Viver sem comer, morrer sem ficar doente

Até agora, “pouco mais de cinco mil testes” foram feitos em Angola, disse Luís Bernardino, numa intervenção durante um seminário online promovido pela Fundação Rui Cunha e pelo jornal Plataforma, ambos de Macau, subordinado ao tema “Vamos desconfinar? Saúde Pública Opções Privadas”. Aí está a regra de ouro. Não fazendo testes… não há infectados. Não havendo infectados… somos os melhores.

“H á casos locais, mas só foram detectados 45″, disse o médico, para salientar a “grande discrepância” entre os países africanos, recorrendo ao exemplo vizinho da República Democrática do Congo, onde estão contabilizados mais de mil casos.

O sistema de saúde angolano é “menos organizado” e com a epidemia “o pessoal de saúde foi desmobilizado” e “trabalha dia sim, dia não”, indicou, durante o debate, que contou com a participação dos médicos Mónica Pon (Macau) e Mário Freitas (Portugal).

“A mão-de-obra já foi reduzida, mas não deve ficar em casa (…) deve procurar enquadrar-se noutros serviços e necessidades”, alertou Luís Bernardino, acrescentando que a população tem medo de ir aos hospitais devido à Covid-19.

Sobre o desconfinamento em Angola, numa altura em que vários países atingidos pela pandemia começam a pôr fim ao confinamento social, o pediatra salientou que “ainda não é palpável qual é a epidemia”.

O Governo angolano aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrático” face à “necessidade de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistência sanitária às comunidades. Quando foi isso? Foi em 2016.

A informação consta de um decreto presidencial que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimento na formação e capacitação de médicos que já estão “disponíveis para trabalhar”, numa altura em que – recorde-se – só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre-amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.

O mesmo decreto define que o ingresso na categoria de interno “faz-se mediante concurso documental” para licenciados em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionalismo público.

O Governo anunciara em Abril desse ano que iria recrutar 2.000 médicos e paramédicos, angolanos, recentemente formados no país e no estrangeiro, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotados.

O ingresso como médico interno geral seria feito por contrato individual de trabalho celebrado com o Ministério de Saúde, pelo período de um ano, renovável automaticamente.

“A renovação do contrato individual de trabalho fica condicionada ao bom desempenho profissional e comportamental”, lê-se no mesmo decreto, assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos.

No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepcional de novos funcionários públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorização presidencial.

A informação consta de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual era “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas (166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionadas com novas admissões”.

Já então Angola enfrentava uma crise financeira e económica com a forte quebra (50%) das receitas com a exportação de petróleo, devido à redução da cotação internacional do barril de crude, tendo em curso várias medidas de austeridade.

O Governo previa então gastar o equivalente a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimentos da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutivo, voltavam a ficar congeladas, segundo o OGE para este ano.

Para 2016 estava prevista uma verba de 1,497 biliões de kwanzas (cerca de 7,9 mil milhões de euros) com o pagamento de vencimentos e contribuições sociais da Função Pública.

E no terreno como era, como é?

O médico angolano Maurílio Luyele considerava que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola era (é, será) o resultado da má gestão dos recursos financeiros e humanos por parte do Ministério da Saúde.

O especialista em saúde pública disse em 2016 à VOA que o sector debate-se actualmente com a falta de pessoal qualificado porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialistas angolanos que se formam nas faculdades do país.

Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipamentos hospitalares.

“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalares e não há técnicos suficientes para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá-los”, acusou.

Segundo revelou em 2016 o jornal português Expresso, suspeitava-se que 3,8 milhões de euros tenham sido desviados dos cofres do Fundo Global — o maior financiador mundial de programas de luta contra a sida, tuberculose e paludismo. O dinheiro destinava-se a campanhas de redução da mortalidade por paludismo em Angola, que recebeu, desde Agosto de 2005, 94 milhões de dólares (86 milhões de euros).

“Houve desvio de fundos para fornecedores com ligações a elementos do Ministério da Saúde, concursos manipulados, não concorrenciais e não transparentes, que incluíram falsificação dos relatórios das avaliações das licitações”, concluiu a inspecção do Fundo Global.

