Fome, sede, marimbondices

Estive durante toda esta manhã revoltado, confesso. Hoje estive à conversa com um luso-angolano, mulato das castas privilegiadas – e por mais que me esforçasse, não consegui controlar a minha fúria nem moderar o meu colérico comportamento interior, ante as aleivosias que lhe saíam da boca – e a viver num bom condomínio fechado em Luanda e cheio de dólares e euros e que faz a sua vida entre Angola e Portugal, por sinal num bom local igualmente.

Por Brandão de Pinho

Para além de ignorante sobre as coisas de Angola também o era sobre as de Portugal, nomeadamente sobre o sofrimento e as necessidades das populações mais desfavorecidas, as de cá e as da Tuga.

O contumaz cidadão vivia tão cegamente e tinha o coração tão empedernido que a seca no sul do país e a fome generalizada nessa região e no resto de Angola, eram segundo ele, devido à preguiça dos matumbos, se é que isso da fome existia, pois alegou que Lourenço dissera que não havia fome, apenas ocasional e fugaz má-nutrição. Nisso esse animal estava informado. Talvez o tivesse dito apenas por dizer ou para aplacar um pouco a sua consciência de burguês privilegiado e biltre militante, sabendo no fundo que o quão de rico tinha era proporcional ao quanto roubou ao povo angolano.

Privilégios e vantagens por ideologicamente, ou melhor, por partidariamente, ser filiado e abnegado membro daquela agremiação prosélita que nem vale a pena pronunciar (começa por “M” e acaba em “A”), ou por, na sua condição de estrangeiro -tinha dupla nacionalidade e a esposa e alguns primos eram só portugueses- terem contactos privilegiados com as altas esferas desse partido, o que verberavam -enquanto os seus proeminentes peitos e “barrigos” iam inchando- aos sete ventos com incontida vanglória como se isso fosse motivo de regozijo e não de desonra.

Ao longo da História, impérios e civilizações ruíram quando a FOME se alimentou dos cidadãos mesmo que adestrados para esta, para a desigualdade de oportunidades e para a impossível escalada na pirâmide sócio-económica, enfim para o destino incontornável de terem de ser pobres toda a vida.

Quando há FOME, como demonstra a Pirâmide de Maslow, cuja base assenta nas necessidades fisiológicas mais elementares onde estão também a sede, o abrigo, o sono e até o sexo, muito provavelmente o regime acabará por desmoronar, tão podre, oco e corroído terá de estar para não conseguir esse desiderato mínimo de alimentar o seu povo.

Mas o que se passa em Angola e na Venezuela parece contradizer essa tese. Serão mansinhos e brandos estes dois povos para não se rebelarem? Terão esperança nalguma intervenção divina ou que o futuro subitamente transforme os líderes medíocres em governantes mais habilitados? Aguardarão por eleições justas? Ou por invasões estrangeiras (que mais irão roubar certamente)?

A Comunicação social internacional fala muito da Venezuela e as pessoas estão dispostas a ajudar, mas de Angola pensam que é um mar de rosas desde que o futuro, alegado e dúplice proto-prémio Nobel da Paz e da Economia tomou as rédeas do poder e ninguém imagina o desespero daqueles que nem fuba podre têm para umas papas ou um pouco de óleo e peixe seco para enganar o estômago e são concebidos com fome, nascem famintos, vivem esfaimados e acabam por morrer esfomeados. É só consultar as taxas de mortalidade infantil e virar a tabela de cabeça para baixo para ver Angola numa belíssima posição.

Em Angola há fome? Em Angola há quem não meta alimento à boca em 24 horas? Sim. Claro que sim.

Não comer conduz a um estado animalesco e alienado e a água só apazigua um pouquinho esse monstro e doí quando bate no estômago. Apesar da água também ser pouca e fraca e a que há é mais beije do que água do Rio Muembeje que está poluído em níveis quase indianos.

Quando há penúria nutricional e não há como alimentar os filhos e família será condenável que as pessoas enveredem pelo alcoolismo, toxicodependência e criminalidade violenta -como há pouco se viu consumada em quatro portugueses que foram mortalmente vitimados- e outros comportamentos marginais?

Será que essas pessoas não serão mais vítimas da sociedade e governos sucessivos emepelianos do que propriamente criminosos e delinquentes?

Não tenho a certeza se haverá um fenómeno generalizado de FOME só por falta de dinheiro ou de alimentos. Mas fala-se de silos de trigo a estragar-se por falta de organização, de incompetências na prevenção e na estocagem de cereais, na falta de visão estratégica para dotar, por exemplo, de represas as províncias do sul (há muito que se vinham dado dados e avisos) que vêm gado e humanos a morrer por falta de água e de víveres, e, muito mais se poderia especular e escalpelizar.

