Médicos angolanos iniciaram hoje uma greve de três dias, para exigir melhorias salariais e nas condições de trabalho, com um nível de adesão “muito alto”, disse à Lusa o presidente do Sindicato Nacional dos Médicos, Adriano Manuel.
Segundo o responsável sindical, a adesão ao primeiro dia de greve “ultrapassou as expectativas”, mau grado – segundo Adriano Manuel – uma situação de “intimidação” na província do Huambo, onde “a polícia rasgou os panfletos”, e também por parte do Governo provincial, disse.
“Exceptuando esta região, não ouvimos mais queixas de outras partes”, disse o presidente do sindicato, adiantando que em Luanda a “adesão é total”.
Adriano Manuel disse que o sindicato continua aberto ao diálogo com a entidade patronal, que apenas 19 horas antes do início desta greve apresentou a sua contraproposta ao caderno reivindicativo, entregue em Agosto.
“Alguns elementos que fazem parte da comissão negociadora só tomaram conhecimento da resposta ao caderno na porta do Ministério”, disse, sublinhando que a análise às respostas às suas reivindicações carece da avaliação de outros especialistas, nomeadamente economistas e juristas.
Nesse sentido, a comissão negociadora do sindicato optou pela interrupção do encontro, para ser retomado hoje, aguardando neste momento que o Ministério da Saúde se pronuncie.
Num comunicado divulgado à imprensa, o Ministério da Saúde manifestou total disponibilidade para negociar, recordando que foi criada uma comissão coordenada pelo secretário de Estado para a área hospitalar, que conversou com o Sindicato dos Médicos no passado dia 14.
“A demora quase quatro meses para responder a um caderno reivindicativo, manda-nos a resposta 19 horas antes, e quer que nós respondamos na hora”, criticou Adriano Manuel.
O presidente do Sindicato Nacional de Médicos de Angola disse ainda que a contraproposta apresentada “não responde absolutamente nada” às exigências apresentadas, justificando assim a decisão de manter a greve.
“É tudo com evasivas, demonstrando uma certa arrogância, e nós não permitimos que isso aconteça”, referiu.
Para Adriano Manuel, a ministra “não tinha intenções de negociar”, mas esta foi “uma tentativa de cancelar a greve”.
O Ministério da Saúde refere que ficou agendado um outro encontro, a pedido dos sindicalistas, para esta semana, com vista a consultas técnicas.
“Perante estes esforços e, estando em curso o processo negocial”, o Ministério “entende não haver as razões objectivas para o início da greve” e apela ao “bom-senso” dos médicos, lê-se na mesma nota da tutela.
Médicos precisam-se… há muito
Angola conta actualmente com cerca de 6.400 médicos para uma população de 28 milhões de habitantes, número que a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, considera insuficiente, defendendo por isso uma maior aposta na formação de quadros.
Sílvia Lutucuta recordou a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que para cada mil habitantes exista um médico.
Nessa estatística, Angola deveria ter 28.000 médicos ao serviço, quando no quadro actual existe apenas um para cerca de 4.400 habitantes.
“Ainda só temos 6.000, isso significa que temos que continuar a formar, mas formar com qualidade e diferenciar os médicos nas várias áreas de saber”, disse a ministra, em Janeiro passado.
Questionada sobre o facto de em Angola enfermeiros exercerem o papel de médicos, para colmatar essa deficiência, Sílvia Lutucuta defendeu que o problema precisa de ser visto noutra vertente, ou seja, é preciso mais trabalho para que diminuam as enchentes nas unidades centrais.
“Nós precisamos de trabalhar mais nos nossos cuidados primários de saúde, para evitarmos as enchentes nas unidades centrais. Claro que os enfermeiros também têm o seu papel dentro dos padrões existentes, de acordo com a lei, e nós temos que valorizar o seu trabalho”, referiu.
