Afinal não há crise…

O Governo angolano vai anunciar brevemente o vencedor do concurso internacional para a concessão do Terminal Multiuso do Porto de Luanda, que poderá permitir “encaixe expressivo para o Estado” (MPLA), disse o ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu. Se a isso se somar o encaixe do “porto” do rio Kalomanda, no Huambo…

Segundo o ministro, que hoje esteve na cerimónia de tomada de posse dos novos conselhos de administração dos Portos do Lobito e de Luanda, a abertura das propostas do concurso internacional do Terminal Multiuso “está à beira” de ser realizada.

A adjudicação irá resultar na entrada em operação, no Porto de Luanda, de uma entidade privada internacional de referência, “do top dez mundial na gestão de terminais portuários”, com forte capacidade financeira, “mas acima de tudo com qualidade e eficiência operacional”, para promover e potenciar “o ‘hub’ portuário de Luanda, no contexto da costa ocidental africana”.

O prazo para a apresentação de propostas ao concurso público para a concessão do Terminal Multiuso do Porto de Luanda, que tinha como prazo limite o dia 30 de Março, foi prorrogado até ao dia 29 de Maio devido ao Estado de Emergência imposto para conter a propagação da pandemia da Covid-19 no país, noticiou na semana passada o órgão oficial do MPLA, o Jornal de Angola.

A empresa pública Porto de Luanda informou em Janeiro passado ter recebido oito propostas de empresas angolanas e internacionais.

Para o Porto de Luanda, o ministro avançou que está igualmente a ser desenvolvido o Projecto da Janela Única Portuária, que deverá ser extensível a todos os portos nacionais.

O governante frisou que se trata de uma ferramenta, que vai permitir acompanhar, por um lado, mais de perto a actividade de todos os portos nacionais, “mas acima de tudo facilitar a vida de todos aqueles que operam com estas importantes empresas, procurando simplificar os processos”.

O titular da pasta dos Transportes frisou que a tarefa de facilitação dos processos será feita através do uso de tecnologias (coisa estranha, não é?), que vão reduzir a burocracia, a utilização de papel e a intervenção manual, “para uma prestação de serviços mais eficiente, mais ágil e transparente”.

Em declarações à imprensa, à margem do acto, o ministro sublinhou que está a ser encetado um caminho novo para as empresas portuárias, frisando que o projecto vem no âmbito de algumas medidas de correcção e de melhor alinhamento com os objectivos do executivo relativamente a este sector.

“A ideia é necessariamente conseguirmos assegurar que Angola de facto tira partido do seu posicionamento técnico a nível marítimo portuário e consigamos sim usufruir dessa riqueza que está à nossa disposição”, disse.

O Terminal Multiuso do Porto de Luanda é uma infra-estrutura portuária que se dedica à operação simultânea de carga geral e contentores, possui um cais de 610 metros, uma profundidade de 12,5 metros e conta com uma área de 181 mil metros quadrados com capacidade para movimentar 2,6 milhões de toneladas por ano.

As empresas interessadas em participar tinham de apresentar, obrigatoriamente, prova de capital próprio realizado não inferior ao equivalente a 25 milhões de dólares e uma facturação média anual dos últimos três exercícios fiscais não inferior ao equivalente a 100 milhões de dólares.

O Terminal Multiuso ficará sob gestão privada por um período de 20 a 25 anos.

Ora então… vamos lá!

Segundo um despacho presidencial publicado no Diário da República, o Governo decidiu abrir este novo concurso, aberto a empresas estrangeiras, “por ter sido operada rescisão unilateral pela concedente” do contrato de concessão para exploração daquele terminal, em regime de serviço público.

Em finais de Julho de 2019, o Serviço de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciou a recuperação dos terminais dos portos de Luanda e do Lobito, que estavam sob gestão da empresa Soportos – Transporte e Descarga, SA, a cargo do general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e família. Além do equipamento para movimentar carga diversa, o terminal, foi concessionado por um período de 20 anos à Soportos.

Segundo o Jornal de Angola, o general “Kopelipa” teria feito a entrega dos bens depois de ser pressionado com um processo de peculato. Coisa estranha. Peculato no MPLA? Será que pra o partido que nos desgoverna há 45 ano, peculato quer dizer “crime que consiste no desvio ou no roubo de dinheiros públicos”?

