MPLA no seu melhor: “Nós mentimos, logo existimos”

Para alguns, os “mais velhos” ou “kotas”, o memorial à derrota que o MPLA chama de vitória, na batalha do Cuíto Cuanavale, sudeste de Angola, não faz jus à História do país, porque conta apenas a versão de um dos lados, por sinal a de quem está no poder desde 1975 e que tem no seu historial vários massacres de angolanos, sendo o mais expressivo o do 27 de Maio de 1977.

Para outros, mais novos, a interiorização de uma só versão – a do Governo/MPLA – é já um dado adquirido, “certo e indiscutível”, facto representado pelo enorme e imponente memorial à lavagem cerebral dos angolanos e ao monstruoso branqueamento da mentira oficial, e cuja construção foi inaugurada a 19 de Setembro de 2017 pelo então Presidente angolano José Eduardo dos Santos.

O monumento foi palco sábado das cerimónias oficiais do MPLA da primeira celebração regional do Dia da (suposta) Libertação África Austral, feriado nos 16 países da região sul do continente africano, mas a polémica sobre a “história” que verdadeiramente aconteceu na batalha que terminou em 1988 ainda persiste, mesmo entre os que residem no Cuíto Cuanavale, na província do Cuando Cubango. E só não reside em toda a sociedade angolana porque o MPLA ainda não conseguiu comprar todos aqueles (felizmente são cada vez maus) que teimam em pensar pela própria cabeça.

Entrevistados pela Lusa, vários elementos da população local, estimada em cerca de 100 mil habitantes, mostraram-se divididos, sobretudo entre os mais velhos e jovens, sobre o impacto que a batalha – que opôs as tropas do MPLA com apoio total de cubanos e russos às da UNITA, com apoio da África do Sul – teve nas comunidades locais e na África Austral, em geral.

“Houve muitas mortes e nunca saberemos quantas. De parte a parte. Foi muito violento. Quase toda a população fugiu”, disse à Lusa o agricultor Pedro João, 76 anos, natural do município vizinho de Chitembo, à época, volvidos 31 anos, foi obrigado a procurar refúgio em Menongue, onde os combates foram “menos duros”.

Sobre a versão oficial descrita pelo MPLA, que alega que as FAPLA venceram a batalha, contribuindo para a paz em Angola, para a independência da Namíbia e para o fim do “apartheid” na África do Sul -, Pedro João não esconde as suas dúvidas, salientando que a UNITA, através das suas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), tem sido “maltratada” pela História de Angola, versão MPLA.

“Morreram milhares de angolanos e a história terá ainda de ser contada, porque a UNITA também desempenhou um papel importante, que está longe do que é apresentado” pelas autoridades de Luanda, argumentou, assumindo-se “neutral” na defesa daquilo que considera ser a sua “verdade”.

Um sentimento comum a outros idosos residentes na localidade, em que o respeito pelos “mais velhos”, comum entre os povos africanos, tem sido “maltratado” “nestas coisas da História” pelos mais jovens, a quem tentam passar as “estórias”.

“Não. Se o Governo construiu este memorial é porque tem razão. A vitória do MPLA [FAPLA] já nos foi contada na escola. A batalha, e ouvimos hoje o nosso Presidente [de Angola, João Lourenço], permitiu a paz na nossa região. Não há nenhum país em guerra”, disse à Pedro Mussunga, um jovem de 19 anos, natural do Cuíto Cuanavale e que certamente frequenta a mais badalada cadeira do ensino oficial do MPLA: “Educação Patriótica”.

Quando confrontado com a opinião de alguns “kotas” sobre a possibilidade de existirem outras visões sobre o que aconteceu, Pedro Mussunga admitiu que sim, considerando, porém, que a visão do governo “não pode deixar de ser certa e indiscutível”. Esta tese de que o “MPLA é Angola e Angola é o MPLA” continua a ser estimulada e premiada pelo regime, mesmo que tal permita concluir que Angola não é um Estado de Direito Democrático.

Questionado sobre se os jovens locais pensam da mesma maneira, Pedro Mussungo refere que é um assunto sobre o qual “nem se fala”, pois nem sequer é posto em questão, algo que, Pedro João “lamenta”, pois a juventude, comenta, não quer saber a sua História e só pensa nos “telemóveis”.

O memorial está lá, numa vasta área de 3,5 hectares, paredes meias com o Aeroporto 23 de Março do Cuíto Cuanavale, erguido à entrada da sede do município, oficialmente numa versão hitleriana em “homenagem aos combatentes que lutaram e defenderam essa localidade contra a ocupação do antigo regime do “apartheid” sul-africano”.

O complexo do memorial é composto por um imponente edifício com cerca de 35 metros de altura sob forma de pirâmide, a simbolizar a memória e a bravura dos heróis da batalha de 1988, todos eles angolanos do MPLA, cubanos que ajudaram o MPLA e russos que ajudaram o MPLA.

A infra-estrutura comporta dois pisos, um terraço e sustentada por três vigas de betão armado, que lhe conferem a forma de uma pirâmide e está equipada com um elevador com capacidade para transportar cinco pessoas.

Logo à entrada do pátio do monumento histórico, encontra-se um painel horizontal de quase 30 metros, com estátuas de soldados, havendo uma delas com combatentes das ex-FAPLA e outro cubano, com os punhos erguidos em sinal de vitória no fim dos combates.

No mesmo perímetro, encontra-se uma biblioteca e dois museus, um onde estão expostas algumas das armas capturadas durante os combates e do material utilizado pelas extintas FAPLA e pelas tropas cubanas e russas, e outro ao ar livre, no meio de um jardim, com equipamento utilizado pelas forças do MPLA.

No espaço não se vê qualquer referência à UNITA. Só referências às forças sul-africanas que apoiaram as FALA e “saíram derrotadas”, pondo fim, tal como disse sábado o Presidente dos angolanos do MPLA, João Lourenço, “ao mito de que o exército da África do Sul era imbatível”.

“É uma deturpação clara histórica, de continuidade ideológica que, na região, acabou também por ser abraçado por governos de proximidade ideológica. Mas os historiadores vão acabar por escrever a história real. Preocupa-me sim é, numa altura destas, em que temos desafios de consolidação nacional, comemorar datas de divisão nacional. Não faz sentido nenhum”, disse sexta-feira o líder parlamentar da UNITA, que considerou um “empate” o resultado da batalha, Adalberto da Costa Júnior.

Importa, contudo, não esquecer que foi graças ao MPLA que acabou a escravatura em todo o mundo, que Portugal adoptou a democracia, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar. A isso acresce que graças ao seu carisma, João Lourenço tornou-se o mais popular político mundial, pelo menos desde que Diogo Cão por cá andou. Tão popular que bate aos pontos Nelson Mandela, Martin Luther King e até mesmo Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi.

Atendendo à envergadura peitoral de João Lourenço, que deveria ter dado o seu nome ao monumento do Cuito Cuanavale, é mais do que justo que a UNITA pense em exigir que o MPLA atribua a João Lourenço a Medalha Militar dos Serviços Distintos, Medalha Militar de Tempo de Serviço, Medalha Militar de Solidariedade e Manutenção de Paz, Medalha de Solidariedade Internacional Militar, Medalha Comemorativa das FAA…

Folha 8 com Lusa

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