Constituição proíbe João Lourenço de ser presidente do MPLA

A Constituição nos países sérios é um documento solene, cuja estrutura normativa estabelece os órgãos, a independência e as regras pelas quais todos devem obediência, respeito e cumprimento obrigatório. O poder legislativo é o seu guardião e o Chefe de Estado o principal garante da sua aplicabilidade e cumprimento.

Por William Tonet

Infelizmente, Angola, não é um Estado sério, de direito e democrático, pois, faz parte dos Estados onde a partidocracia é uma instituição de engenharias ideológicas fraudulentas de manutenção de poder e que, para atingir esse fim, não olha a meios, não se coíbe de espezinhar a própria Constituição.

A existência de vários partidos não é sinónimo de multipartidarismo pleno, mas, no caso angolano, de atipicidade verbal/constitucional, assente na força de baionetas militares, controladas por uma clique, sem noção de país.

A Constituição de Angola proíbe que João Lourenço, Presidente da República seja, igualmente, presidente do MPLA.

Porque razão o MPLA é o único partido político a possuir células partidárias em todos quartéis e unidades militares, policiais e de Segurança de Estado, se as Forças Armadas devem ser apartidárias?

E, mais grave ainda é tendo criticado os excessos de poder do antecessor, em três anos (2017-2020) tenha “criado” mais decretos legislativos presidenciais, conferindo-se mais poderes, inclusive do que os que têm os presidentes dos Estados Unidos da América e da Rússia, que têm armas nucleares?

O bizarro é toda esta “engenharia constitucional” ser uma homenagem à Lei Constitucional do MPLA de 1975, imposta ao país de 1975 a 2010, agora, com respaldo do Tribunal Supremo, Tribunal Constitucional, Procuradoria-Geral da República e Assembleia Nacional (antes Assembleia do Povo), numa espécie de repristinação ao art.º 6.º (Lei Constitucional do MPLA de 10 de Novembro de 1975):

“As Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA – braço armado do Povo, sob a direcção do MPLA e tendo como Comandante em Chefe o seu Presidente, são institucionalizadas como exército nacional da República Popular de Angola, cabendo-lhes a defesa da integridade territorial da Pátria e a participação ao lado do povo na produção e, consequentemente, na Reconstrução Nacional. O Comandante em Chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA – nomeia e demite os responsáveis militares no escalão superior”.

Ora, como se pode verificar, “o seu Presidente” é referência ao do MPLA, à época, António Agostinho Neto, como Comandante em Chefe, das Forças Armadas Angolanas, sucedendo-lhe, em 1979, José Eduardo dos Santos, com o mesmo figurino partidocrata, pese um ligeiro polimento, através da Lei 23/92, de 16 de Setembro, no quadro do multipartidarismo, mas ludibriando as forças democráticas, principalmente, a UNITA que vinda das matas, desconhecia as manhas urbanas de um regime, que diz(ia) ter-lhe sido “imposta a democracia”.

O maior partido da oposição, auto-convencido de vitória fácil, por alegada saturação popular ao comunismo, não conclamou os seus juristas ou outros, para uma verdadeira introspecção à Lei Constitucional vigente, que não era de viés republicano, mas partidocrata, para aferir se ela comportava uma separação dos órgãos do poder, a isenção republicana, capaz de garantir a transição transparente, que o momento impunha de um regime de partido único, para um regime democrático.

A UNITA e a oposição banalizaram o facto de todas revisões da ex-Lei Constitucional terem sido aprovadas exclusivamente, por deputados, membros do comité central do MPLA e, que, José Eduardo dos Santos detinha todos poderes: Presidente da República; Presidente da Assembleia do Povo (Parlamento); presidente do MPLA; Comandante em Chefe das FAPLA, verdadeiro paradigma comunista.

Jonas Savimbi, não fosse tomado pela emoção e ingenuidade de confiar na comunidade internacional, deveria exigir, com a nefasta experiência do passado (1975), a repristinação, de alguns artigos dos Acordos do Alvor (adaptando-os à nova realidade de 1992), para haver um período neutro, capaz de expurgar do Estado, vícios monocráticos de 17 anos de poder absoluto, como garantia de segurança e lisura, num período de transição, até à realização das primeiras eleições gerais.