A titular da pasta da Saúde disse que os médicos são elementos fundamentais no sistema de Saúde e os desafios actuais que o sector enfrenta têm que ser tratados de forma integrada, através da partilha de conhecimentos, defendendo ainda a prestação de cuidados de saúde de forma mais humanizada, não só aos utentes, mas também aos familiares.
Segundo a ministra, é necessário que se alie a prática da medicina à investigação, contudo são necessários mais recursos para a sua realização.
Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Médicos de Angola, Carlos Alberto Pinto, referiu que as reclamações dos médicos são a formação contínua, o recrutamento de médicos para os serviços nacionais de saúde e questões ligadas à sua protecção social.
Carlos Alberto Pinto disse que houve uma redução significativa do problema com falsos médicos, vividos há alguns anos, graças a uma intervenção mais cuidada da Ordem.
“Graças à acção da Ordem e de outros órgãos que permitiu uma redução drástica”, disse o bastonário, sublinhando que não deve haver, dentro do Serviço Nacional de Saúde, pessoas que não estejam habilitadas a exercer medicina.
“É um risco muito grande e nós vamos continuar a fazer esforços para detectarmos esses falsos médicos. O apelo aqui também à população para que denuncie a existência e os órgãos que tomem as medidas necessárias”, disse.
Instado também a comentar o facto de enfermeiros actuarem como médicos nos hospitais do país, Carlos Alberto Pinto disse que o assunto está a ser revisto e estudado, mas o “médico tem o seu papel”, assim como o enfermeiro, cuja actividade é “complementar”.
26 de Janeiro de 2015
O bastonário da Ordem dos Médicos de Angola afirmou no dia 26 de Janeiro de… 2015 que o número de médicos a trabalhar no país é ainda insuficiente, numa relação de um clínico por cada oito mil habitantes. Carlos Alberto Pinto de Sousa falava então à imprensa à margem do X Congresso Internacional dos Médicos.
Segundo o clínico, a insuficiência de médicos deveria ficar colmatada nos próximos anos com a execução do Plano de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Foi em 2015.
“Estou em crer que nos próximos sete a oito anos, vamos cobrir o país inteiro com um número aceitável de médicos. Actualmente, a relação é de um médico por cada oito mil habitantes e estamos em crer que nos próximos cinco anos atingiremos um médico por cada três a quatro mil”, referiu o bastonário.
De acordo com o Carlos Alberto Pinto de Sousa, a cooperação com países estrangeiros era boa, salientando que durante aquele congresso (o X) seria realizado um encontro com os bastonários da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para o reforço das relações.
“Queremos reforçar a cooperação no domínio da formação, fundamentalmente no domínio dos estágios e especializações médicas”, apontou Carlos Alberto Pinto de Sousa.
O bastonário defendeu, durante a sua intervenção a necessidade de maior humanização da assistência médica: “Poderá parecer estranho o que defendemos, pois que poderia retirar-se erradamente a ideia de que os médicos procediam anteriormente sem humanização. Não confundamos. O que pretendemos significar é uma preocupação constante que anima a nossa conduta”.
As promessas dos governos
O Governo aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades.
Esta informação consta de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.
O mesmo decreto definia que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.
O Governo anunciara em Abril desse ano (2016) que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.
“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.
A informação consta de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual era “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.
O Governo previa gastar o equivalente a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimentos da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutivo, voltavam a ficar congeladas. Para 2016 estava prevista uma verba de 1,497 biliões de kwanzas (cerca de 7,9 mil milhões de euros) com o pagamento de vencimentos e contribuições sociais da Função Pública.
O médico angolano Maurílio Luyela considerava em 2016 que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola é o resultado da má gestão dos recursos financeiros e humanos por parte do Ministério da Saúde.
O especialista em saúde pública disse à VOA que o sector debatia-se com a falta de pessoal qualificado porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialistas angolanos que se formam nas faculdades do país.
Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipamentos hospitalares.
“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalares e não há técnicos suficientes para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá-los”, acusou.
Folha 8 com Lusa