O ideal seria a “Fiadofonia”

O Governo angolano do MPLA (o único que o país conhece desde 1975) oficializou, em Paris, a candidatura a membro observador da Organização Internacional da Francofonia (OIF). Fez muito bem. No entanto, deveria era fundar (e há muitos parceiros por aí) a “Fiadofonia”…

Por Orlando Castro

O documento foi entregue na quarta-feira pelo ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, à directora-geral da OIF, Louise Mushikiwabo, num acto que o chefe da diplomacia de Angola afirmou marcar “a materialização de um desejo expresso publicamente” pelo Presidente João Lourenço. E, como todos sabemos, um desejo do Presidente é uma ordem. E quem não cumprir as suas (des)ordens já sabe o que lhe toca.

A decisão, prosseguiu o ministro, baseia-se no facto de Angola possuir relações “privilegiadas” com países francófonos, além de permitir reforçar a integração com os vizinhos, em particular, e com a comunidade francófona, em geral.

Tem, mais uma vez, toda a razão. Mas, como sabemos, a Angola do MPLA tem também relações “privilegiadas” com países que vivem do fiado, o que seria razão bastante para fundar a Organização Internacional dos Fiado-Dependentes.

A adesão tem o “objectivo estratégico da inserção de Angola no concerto das Nações”, sublinhou Manuel Augusto, que, na notícia da Angop, não refere as razões para o país não ter apresentado o pedido para se tornar membro de pleno direito.

A intenção de Angola aderir, com o estatuto de observador, à OIF foi apresentada em fins de Maio de 2018, num encontro que João Lourenço teve com o homólogo francês, Emmanuel Macron, no âmbito da visita oficial a França, em que o chefe de Estado gaulês manifestou o seu apoio.

“Quero reafirmar aqui a vontade de Angola em estreitar cada vez mais as nossas relações. Daí o facto de termos manifestado também o interesse em sermos membros, de alguma forma, como observadores ou membros de pleno direito, da OIF, pelo importante papel que esta organização joga no mundo, mas muito em particular no nosso continente, em África”, afirmou então João Lourenço.

“Quero agradecer por ter decidido ter um papel acrescido na francofonia – você percebe perfeitamente francês – e espero que, no âmbito das ambições para a francofonia que temos todos, o seu país possa ter o seu lugar pleno”, afirmou Macron.

O ministro das Relações Exteriores está em França desde a manhã de quarta-feira, a convite do seu homólogo francês, Jean-Yves Le Drian, com quem deverá analisar as relações bilaterais, bem como questões da actualidade internacional.

Manuel Augusto chefia uma delegação que participa nas consultas políticas bilaterais multissectoriais com a França, com destaque para a parceria económica, envolvendo áreas como a financeira, agrícola e cooperação bilateral.

Os dois ministros, tal como indicou na terça-feira uma nota oficial, estão a analisar também questões regionais africanas, como as situações político-militares e sociais na República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Zimbabué e Burundi.

O dossier União Europeia pós-Brexit, as eleições europeias, a luta contra o terrorismo e a gestão da imigração na Europa, o achatamento polar das batatas e a relevância científica de um país com 20 milhões de pobres ter satélites são temas também em discussão.

Além de Manuel Augusto, a delegação integra a ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, e o secretário de Estado do Comércio, Amadeu Leitão Nunes, bem como altos funcionários dos Ministérios do Interior, das Finanças, da Agricultura e Florestas, das Telecomunicações e Tecnologias de Informação e do Ensino Superior.

No caso da Francofonia ou da Commonwealth ou da futura Fiadofonia é compreensível a tese de João Lourenço. O MPLA quer que Angola pertença a organizações que não chateiem, que façam o que o regime mais gosta: bajulem, aceitem a corrupção e estejam nas tintas para os 20 milhões de angolanos pobres. Simples.

“A exemplo do que se passa com Moçambique, que está ali encravado entre países anglófonos (…) e acabou por aderir à Commonwealth, também Angola está cercada, não por países lusófonos, mas por países francófonos e anglófonos. Portanto, não se admirem que estejamos a pedir agora a adesão à francofonia e que daqui a uns dias estejamos a pedir também a adesão à Commonwealth”, apontou João Lourenço.

Não. Não nos admiramos. Aliás só nos poderíamos admirar se a Angola do MPLA fosse um Estado de Direito. Como não é, tudo é possível. Num estado esclavagista é mesmo assim. Meia dúzia de senhores feudais mandam nos escravos e estes obedecem, limitando-se a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refilam.

A modéstia do MPLA

O MPLA tem oficialmente 61 anos, mas na verdade são muitos mais. Quando um dia os arautos do regime de João Lourenço escreverem a real história do partido veremos, sem margens para dúvidas, que Diogo Cão já era militante do MPLA. Assim sendo, Angola é só do MPLA.

“É preciso trabalharmos buscando objectivos muito concretos, trabalhando de forma colegial, porque sozinho ninguém alcança vitórias. Aqui não há milagreiros, como dizem os brasileiros”, disse em tempos João Lourenço. Isto é, colegialmente todos mandam mas que decide é ele.

