Caos e crime numa “coisa” que é tudo menos… país!

Godinho Cristóvão, membro da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD, uma organização não-governamental angolana) afirmou hoje que a falta de confiança na actuação da Justiça e da Polícia em Angola é a principal causa que está a levar a população a fazer justiça pelas próprias mãos. O que diz a tudo isto o mais alto magistrado da Nação? Nada. Não está nem aí!

Em declarações à agência Lusa, Godinho Cristóvão, director da AJPD, salientou que a corrupção e os altos índices de pobreza e de desemprego têm feito aumentar a criminalidade violenta em Angola e a “saturação” da população.

Será possível que, com a estratégia (um verdadeiro ovo de Colombo) de João Lourenço ao pôr no terreno as operações Resgate e Transparência (as duas com operacionais de elevado gabarito e armados até aos dentes),a criminalidade está a aumentar?

“Há muitos factores, como a questão da falta de confiança no sistema de justiça, o desacreditar do sistema policial implantado, a falta de acesso ao crédito bancário para muitos jovens que querem empreender, o apoio de políticas eficazes de combate à pobreza e ao desemprego. Surge o aumento da criminalidade e a saturação da população, levando-a a desencadear acções de justiça pelas próprias mãos, ato que é errado”, sublinhou Godinho Cristóvão, ao comentar os linchamentos populares.

O caso conhecido mais recente aconteceu sábado no Bairro do Palanca, em Luanda, quando três jovens assaltaram e balearam uma vendedora de divisas (“kinguila”) e que culminou com o linchamento de um deles, que acabou por morrer no local, apesar da presença da policia que se manteve apenas como espectador.

“Há muitos factores que levam a que os cidadãos percam a confiança não só na intervenção policial, mas também nos órgãos de justiça. Não são poucos os casos de criminosos que cometeram crimes muito graves, mas que acabam por ser vistos depois de detidos a circular nos bairros”, referiu Godinho Cristóvão, lembrando os “excessos no uso da força” por parte de agentes, que ajudam a minar a relação com a corporação.

Godinho Cristóvão assinalou também que o actual modelo de policiamento, “clássico”, que depende muito das chamadas telefónicas para o número de emergência (113), “muitas vezes não funciona”, pois as pessoas ligam e é frequente ninguém atender a chamada, aumentando também o sentimento de insegurança.

“A estratégia que foi montada para o sistema de policiamento faliu. E isso leva a que as pessoas sintam a necessidade de se auto-protegerem. A perda de confiança nesses órgãos está a fazer com que as pessoas reajam a essas situações”, sublinhou.

Outra das razões, apontou Godinho Cristóvão, é a “grande agonia” da população face à corrupção, “que aumenta os níveis de pobreza”.

“A corrupção, os desvios de fundos que deviam ser alocados para que estes órgãos de justiça e a polícia funcionassem bem. A polícia não combate, por si só, a criminalidade, mas sim as consequências dessa criminalidade. O crime é cometido, faz a instrução e mais nada”, frisou.

“Não há acesso à escola, à educação, ao emprego, e muitos jovens, que deviam estar na escola ou a trabalhar, estão na rua. O que fazem? Cometem crimes cada vez mais violentos, como os que temos vindo a ver, como assaltos concorridos com morte. Diante deste facto, as pessoas, insatisfeitas e porque há uma intervenção policial muitas vezes pontual, agem. Fazem justiça por mãos próprias”, sustentou.

Godinho Cristóvão salientou a necessidade de mudar o modelo de policiamento para um mais comunitário, “aquele em que o polícia é cidadão, o cidadão é polícia”.

“Tem de haver estratégias montadas para o policiamento ou para o combate ao crime nas comunidades e em que a população deve participar, indicando os sítios onde podem surgir determinados crimes, como combater esse crime e onde a polícia deve intervir. Mas as forças policiais precisam de meios, de recursos e de todas as condições para que faça uma intervenção de acordo com o modelo que se exige para a nossa realidade”, defendeu.