Vejamos o que diziam certos artigos dos Acordos de Alvor, cuja adaptação à realidade de 1992 poderiam conferir maior credibilidade, ao processo:

a) Art.º 5.º – O poder passa a ser exercido, até à proclamação da independência (substituído até à realização das eleições gerais), pelo Alto-Comissário (representante das Nações Unidas e ou Mediador do Processo de Paz) e por um governo de transição (MPLA, UNITA e Sociedade Civil), o qual toma posse em 31 de Janeiro de 1975 (31 de Janeiro de 1992)”.
(…) b) Art.º 14.º – O Governo de Transição é presidido e dirigido pelo Colégio Presidencial.
c) Art.º 15.º – O Colégio Presidencial é constituído por três membros (no caso de 1992, seria por dois membros), um de cada Movimento de Libertação, e tem como tarefa principal dirigir e coordenar o Governo de Transição.
d) Art.º 24.º – Compete ao Governo de Transição:
(…)
b) Superintender no conjunto da administração pública, assegurando o seu funcionamento, e promovendo o acesso dos cidadãos angolanos a postos de responsabilidade;
(…) d) Preparar e assegurar a realização de eleições gerais para a Assembleia Constituinte de Angola,
e) Exercer por decreto-lei a função legislativa e elaborar os decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis,
f) Garantir, em cooperação com o Alto Comissário (no caso, seria o representante da ONU, Margareth Ansthee), a segurança das pessoas e bens,
g) Proceder à reorganização judiciária de Angola,
h) Definir a política económica, financeira e monetária, e criar as estruturas necessárias ao rápido desenvolvimento da economia de Angola,
i) Garantir e salvaguardar os direitos e as liberdades individuais ou colectivas.

Não tendo sido feito isso, a máquina para a transição continuou à mercê da visão comunista de Estado, com o seu projecto de poder, que nunca desmantelou a máquina bélica das politizadas Forças Armadas, que se adoptasse os padrões dos Acordos do Alvor de 1974, garantiriam maior segurança e estabilidade em 1992 e mesmo um retorno à guerra, senão vejamos:

Art.º 28.º – É criada uma Comissão Nacional de Defesa com a seguinte composição:

Alto-Comissário (em 1992 – Alto representante da ONU);
Colégio Presidencial (José Eduardo dos Santos, Jonas Malheiro Savimbi);
Estado-Maior Unificado (tropas das FAPLA/MPLA e FALA/UNITA).

(…) Art.º 32.º – Forças Armadas dos três Movimentos de Libertação (1992: dois: MPLA e UNITA) serão integrados em paridade com Forças Armadas Portuguesas (Capacetes Azuis da ONU) nas Forças Militares mistas em contingentes assim distribuídos:

8000 combatentes do MPLA/Estado; 8000 combatentes da UNITA/Rebelião; 24000 militares das Forças Armadas Portuguesas (Capacetes azuis da ONU).

Art.º 33.º – Cabe à Comissão Nacional de Defesa proceder à integração progressiva das Forças Armadas nas Forças Militares Mistas referidas no artigo anterior, devendo em princípio respeitar-se o calendário seguinte:

De Fevereiro a Maio, inclusive, serão integrados, por mês 500 combatentes de cada um dos Movimentos de Libertação e 1500 militares portugueses (Capacetes azuis da ONU).

De Junho a Setembro, inclusive, serão integrados por mês 1500 combatentes de cada um dos Movimentos de Libertação e 4500 militares portugueses (capacetes azuis da ONU).

(…) Art.º 35.º – A evacuação do contingente das Forças Armadas Portuguesas (Capacetes azuis da ONU, em 1992) integrado nas Forças Militares Mistas deverá iniciar-se a partir de 1 de Outubro de 1975 (1 de Outubro de 1992) e ficar concluído até 29 de Fevereiro de 1976 (29 de Fevereiro de 1993).

Art.º 36.º – A Comissão Nacional de Defesa deverá organizar Forças Mistas de Polícia encarregadas de manter a ordem pública.