“Kopelipa” garantiu, no entanto, não ter qualquer ligação com a Soportos, a empresa portuária que explorava terminais nos portos de Luanda e Lobito. Consta, aliás, que com o apoio do ex-vice-presidente do MPLA, João Lourenço, “Kopelipa” apenas geria a empresa portuária dos rios Kalohumbula, Kalomanda, Queve, Cunene, Kubango e Cuando, todos no Huambo…

Numa nota enviada ao Jornal de Angola, o ex-chefe da Casa de Segurança do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, esclareceu, que “actuou apenas como representante legal do accionista da Soportos, José Mário Cordeiro dos Santos, seu familiar, que se encontra ausente do país por motivos de saúde”.

De acordo com a mesma nota, as posições que a Soportos entregou ao Ministério dos Transportes decorreram de negociações entre as partes.

No caso do terminal do Porto de Luanda, a entrega deveu-se a um entendimento com a administração portuária e do Ministério dos Transportes sobre a cessação do contrato de exploração que estava em vigor e que passaria pelo pagamento de uma indemnização à Soportos.

Manuel Vieira Dias “Kopelipa” sustentou que a Soportos vendeu a sua quota-parte (90%) na sociedade que mantinha com o grupo GEMA na exploração do terminal de segunda linha do Porto de Luanda, referia o Jornal de Angola.

“Em momento algum a cessação da exploração dos terminais portuários teve a ver com quaisquer eventuais processos sob investigação ou em instrução levados a cabos pela PGR”, afirmava a nota, sublinhando que o general “Kopelipa” “actuou apenas como mero procurador do accionista da Soportos e nunca como proprietário ou representante da sua esposa”.

O actual porto de Luanda, o maior do país e construído (é claro!) no período colonial português em pleno centro da capital angolana, é propriedade do Estado angolano (leia-se e entenda-se: MPLA), mas a operação dos seus terminais estava entregue a oito empresas privadas, revolucionariamente entregues – directa ou indirectamente – a generais do… MPLA.

O porto de Luanda movimenta aproximadamente 5,4 milhões de toneladas de carga por ano e recebeu obras de modernização de 130 milhões de dólares, concluídas em 2014. Antes disso, segundo o Governo, o porto de Luanda “estava altamente congestionado”, com um tempo médio de espera superior a 10 dias.

A ordem para parar o processo de construção do novo porto, na Barra do Dande, surgiu publicamente em Janeiro de 2018, pela voz do Presidente João Lourenço: “Vamos procurar rever todo o processo no sentido de, enquanto é tempo, e porque o projecto não começou ainda a ser executado, corrigirmos aquilo que nos parece ferir a transparência, na medida em que um projecto de tão grande dimensão quanto este, que envolve biliões, com garantia soberana do Estado, não pode ser entregue de bandeja, como se diz, a um empresário, sem concurso público”.

Recorde-se que foi noticiado em 29 de Setembro de 2017 que o Governo do MPLA deveria emitir uma garantia de Estado de 1.500 milhões de dólares (1.300 milhões de euros) a favor da construção, por privados, do novo porto da Barra do Dande, face ao esgotamento da capacidade do porto de Luanda.

De acordo com um decreto presidencial do mesmo mês, assinado por José Eduardo dos Santos e publicado seis dias antes de João Lourenço chegar ao poder, aprovando o projecto, o novo porto seria construído a cerca de 60 quilómetros para norte de Luanda, em regime de concessão por 30 anos, pela sociedade privada angolana Atlantic Ventures, a qual contaria com uma participação de até 40% pela empresa pública que geria o Porto de Luanda.

“O Governo pretende criar as condições necessárias para que a província de Luanda tenha um novo porto de dimensão nacional e internacional com capacidade de abastecimento para todo o país e que, estrategicamente, possa ser, também, um entreposto internacional de mercadores”, lê-se nesse mesmo decreto.

Referia ainda que o Porto de Luanda, “de acordo com a evolução registada nos últimos anos nas operações portuárias” e face às “projecções de tráfego realizadas, não logrará, a curto prazo, satisfazer as necessidades de estiva e movimentação de cargas e descargas exigidas pelo comércio nacional e internacional”.

Para o efeito, foi definido pelo Governo, segundo o mesmo documento, o objectivo estratégico para instalação, na nova cidade do Dande (já na província vizinha do Bengo) do novo porto da capital, serviços associados e uma Zona Económica Especial, reservando para o efeito uma área total de 197,2 quilómetros quadrados e um perímetro de 76,4 quilómetros.

