“Operação branquear”

A consultora Eurasia, bem ao estilo do seu habitual comportamento, considera que a divulgação da existência de contratos entre Angola e as empresas envolvidas no escândalo da dívida oculta de Moçambique “pode beliscar ligeiramente” a imagem de João Lourenço, mas o ímpeto anti-corrupção permanece. Ligeiramente? Foi isso que o Executivo pediu que dissesse?

“A agenda reformista de João Lourenço não vai, provavelmente, perder fôlego por causa deste desenvolvimento e apesar de a sua imagem de combate à corrupção possa ser ligeiramente beliscada, a campanha anti-corrupção focada na família de José Eduardo dos Santos e seus aliados vai provavelmente continuar”, escreve o director para a África subsaariana desta consultora, Darias Jonker.

Num comentário à divulgação de contratos no valor de mais de 500 milhões de dólares entre o Ministério da Defesa de Angola e a Privinvest, enviado aos clientes que ainda acreditam nesta consultora (entre os quais estará certamente o Estado angolano), a Eurasia diz que “o projecto da Privinvest em Angola é «notícias velhas», foi amplamente divulgado em 2016 e faz parte do projecto Pro-Naval decretado pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos para garantir um sistema de segurança marítimo para o país”.

Sobre o actual chefe de Estado angolano, que na altura era ministro da Defesa, Darias Jonker diz que “apesar de se ter distanciado da corrupção descarada da era de Eduardo dos Santos, era inevitável que os três anos passados no Governo do ex-Presidente da República como ministro da Defesa o ligassem a contratos militares questionáveis”.

A UNITA defendeu, entretanto, uma averiguação à denúncia sobre o alegado envolvimento do Ministério da Defesa, na tutela de João Lourenço, actual Presidente da República, num negócio com empresas envolvidas nas “dívidas ocultas” moçambicanas.

A posição foi manifestada na quarta-feira pelo líder do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, numa conferência que abordou questões ligadas à limitação (inexistência) da fiscalização dos deputados aos actos de governação.

Em causa está, como Folha 8 revelou, um relatório da consultora EXX Africa que alertou que Angola pode enfrentar riscos reputacionais por o Ministério da Defesa angolano, na altura dirigido pelo actual chefe de Estado, João Lourenço, ter feito um negócio de 495 milhões de euros com as empresas envolvidas no caso das “dívidas ocultas” de Moçambique.

O “Relatório Especial” da EXX Africa sobre a ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola, quando João Lourenço era ministro da Defesa, adianta que “há indicações cada vez maiores de envolvimento de líderes políticos angolanos no escândalo moçambicano que ainda não foram totalmente divulgadas”.

O Ministério da Defesa de Angola, diz esta consultora, “chegou a fazer um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest, num contrato com aparentemente notáveis semelhanças com a Prolndicus e MAM (em termos de palavreado e conteúdo), as empresas que estão no centro do escândalo da “dívida oculta” de Moçambique.

“Estas ligações e os negócios feitos arriscam-se a minar o ímpeto muito popular e mediático contra a corrupção, e podem também embaraçar os principais líderes políticos angolanos, e colocam riscos reputacionais para os investidores em Angola”, acrescenta-se no relatório.

Em causa estão dois contratos que a EXX Africa diz terem sido assinados pelo Ministério da Defesa de Angola com as empresas Privinvest e Prolndicus, as duas empresas que negociaram empréstimos de mais de mil milhões de dólares à margem das contas públicas, em Moçambique.

“A conclusão mais significativa [da investigação levada a cabo pela consultora EXX Africa] é que a Simportex — uma empresa do Ministério da Defesa de Angola, e que entrou numa parceria com a Privinvest — assinou dois contratos significativos, no total de 122 milhões de euros, em 2015, com a Finmeccanica, agora chamada Leonardo S.p.A) para aquisições que a Privinvest poderia ter feito ela própria”, lê-se no documento.

Em Dezembro de 2015 a Simportex terá “assinado contratos para a compra e venda de equipamento, parte suplentes, e para dar instalação e treino para equipar um centro nacional e três centros de coordenação marítima regional, bem como para instalar várias estações de controlo, replicadores de sinal e meios de comunicação na costa angolana”.