Segundo o responsável da AJPD, em termos legislativos, Angola “está muito bem, tem muito boas leis, muito bons decretos”, pelo que o problema é passar da letra para o papel, “com estratégias, medidas e políticas concretas” para mitigar o problema, apostando no empreendedorismo, no auto-emprego ou no acesso ao crédito bancário.

“Precisamos de estratégias muito mais concretas. Se assim não for, ficamos sempre pela boa vontade, que, por si só, não resolve o problema. É importante que existam estratégias e políticas muito concretas e práticas para que haja incentivo para o incremento do emprego e ver a situação resolvida”, sublinhou.

Criminalidade é como as promessas: não pára de crescer

A criminalidade em Angola registou, em 2018, um significativo aumento comparativamente ao ano anterior, com um total de 72.174 crimes, dos quais 5.199 realizados com recurso a arma de fogo, indica um relatório da Polícia Nacional.

Os dados constam do Relatório de Segurança Pública de 2018, apresentado no dia 25 de Fevereiro, em Luanda, pelo porta-voz do Comando-Geral da Polícia Nacional, Orlando Bernardo. De acordo com as estatísticas, em 2018 foram registados mais 26.301 crimes comuns comparativamente a 2017, mas uma redução relativamente aos crimes económicos, 1.825 (-545).

As províncias de Luanda, Benguela, Bié, Huíla, Huambo e Cuando Cubango lideram, entre as 18 regiões do país, as cifras criminais, representando 62% do total geral.

Da acção policial no ano passado resultou a detenção de 49.453 presumíveis autores de crimes, representando um aumento de mais 13.599 pessoas comparativamente a 2017.

O aumento da criminalidade geral incidiu essencialmente nos furtos, com 17.937 casos (+5.981) comparativamente a 2017, as ofensas corporais, com 11.762 (+3.301 do que no ano anterior), os homicídios voluntários, com 1.473 casos (+ 219), e a posse, uso e tráfico de estupefacientes, com 2.151 (+ 838).

O porta-voz do Comando-Geral da Polícia Nacional disse que o aumento de crimes por ofensas corporais preocupa as autoridades policiais devido à sua dificuldade de prevenção.

“Boa parte delas ocorrem no seio familiar, derivados do consumo exacerbado de álcool e outras substâncias psicotrópicas por parte dos cidadãos que em convívio ou noutras actividades com pessoas próximas faz com que haja esse aumento”, referiu.

Segundo Orlando Bernardo, o titular da pasta do Interior está “muito preocupado” com esta tipicidade criminal, que ficou comprovada em Dezembro do ano passado, período da quadra festiva.

O relatório indica que do total de 11.762 crimes por ofensas corporais 9.842 foram graves, tendo a maioria ocorrido em Luanda, capital de Angola, com 3.623 (+1.353), seguindo-se as províncias de Benguela, com 1.844 (+1.477), a Huíla, com 989 (+102), o Huambo, com 1.258 (+532), Cuanza Norte, com 593 (-99), Cuando Cubango, com 532 (+34) e o Bié, com 508 (-62).

“As principais motivações foram, dentre outras, as rixas/desavenças, questões passionais e crença no feiticismo, na sua maioria praticadas por pessoas conhecidas das vítimas, durante a convivência”, refere a polícia no relatório, acrescentando que 4.754 casos foram com recurso a arma branca, 3.725 por espancamento, 868 com objectos contundentes, 759 com objectos cortantes, 680 com objectos de arremesso, 448 com armas de fogo e 33 por queimadura.

O documento aponta igualmente um aumento dos crimes de violações, com um total de 1.750 casos, representando um aumento em mais 242 comparativamente a 2017, sendo as principais vítimas menores de idade, entre os dois e 17 anos, em que os autores geralmente são familiares ou pessoas próximas.

“Estes crimes ocorreram 454 (+122) na via pública e 1.296 (+120) no interior de residências, estabelecimentos comerciais e outros locais reservados, em circunstâncias que escapam à vigilância policial”, lê-se no relatório.

