BNA desmente PGR. A JLo só restará desmentir os dois

O governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, disse hoje, em Luanda, que foram registados repatriamentos voluntários de capitais no período de graça de seis meses concedido por lei, mas sem solicitação dos seus benefícios. Estranho. Ter direito a benefícios e não os solicitar? O gato escondeu-se e deixou o rabo de fora?

José de Lima Massano respondeu ao pedido de esclarecimento de deputados, na discussão da proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) revisto para 2019, sobre o processo de repatriamento de capitais iniciado em Junho de 2018 e que teve um período de graça de seis meses, até entrar na fase coerciva a 26 de Dezembro do mesmo ano.

Segundo o governador do banco central angolano, que não adiantou quaisquer valores (o segredo – suspeito – continua a ser a alma do negócio), durante a vigência dos seis meses de repatriamento voluntário “não houve nenhum caso de solicitação dos benefícios que a lei concede àqueles que recorressem ao repatriamento”.

“Tivemos repatriamento, mas não foi necessário, do lado do Banco Nacional de Angola, emitir qualquer declaração ou levar à PGR (Procuradoria-Geral da República) qualquer declaração de recursos retornados ao país considerados como tendo sido retirados do país de forma ilícita”, referiu José de Lima Massano.

Sem o valor repatriado naquela fase, o governador do BNA contraria a informação divulgada em Abril passado pela PGR (BNA que, pelos vistos – como aconteceu com a Sonangol -, não dialoga com o Ministério Público), que garantiu então que o país não conseguiu recuperar qualquer verba de forma voluntária, mas, coercivamente, recuperou perto de 4.000 milhões de dólares (3.630 milhões de euros) em dinheiro e bens.

Já vimos, importa dizê-lo, palhaçadas de melhor qualidade. O BNA diz uma coisa, a PGR outra e (a fazer fé nesta transparência institucional) é legítimo que a sociedade comece a temer que nenhum deles esteja a falar a verdade. Veremos qual será a versão oficial quando o Presidente João Lourenço voltar a tirar da gaveta o ainda quente livro das exonerações.

O processo de recuperação de capitais começou em 26 de Junho de 2018, com os deputados, a aprovarem, sem votos contra, a Lei sobre Repatriamento de Capitais, que dava um prazo de seis meses, até 26 de Dezembro do mesmo ano, para fazerem regressar sem penalizações as verbas investidas ilegalmente fora de Angola.

Ainda dentro do prazo de seis meses, o Parlamento aprovou, em 21 de Novembro de 2018, a Lei sobre o Repatriamento Coercivo de Capitais e Perda Alargada de Bens, processo que começou a contar a partir de 26 de Dezembro.

João Lourenço viu mas… calou-se

“E u tive a oportunidade de ver a dimensão real da corrupção em Angola”, declarou em tempos João Lourenço. E é verdade. Não só viu como foi, pelo menos do ponto de vista ético, moral e político, conivente, mesmo que apenas por omissão.

“Eu não vim de um país estrangeiro, eu sou parte do sistema, cresci dentro do MPLA, acompanhei tudo o que foi sendo feito, de bom e de mau”, disse João Lourenço, faltando-lhe a coragem para admitir publicamente que foi beneficiário dessa situação.

O MPLA valeu-se da sua qualificada maioria, também ela adquirida – como muito bem sabe João Lourenço – de forma fraudulenta, para fazer passar a Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País, hostilizando com todas as suas forças a proposta então apresentada pela UNITA no seu projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regularização Patrimonial (RERP).

A forma como o MPLA conduziu o processo mostrou que o partido não estava interessado numa lei que, de facto, fosse contra a impunidade.

As fragilidades da Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior estão à vista. Desde logo a Lei limita-se a activos financeiros, permitindo (e dando tempo para uma fraudulenta reconversão) que alguém que tenha ilicitamente domiciliado dinheiro no exterior o pudesse converter em património imobiliário. E, claro, passado algum tempo fará, legalmente, o processo inverso.

Acresce que o Governo não sabe (em muitos casos não quer saber) quanto dinheiro se poderá repatriar nem quem são os seus titulares.