O relatório explica que “o acordo foi feito entre o Ministério da Defesa e a Selex Company Ess num valor em kwanzas equivalente a 115 milhões de euros”, e incluía também “a compra e venda de dois veículos de patrulha ultra-rápidos, peças suplentes, ferramentas e serviços de treino, entre o Ministério da Defesa nacional e a companhia Whitehead Sistemi Subacquei SPA, num valor em kwanzas equivalente a 7,3 milhões de euros”.

Ainda em 2015, a consultora diz que Angola “entrou noutro acordo com a subsidiária francesa da Privinvest, a CMN (que construiu os barcos da EMATUM) para fornecer um projecto hidroeléctrico”, sobre o qual não são dados mais pormenores.

Citando uma fonte “próxima da ProIndicus”, a EXX Africa diz que João Lourenço, enquanto ministro da Defesa, visitou o projecto de Moçambique “enquanto parte de um esforço da Privinvest, liderada por Boustani, para lhe vender um pacote similar” ao que tinha apresentado a Moçambique.

O antigo vice-presidente Manuel Vicente, apresentado como alguém “que agora age como consultor financeiro e económico com extraordinários poderes e influência sobre as políticas públicas”, terá tido um “papel proeminente” nos acordos entre Angola e a Privinvest, já que terá apresentado o empresário Gabriele Volpi às autoridades moçambicanas, primeiro, e depois entre Jean Boustani e João Lourenço e a Privinvest.

Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, é um homem da confiança do presidente João Lourenço.

O director da EXX Africa e autor do relatório diz que o mesmo “não acusa ninguém de qualquer acto ilícito nos negócios entre a Simportex e a Privinvest” e enfatiza que o objectivo é “alertar para o facto de que a Privinvest tem uma reputação controversa e que os negócios com esta firma devem ser sujeitos a um escrutínio mais próximo, preferencialmente pelo próprio Governo angolano”.

Questionado sobre os pormenores da investigação levada a cabo, Robert Besseling disse que “o objectivo era alertar os nossos clientes sobre a possibilidade de haver um risco reputacional que precisa de ser investigado mais em detalhe para eles limitarem a sua exposição” e conclui que “o precedente sobre o que aconteceu em Moçambique deve servir como um aviso para todas as partes envolvidas em grandes negócios de procuração em Angola”.

Entre os documentos apresentados pela Justiça norte-americana contra Jean Boustani e Manuel Chang, há uma apresentação de 27 páginas sobre o que é a Privinvest, na qual são apresentados exemplos de projectos em países como Alemanha, França e Angola, sendo que neste último mostra-se um desenho computorizado de uma fragata ligeira, de 90 metros, com o título Project Angolan Navy, mas sem mais pormenores além das especificações técnicas da fragata.

Recorde-se que, sem esconder o seu “orgasmo” comercial, a consultora Eurasia elevou em Novembro de 2017 a previsão da evolução de Angola para Positiva no seguimento das exonerações decretadas pelo novo Presidente, considerando que João Lourenço foi “mais rápido que o esperado a lançar as reformas”.

“João Lourenço avançou rapidamente com grandes reformas desde que chegou ao poder”, lê-se numa nota então enviada aos investidores, na qual se considera que o antigo Presidente perdeu espaço de manobra para responder ao despedimento dos filhos que ocupavam cargos em empresas do Estado.

No relatório de avaliação das primeiras semanas de João Lourenço no cargo, os analistas da Eurasia embandeiram em arco e escreveram que “para além das mudanças de pessoal, incluindo a remoção da família e dos associados de Dos Santos de vários cargos no Governo, o novo Presidente está também a eliminar normas e regulamentos que beneficiavam a família e os seus interesses”.

Os analistas escrevera também que há dois factores que garantiram espaço político para estas iniciativas, apontando a “rapidez com que garantiu o apoio dos militares” e por ter conseguido, “ao avançar rapidamente sobre a família dos Santos”, assegurar que os críticos da antiga familiar se tornassem os seus novos apoiantes.

Folha 8 com Lusa

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