Em 2018, a polícia registou um total de 40 raptos, um aumento de 12 casos comparativamente a 2017, com Luanda a liderar com 20 casos (+13), seguindo-se Huambo, com 11 (+6), Lunda Sul, com três, Benguela, com dois, e Zaire, Moxico, Cuanza Norte e Bié, com um caso cada.

Nesta tipicidade criminal, explica-se no relatório, os criminosos tiveram como “modus operandi” a abordagem em viaturas das vítimas, actuando em grupos de dois a quatro elementos, sob ameaças com arma-de-fogo, anunciando o rapto e levando a vítima de forma coerciva de um ponto para outro, privando-a de liberdade, com um pedido de resgate, principalmente a cidadãos estrangeiros, com realce para os de nacionalidade chinesa.

Na base da criminalidade, no relatório destaca-se, entre várias causas, a cultura de violência entre jovens, “que assumem comportamentos desviantes, recorrendo a objectos cortantes e contundentes, em qualquer desentendimento entre parceiros de convívio ou mesmo contra membros da própria família, causando lesões graves ou morte em alguns casos”.

Mas há uma outra espécie de criminalidade

Em Outubro de 2018, o director-geral do Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola, Eugénio Pedro Alexandre, admitiu que os casos relacionados com crimes de natureza económica estão a aumentar no país, envolvendo ministros, ex-ministros e gestores públicos. Tudo normal, portanto.

Segundo Eugénio Pedro Alexandre, que falava à margem da 1.ª Conferência Internacional sobre Fraudes e Delitos Económicos em Angola, que decorreu no Centro de Convenções de Talatona, os crimes económicos passam por peculato, branqueamento de capitais, burla por defraudação, fraude financeira, fuga ao fisco, contrabando, especulação, venda e garimpo de diamantes.

Eugénio Alexandre, citado pelo órgão oficial do Governo, o Jornal de Angola, explicou que o SIC estava a investigar vários processos relacionados com crimes de peculato e branqueamento de capitais que envolvem gestores públicos, e acrescentou que nos processos que envolvem ministros e ex-ministros, que não apontou.

Então não são apenas ex-ministros. Também há actuais ministros. A “coisa” prometia… se fosse séria. Ou será que, como no passado recente (os últimos 43 anos) a montanha vai parir uns ratinhos de plástico “made un China”?

Segundo Eugénio Alexandre, têm sido investigados diariamente “muitos indícios de crimes económicos”, cujos respectivos processos são encaminhados para o Ministério Público, alguns dos quais já julgados pelos diversos tribunais espalhados pelo país.

Apesar de haver um aumento do número de processos relacionados com crimes económicos, Eugénio Alexandre afirmou que o SIC tem pessoal competente e tecnicamente preparado para lidar com os vários casos, mas defende o aumento do número de quadros para melhor se responder à pressão.

O director do SIC indicou que, nos casos em que há necessidade de se localizar uma pessoa, para que possa prestar declarações sobre um determinado crime e que este se encontre no exterior do país, a instituição e a Polícia Nacional activam a colaboração que existe com a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) para facilitar a localização do visado.

“As pessoas pensam que estão escondidas, mas temos formas de as localizar, ainda que seja nosso dever respeitar a legislação internacional, em termos de detenção e repatriamento”, disse.

O director-geral do SIC considerou ainda que, apesar do papel dos distintos órgãos de regulação e fiscalização previsto na Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, aprovada em 2011, cabe às empresas adoptarem medidas de controlo interno.

Para tal, têm de promover uma “aliança em prol de um mercado mais ético e confiável”, dando substância a uma estratégia de auto-regulação, que coloque em prática as normas de governança implantadas pelas empresas, desde os códigos de ética, às auditorias internas, canais de denúncia e protecção dos interesses e administração eficaz dos riscos inerentes e de prevenção do crime.

No mesmo encontro, o superintendente-chefe Cristiano Francisco, oficial superior do SIC, realçou que a apetência pelo lucro fácil “é um dos factores que faz com que muitos cidadãos optem pela prática de crimes económicos”.

“Alguns gestores públicos pensaram que podiam continuar a cometer crimes económicos e a viverem impunes”, frisou.

Foto de Arquivo

Folha 8 com Lusa

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