Como se pode rememorar, tendo uma importante ferramenta para a manutenção da paz sido subestimada, quando em causa estavam contradições insanáveis entre duas forças beligerantes, com ideologias, igualmente diferentes, o cenário de retorno a guerra, estava desenhado, principalmente, quanto a desigualdade de armas, na fiscalização e monitorização do processo eleitoral.

O controlo e organização das eleições esteve nas mãos de uma das partes, quando era visível não haver intenção de um verdadeiro acordo de reconciliação, entre os ex-beligerantes, cada um desejoso em manter e, ou conquistar hegemonia, de tal monta que menosprezaram a constituição da primeira Assembleia Constituinte, que garantiria, como previsto em Alvor e nunca implementado, mas que poderia, em 1992, ser adoptado:

(…)

Art.º 40.º – O Governo de Transição organizará eleições gerais para uma Assembleia Constituinte no prazo de nove meses a partir de 31 de Janeiro de 1975 (31 de Janeiro de 1992), data da sua instalação.

Art.º 42.º – Será estabelecida, após a instalação do Governo de Transição, uma Comissão Central, constituída em partes iguais por membros dos Movimentos de Libertação (MPLA, UNITA e, eventualmente, sociedade civil) que elaborará o projecto da lei fundamental e preparará as eleições para a Assembleia Constituinte.

Art.º 43.º – Aprovada pelo Governo de Transição e promulgada pelo Colégio Presidencial, a lei fundamental, a Comissão Central deverá:

a) Elaborar um projecto de lei eleitoral,
b) Organizar os cadernos eleitorais,
c) Registar as listas dos candidatos à eleição da Assembleia Constituinte apresentadas pelos Movimentos de Libertação.

A ligeireza da análise da situação política, económica e militar, por parte da UNITA e das novas formações políticas, em 1992, determinaram o recuperar de fôlego do MPLA em continuar, através de elucubrações jurídico-partidárias, com a manutenção do seu projecto de poder, incapaz de inaugurar uma nova aurora, tanto assim é que, isolado no período de transição, tratou de blindar, não só a sua posição militar, numa eventual derrota, determinando em lei constitucional, uma táctica comunista recorrente, da manutenção de chefias militares, durante 5 anos, em outro governo, veja-se o n.º 2 do art.º 10.º da Lei 23/92 de 16 de Setembro:

“2- Os oficiais membros do Comando Superior das Forças Armadas e dos seus Estado-Maior não podem ser destituídos e afastados das suas funções, durante o período de cinco anos contados da publicação da presente Lei, salvo por razões disciplinares e incapacidade nos termos da Lei referente às normas de prestação de serviço militar” e, pasme-se, toda esta reforma da lei constitucional, foi feita pelo MPLA, com as forças políticas, incluindo a UNITA, a dormir a sombra da bananeira, deixando que tudo ficasse nas mãos de José Eduardo dos Santos, na quádrupla condição de:

1. Presidente da República; 2. presidente do MPLA; 3. presidente da Assembleia do Povo (composta, exclusivamente, por membros do MPLA); 4. Comandante em Chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, FAPLA (braço armado do MPLA).

Foi o mutismo, a cumplicidade, os responsáveis pelo afastamento da democracia e da manutenção de forças armadas partidárias, até hoje, 2020.

O MPLA mão mudou a época, não muda e não o fará sem pressão dos verdadeiros patriotas, nacionalistas, intelectuais e os povos em geral, para dar um basta a tanta impunidade, de violação grosseira a Constituição, mesmo a atípica de 2010, feita por “mercenários jurídicos” do exterior (portugueses) e aprovada por gente (deputados do MPLA, autoridades policiais e militares) que nem sequer a leu. Basta observar a resistência e oposição feita ao art.º 47.º CRA, direito de reunião e manifestação.

Artigo 207.º da Constituição
(Forças Armadas Angolanas)

1- As Forças Armadas Angolanas são a instituição militar nacional permanente, regular e apartidária, incumbida da defesa militar do país, organizadas na base da hierarquia, da disciplina e da obediência aos órgãos de soberania competentes, sob a autoridade suprema do Presidente da República e Comandante-em-Chefe, nos termos da Constituição e da lei, bem como das convenções internacionais de que Angola seja parte.

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