“O Governo considera a construção, a exploração e a manutenção do porto da Barra do Dande um empreendimento prioritário, de interesse nacional e público, considerando ainda que o empreendimento deve ser realizado com recurso a financiamento privado, de acordo com os princípios da eficiência da distribuição, partilha e gestão do risco pela parte que melhor o sabe gerir”, lê-se ainda no referido decreto.

Ficou ainda previsto que a concessão do futuro porto à sociedade Atlantic Ventures seria por um período de 30 anos, incluindo a tarefa de licenciamento, concepção, financiamento, projecto, desenvolvimento técnico e sua construção, “em associação com a autoridade do porto de Luanda”.

A empresa Atlantic Ventures garantiu no dia 16 de Julho de 2018 que a concessão para construção e operação do porto da Barra do Dande, atribuída em 2017 pelo então Presidente, foi feita com “total transparência” e sem violar a lei.

Apesar disso, o novo substituto (na Presidência da República, no Governo e no MPLA) de José Eduardo dos Santos apressou-se a difundir a tese de que o seu partido não é sinónimo de corrupção, sendo que esse sinónimo chama-se, neste como noutros casos, Santos (sobretudo Isabel dos Santos).

Em comunicado, a empresa reagia à decisão constante do decreto presidencial assinado por João Lourenço, de final de Junho, revogando por sua vez o decreto presidencial 207/17, de 20 de Setembro, assinado por José Eduardo dos Santos, já após as “eleições” de Agosto de 2017, alegando incumprimento da legislação dos Contratos Públicos.

A empresa, associada à empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, refere que a concessão do porto da Barra do Dande “insere-se na concessão de serviços públicos portuários e está sujeita ao regime especialmente previsto, quer na Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, quer na lei que estabelece as Bases Gerais das Concessões Portuárias”.

“Ou seja, a adjudicação da referida concessão cumpriu todos os requisitos legais à qual estava obrigada, ao abrigo da lei aplicável e respeitou escrupulosamente as leis vigentes em Angola, em todas as etapas do processo. A lei aplicável a este projecto é a lei das concessões portuárias e foi correctamente aplicada pelo anterior Executivo neste processo. A lei dos Contratos Públicos – que poderia ditar a realização de concurso público – não se aplica a contratos de concessões portuárias, ao contrário do que agora assume o actual Executivo”, lê-se no comunicado.

Ainda antes de revogar a concessão e abrir concurso público para o projecto, o Presidente João Lourenço já tinha criticado directamente a forma como este processo foi conduzido.

Já a Atlantic Ventures salientou que, “uma vez que o valor do investimento não é pago pelo Estado”, sendo assumido pelos investidores, “não existe colateral ou garantia financeira do Estado e, por se tratar de uma concessão, a amortização do custo da obra” seria paga “com a rentabilidade da sua operação portuária, ao longo do tempo”, sem contribuir “para o agravar da dívida pública do país”.

“A lei das concessões portuárias é uma lei específica, com um procedimento próprio, que foi escrupulosamente cumprido, e, ao abrigo da mesma, foi realizada uma negociação entre o Estado e as partes que se propuseram investir, na qual foram discutidos e acordados os termos do investimento, bem como as condições que os investidores devem cumprir e o que devem pagar pela concessão ao Estado. Foi, assim, cumprido o objectivo de chegar a um resultado final que seja equitativo e equilibrado para todas as partes envolvidas”, sublinhou ainda a Atlantic Ventures.

Para a empresa, esta concessão, entretanto revogada, “cumpriu todos os requisitos legais aos quais estava obrigada”, garantindo que “nenhum aspecto da lei de concessões portuárias foi violada e, por isso, todos os trabalhos desenvolvidos tiveram uma base legítima e legal”.

Recorda que o projecto do porto da Barra do Dande foi analisado e aprovado em reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros, em 2017, na qual esteve presente João Lourenço, então ministro da Defesa Nacional, e que não mereceu dele a mínima dúvida ou objecção.

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Afinal não há crise…”

  1. rufino ngongo

    Eu so acho que este calhordas não merecem ser indemizado em nada. porque exploraram os portos a custo zero, porque agora para devolver aquilo que não é deles é preciso uma indemização?
    deviam é parar todos na forca

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