As irregularidades apuradas pelo inquérito, segundo um documento a que o Expresso teve acesso, apontavam para o “fabrico de bens e serviços que não foram entregues” e colocaram a coordenadora financeira da Unidade Técnica de Gestão (UTG) do Ministério da Saúde, Sónia Neves, no centro do furacão.

As empresas Soccopress, Gestinfortec e NC&NN, Lda., com ligações a Sónia Neves, foram apontadas como beneficiárias de pagamentos fraudulentos, depositados “em contas bancárias pessoais de empregados” do Ministério da Saúde.

A gravidade da situação, explicava o jornal, levou a que, em Março de 2014, “fosse congelado o uso dos fundos” do programa. Suspensão que ocorreu no mesmo período em que Sónia Neves e Mauro Gonçalves, um dos proprietários da Gestinfotec, encetavam um cruzeiro turístico de sete semanas por Miami e Las Vegas.

Escreveu o Expresso que entre 2012 e 2014, Sónia Neves autorizou o pagamento de 2,4 milhões dólares (2,18 milhões de euros) a favor da Soccopress, empresa onde detinha 50% do capital e as suas duas filhas menores os restantes. “Pagava-se a si própria e o mais grave é que, em alguns casos, os contentores chegaram quase vazios!”, disse fonte de uma ONG conhecedora do dossiê.

“Só com complacência dos responsáveis do Ministério da Saúde é que Sónia Neves poderia adjudicar à sua empresa, Soccopress, um contrato de auditoria e oferecer outra auditoria, sem concurso público, à Grant Thornton”, concluiu uma fonte da Procuradoria-Geral da República. A mesma fonte garantiu que o Governo já restituíra 2,9 milhões de dólares (2,6 milhões de euros).

Além de Sónia Neves, também o coordenador-adjunto do Programa Nacional de Controlo do Paludismo (PNCM) e proprietário da NC&NN, Nilton Saraiva, e a ex-assistente financeira da UTG, Ana Gega Sebastião, figuravam na investigação como implicados no desvio dos fundos. A investigação atribui à NC&NN recebimentos ilícitos de 780 mil dólares (710 mil euros). E, à Gestinfortec, empresa onde Sónia Neves era diretora financeira, pagamentos irregulares de 762 mil dólares (693 mil euros).

“Um ano após esses pagamentos à Gestinfortec, a UTG não conseguiu apresentar documentação que demonstrasse que os produtos pagos tinham sido entregues”, lê-se no relatório final da investigação. Isto quando o paludismo e a febre-amarela matam aos milhares.

Na mesma altura, contava o Expresso que, com engarrafamentos de carros funerários nos cemitérios, Adérito Ferreira, morador em Benfica, confessava “nunca ter visto morrer tanto”. O Hospital Américo Boavida, onde o paludismo matava diariamente dezenas de pessoas, foi obrigado a mobilizar, em regime de voluntariado, médicos recém-formados e enfermeiros reformados, revelou ao jornal a directora clínica, Lina Antunes.

A epidemia de febre-amarela já provocara centenas de mortos mas os números reais são, muitas vezes, colocados pelas autoridades “debaixo do colchão”, afirmou Luís Bernardino, antigo director do Hospital Pediátrico. No caso da febre-amarela, práticas de corrupção permitiam certificados de vacinação internacional falsos a quem viajasse para o estrangeiro. Perante a falta de medicamentos, compressas, seringas ou adesivo, por falta de divisas para os importar, Ana Paula Pereira, médica pediatra, temia o pior: uma epidemia de cólera.

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One Thought to “Viver sem comer, morrer sem ficar doente”

  1. o problema, que o ministro da saúde não tem os recursos e o problema de que não há assistência monetária em Angola e a derrota total da política atual e o povo paga as conseqüências, me lembra uma promessa antiga forçada, presidente de muitas promessas a vazio entre casas x tudo e assistência, como na Itália, médico e social, com impostos e trabalho x todo o contrário x mais cheques x tudo sem, trabalho e déficit mil, x mil muitas e muitas situações ruins que parecem voltar no tempo Henrique, o português que também explora Angola, assustou o povo em tudo. agora e o cv19 para ditar leis, esperamos que Angola saiba se defender com vigilância máxima com distâncias máximas de 2 metros, máscaras, luvas, desinfetante de sabão, proteção para os olhos e máquinas de respiração Eu farei tudo automaticamente enviar mensagens a totos.siigg.😭

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