A somar a todo este desgoverno, um estado tão rico em petróleo mas que apenas processa um quinto dos seus combustíveis, não se consegue articular e organizar para que estes não faltem nos seus postos, gerando milhões de prejuízo, açambarcamentos, exploração e monopolização do pouco remanescente. Se é esse tipo de empreendedorismo que JLo pretende para os jovens: -bravo; porque conseguiu.

Angola está como está porque não faltam marimbondos sem coração, ladrões, maus governantes e incompetentes, uma cultura que assenta na corrupção, gasosismo, nepotismo e cabritismo e devido à ignorância das pessoas, mesmo das que têm cursos superiores. IGNORÂNCIA. Era até aqui que queria chegar.

O Estado Novo em Portugal perdurou porque Salazar manteve a grande maioria da população na IGNORÂNCIA… mas havendo fome ninguém morria à míngua pois havia sempre uma côdea de pão e uma sopa com couves, batatas, feijão e um quadrado de banha de porco… até que o inevitável aconteceu.

A solução para a FOME em Angola passa pela Educação. A todos os níveis. As possibilidades de uma geração Educada, Cívica, Exigente e Esclarecida de derrubar o “status quo” são totais. É uma questão de tempo pois por inerência, um povo assim instruído, jamais aceitaria ver um seu compatriota deixar de tomar uma refeição que fosse, por impossibilidades financeiras ou logísticas.

O MPLA dizia que a culpa da fome foi do Colono Europeu -que dividiu num gabinete de Berlim, com régua e esquadro todo o continente. Mas todos os outros continentes foram subjugados pelos Europeus e os seus países conseguem saciar as pessoas, com as devidas excepções de qualquer região do mundo num qualquer determinado período de tempo.

O MPLA depois disse que a culpa foi dos portugueses (apesar de no tempo dos tugas haver tanta fartura em Angola que se vivia melhor do que na metrópole e com uma economia pujante, diversificada e auto-sustentada alimentarmente).

O MPLA afirmou posteriormente que a culpa foi do Sabimvi que sabotava o país.

O MPLA, depois ainda, proferiu que foi a guerra civil que destruiu todas as infra-estruturas e deslocou os povos, sobretudo os quadros técnicos.

O MPLA mais tarde ainda, já dizia que os estrangeiros eram os culpados pois só queriam explorar as riquezas de Angola, desde zungueiros a portugueses ou engravatados brancos.

Agora o MPLA expressa que a culpa foi dos marimbondos emepelianos, que por sinal, roubaram despudoradamente, sem que Jlo tivesse dado conta.

Mais recentemente o MPLA manifesta a opinião que é da crise do petróleo o estado de fome e miséria no Quadrado.

Ao MPLA só falta dizer que a culpa da fome e mau governo é do FMI.

Será que JLo por ventura acha que estaremos nós, insignificantes humanos, a viver uma pequena era de FOME em África e fartura no Ocidente que em meia-dúzia de décadas se inverterá?

Talvez a culpa seja do clima, ora com secas, ora com sinundações, mas só de pensar como é que noutros países há fenómenos bem mais nocivos, com frio extremo, terramotos, tsunamis, pragas, falta de terra arável, secas bem piores e inundações terríveis, tornados, furacões e atentados terroristas, e, mesmo assim têm desenvolvimento invejáveis, abandona-se logo esse pressuposto.

Será que JLo acha que seja porventura da religião? Que aliás ele tanto teme.

Um jornal independente e comprometido com a verdade pode ajudar muito nessa tarefa pedagógica e patriótica de despertar as pessoas, e por isso socorro-me deste meio para manifestar as minhas posições, na crença de que os meus leitores as tenham em boa conta.

Essa é a minha esperança. Talvez um dia não ter que comer aconteça a quem menos espera e aos seus filhos e isto, meus caros leitores, não vai lá e não se resolve com falinhas mansas e abraços fraternos como JLo aprendeu a dar com o boçal e alienado Ticelito. Estes que já tiveram tudo e que vão ficar sem nada não vão desistir de lutar de ânimo leve. Garanto-vos.

Infelizmente temo que por vezes, quem tanto critica Angola e o seu povo, tenha razão. Esta cultura de corrupção transversal a toda a sociedade e em todos os processos corrói as pessoas -mesmo as sérias e trabalhadoras- e promove mais o chico-espertismo do que o mérito, labor e respeitabilidade. Mas é possível mudar as mentalidades com educação e verdadeira formação cívica desde que haja uma campanha consertada que comprometa todos os vectores da sociedade.

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