conflitualidades”, sublinhou.

Para Adalberto da Costa Júnior, é necessário em Angola um Estado “que regule e que faça cumprir com isenção e que definitivamente o faça com a transparência que as necessidades de uma governação transparente exigem e que, de facto, não são ainda a realidade que temos no país”.

“A fiscalização não funciona. Quem está a dizer a verdade? Depois a imagem é forte, e é de uma extrema pobreza das comunidades. Mais ainda, substituir uns por outros acaba por trazer a continuidade do problema. Precisamos efectivamente de um Estado que faça uma mediação com isenção e rigor”, defendeu.

O estudo sobre “Os Impactos da Exploração Mineira sobre as Comunidades Locais”, foi elaborado pela Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) entre Setembro de 2015 e Setembro de 2018.

No estudo, apresentado em Luanda pelo coordenador da organização não governamental angolana, Serra Bango, é criticada a “ausência” do Estado na responsabilização pelas comunidades que residem nas zonas de exploração diamantíferas, permitindo abusos das empresas de exploração mineira, sobretudo nas Lundas.

Folha 8 com Lusa

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