“Os sujeitos candidatos a repatriar capital não são obrigados a fazer qualquer declaração estando toda a operação de repatriamento submetida à regra do sigilo bancário. Os valores repatriados ainda que obtidos e domiciliados no exterior de forma ilícita pertencem integralmente à pessoa que cometeu tais ilícitos, abrindo o Estado mão de qualquer ressarcimento. Isto, de qualquer ângulo que se analise é indiscutivelmente uma acção de branqueamento de capitais”, afirmou o deputado da UNITA, Maurílio Luiele, em artigo publicado no dia 19 de Maio de 2018 no Jornal de Angola.

A lei (já mudou várias vezes de nome) sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens, entre eles financeiros, tem por objectivo dotar o ordenamento jurídico angolano de normas e mecanismos legais que permitam a materialização do repatriamento coercivo, com maior ênfase na perda alargada de bens a favor do Estado.

No caso dos “bens incongruentes” domiciliados no país, a ideia é, segundo o ministro da Justiça e Direitos Humanos angolano, Francisco Queiroz, confiscar esses bens e perseguir aqueles que detêm estes bens, em defesa dos interesses dos cidadãos.

A iniciativa surge enquadrada pela Lei de Repatriamento de Capitais, cujo prazo terminou em Dezembro do ano passado, uma vez que o diploma “não cobre todas as incidências do processo”.

“Daí a necessidade, do ponto de vista da investigação criminal, instrução preparatória e do julgamento dos casos, de tornar mais apta na sua aplicação”, pode ler-se no documento.

Esta lei define também o que considera “bens congruentes”, adquiridos de forma legal, e “bens incongruentes”, que resultam de enriquecimento ilícito. Em caso de condenação, os bens incongruentes reverterão a favor do Estado.

A 26 de Junho de 2018, a Lei de Repatriamento de Capitais foi publicada no Diário da República de Angola, definindo que os cidadãos e empresas angolanas tinham até 26 de Dezembro (180 dias) para repatriar voluntariamente, sem perguntas ou investigações das autoridades, os recursos financeiros ilicitamente retirados de Angola, podendo até receber incentivos estatais.

De acordo com a lei, entre esses recursos, sem um tecto mínimo contam-se “depósitos bancários, à ordem, a prazo ou na forma de certificados de depósito ou de aforro, em contas domiciliadas em instituições financeiras bancárias no estrangeiro”.

A lei é aplicável às pessoas singulares residentes nacionais e às pessoas colectivas com sede ou domicílio em território angolano e que sejam titulares de recursos financeiros domiciliados no exterior do país.

“Visa o estabelecimento dos termos e das condições de repatriamento dos recursos financeiros domiciliados no exterior do país, os efeitos jurídicos de natureza fiscal cambial ou criminal do repatriamento voluntário”, além do “regime sancionatório do repatriamento coercivo dos recursos ilícitos mantidos no exterior”.

Contudo, não é aplicável às pessoas singulares residentes nacionais que à data anterior à entrada em vigor da lei “tenham sido condenadas judicialmente ou que estejam na condição de indiciadas em inquérito policial”, ou que sejam réus em processo pela prática de crimes relacionados com os recursos ilicitamente detidos ou expatriados para o estrangeiro.

Nomeadamente, crimes relacionados com terrorismo, tráfico de pessoas e de órgãos, escravidão, tráfico de droga ou contrabando, entre outros.

Após o fim do prazo, o repatriamento passou (ou passaria) a ser feito de forma “coerciva”, como prevê a lei, “no caso, exclusivamente, dos recursos financeiros provenientes de operações comprovadamente ilícitas”.

A 25 de Setembro de 2018, Francisco Queiroz, sem nomear, lamentou a falta de colaboração de alguns bancos onde se encontram domiciliados capitais de origem ilícita, alegando que existe “alguma resistência em largar mão desses capitais”.

O ministro considerou “incoerente” a atitude dessas instituições financeiras “dos chamados paraísos fiscais ou mesmo das grandes capitais financeiras internacionais, cujos Governos ostentam um discurso de combate à corrupção, ao branqueamento de capitais e a outras práticas conexas, mas na prática dificultam as operações de regresso dos activos aos países de origem”.

Com esta atitude, as instituições financeiras em causa “contribuem para a perda de muitos milhares de milhões de dólares, provenientes principalmente dos países em desenvolvimento”.

Folha 8 com Lusa

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