João Lourenço procura sempre que fala dar a entender que o MPLA precisa de trabalhar. É uma tese que fica bem. Até dá a ideia de que Angola é o que não é: um Estado de Direito democrático.

O MPLA teve a confiança dos eleitores, até mesmo dos que já tinham morrido mas que, para o caso, foram eleitoralmente ressuscitados. Também teve o apoio daqueles que não foram votar mas cujo voto, por uma questão de educação patriótica, apareceu na urna.

A maioria do povo, os jovens revolucionários que pagaram com a vida, uns barbaramente assassinados, Cassule, Kamulingue e Ganga e outros, 15+2 e ainda (muitos) outros pelas províncias, injustamente encarcerados nas fedorentas masmorras do reino, nunca tiveram, nem agora têm, dúvidas de que seja qual for o Presidente, o MPLA é o mesmo. Não há (embora o MPLA diga o contrário) jacarés vegetarianos.

O MPLA, seja com José Eduardo dos Santos, João Lourenço ou outro qualquer Kangamba, quer superar os 500 anos de colonização portuguesa em Angola, mostrando a todo o custo que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”.

O MPLA é, contudo, um partido medroso, cada vez mais medroso, que se pavoneia, por ter o controlo da máquina do Estado, que lhe permite escancarar os cofres públicos e de lá sacar (roubar) dinheiro para a sua maquiavélica empreitada e substituir, por exemplo, Isabel dos Santos por Carlos Saturnino e depois por Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, é apenas uma forma de, à noite, tapar o sol com uma peneira.

O MPLA de José Eduardo dos Santos, tal como o governo do MPLA liderado por João Lourenço, não está, nunca esteve, preparado para viver em democracia e, por essa via, aceitar mudanças, aceitar as regras basilares de um Estado de Direito. Todas as nomeações de João Lourenço tiveram em conta, para além da subserviência, a imprescindibilidade de serem quadros do MPLA.

O MPLA não se imagina, nem está preparado para viver, pacificamente, na oposição. Eles, voluntária ou involuntariamente, demonstraram porque delapidam os órgãos do Estado que dirigem ou dirigiram, sem que disso resulte consequências de índole criminal. Agem dolosamente, porque encaminham o dinheiro público para o partido no poder.

João Lourenço e os direitos humanos

João Lourenço recusou no dia 17 de Setembro de 2015 as acusações sobre violação dos direitos humanos no país. E se então como ministro da Defesa era isso o que pensava, agora como presidente da República mantém essa posição.

Na altura, João Lourenço recordou que os angolanos sentiram essas violações durante 500 anos de colonialismo português. Não precisava, nem precisa, de ir tão longe. Bastava-lhe recordar – se não fosse cobarde – o 27 de Maio de… 1977 ou, hoje mesmo, as prisões arbitrários de activistas em Cabinda.

“Nós, que ao longo de séculos, viemos lutando contra a violação dos direitos humanos, vocês aceitam que hoje nos queiram acusar de estarmos a violar os direitos humanos? Não, porque temos plena consciência que os que nos acusam não têm moral para nos vir dar aulas sobre esta matéria, que muito bem conhecemos”, apontou João Lourenço.

Será que nós, angolanos como João Lourenço, também podemos afirmar que ao MPLA falta moral para atirar pedras aos outros quando tem no seu registo, no seu ADN, tudo o que fez no 27 de Maio de 1977, mas não só? O MPLA acha que não temos esse direito. Mas nós achamos que temos.

“Violação dos direitos humanos foi o colonialismo. Violação dos direitos humanos foi a escravatura que durou não escassos dias, nem meses, nem anos, mas sim séculos eternos. Isso sim é que foi a verdadeira violação dos nossos direitos”, enfatizou o então ministro da Defesa, que discursava na altura em representação do seu mentor Presidente, José Eduardo dos Santos. Esqueceu-se, igualmente, de lembrar que Portugal foi o primeiro país a abolir a escravatura que, contudo, regressou ao nosso país pela mão do MPLA em 11 de Novembro de 1975.

Pois é. E há 44 anos que os portugueses não mandam no nosso país. Então como estão as coisas, senhor presidente João Lourenço? É. Continuamos a ter escravos. Os colonialistas deixaram de ser os portugueses e passaram a ser os seus amigos e você próprio. O nosso povo (20 milhões de pobres) continua, ou se calhar nem isso, a ter panos ruins, peixe podre, fuba podre e a levar porrada quando refila.

Já agora, senhor presidente, como é que o governo do MPLA trata, internamente, os angolanos? Sabemos que são angolanos de segunda categoria, mas são angolanos. São refugiados, são migrantes na sua própria terra. Isso deveria envergonhá-lo.

Por isso mesmo, diz João Lourenço, basta ver as imagens dos refugiados que tentam cruzar as fronteiras europeias e a forma como são tratados para responder à pergunta “quem viola os direitos humanos”. “A resposta está nessas imagens”, atirou.

Nós, senhor presidente João Lourenço, também temos por cá muitas dessas imagens. Imagens com a sua Polícia a descarregar violência não sobre emigrantes mas sobre o seu próprio povo. E não temos mais imagens porque, ao contrário desses países europeus, o seu governo impede os jornalistas de exercerem a sua função.

(*) Com agências

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