A falta de água mostra o mau estado deste Estado

Luanda está a enfrentar desde domingo restrições ao abastecimento de água devido a “questões técnicas” e com a “reduzida capacidade de produção”, explicou hoje a empresa pública. Se a isso se juntar os problemas com o fornecimento de energias ficamos a saber o (mau) estado em que o Estado está.

Segundo o porta-voz da Empresa Pública de Água de Luanda (EPAL), Waldemir Bernardo, a empresa produz em média 500 mil metros cúbicos de água por dia, enquanto a necessidade de abastecimento de Luanda está acima de um milhão, para uma população estimada em cerca de seis milhões de habitantes.

Waldemir Bernardo disse que muitos cidadãos têm associado as restrições no abastecimento de água com a greve por tempo indeterminado iniciada na sexta-feira por um dos sindicatos da empresa, indicando, porém, que, apesar da paralisação, “pouco representativa”, a EPAL “está a funcionar na normalidade”.

“Há apenas alguns constrangimentos técnicos. Temos as 14 estações de tratamento, os 27 centros de distribuição e os 24 balcões de atendimento ao público a funcionar, incluindo as equipas de campo móveis”, sublinhou.

Waldemir Bernardo referiu que, devido a uma situação no abastecimento de energia, algumas estações de tratamento de água da EPAL não estão a funcionar, como a de Luanda Sul, e outras, como a de Luanda Sudeste, estão a funcionar com fontes alternativas.

O problema de energia afectou também os centros do Cazenga, Marçal, Munlevos, Golfe, Benfica I, Talatona e Nova Vida, todas nos arredores de Luanda, causando restrições no abastecimento de água.

Em 19 de Março, em declarações à agência Lusa, o primeiro secretário da comissão sindical da EPAL, afecta à CGSILA, António Martins, indicou que entre as reivindicações estão melhores condições laborais, salariais e o pagamento de subsídios.

Um dia antes, o director comercial da EPAL, Ângelo Filipe, referiu que a empresa é credora de 60.000 milhões de kwanzas (167 milhões de euros), em que o Estado é o principal devedor, com 36.000 milhões de kwanzas (100,2 milhões de euros).

“Há aqui um problema muito grave que ainda temos de atravessar, porque se, de um lado cobramos, do outro, há entidades que não nos pagam”, disse o responsável, anunciando o início, em breve, de uma campanha de corte no abastecimento de água aos clientes devedores.

Quem deve e não paga?

O Estado angolano deve cerca de 36.000 milhões de kwanzas (100,2 milhões de euros) à Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), mais de metade da dívida total.

Segundo o director comercial da EPAL, Ângelo Filipe, a dívida acumulada da empresa ascende a 60.000 milhões de euros (perto de 167 milhões de euros) e, deste valor, 36.000 milhões de kwanzas “são dos organismos do Estado”

“Portanto, há aqui um problema muito grave que ainda temos que atravessar, porque se de um lado cobramos, do outro há entidades que não nos pagam”, disse a 18 de Março o responsável à rádio pública angolana, anunciando o início, em breve, de uma campanha de corte de água aos clientes devedores.

O director comercial da EPAL assumiu que Luanda, com mais de sete milhões de habitantes, ainda tem um défice de cerca de 350.000 contadores.

A “primeira preocupação” da empresa, adiantou, é resolver esse défice, referindo que “hoje em dia a aquisição e instalação de um contador e a respectiva mão-de-obra custa cerca de 30.000 kwanzas” (cerca de 83,5 euros).

“E estamos a ver que será um investimento na ordem dos 5.000 milhões de kwanzas [13,9 milhões de euros] e a empresa, por si só, não está, ainda, em condições de fazê-lo”, observou.

“Queremos sustentar a nossa actividade comercial e a nossa rentabilidade financeira para projectos que efectivamente despertem maior acutilância da população entre a produção, estabilização e depois outras acções (…)”, apontou.

Apesar de acções da empresa para o fornecimento de água em Luanda, várias zonas da capital angolana ainda não têm acesso a rede pública de água e outras carecem de reabilitação do sistema.

Radiografia de um crime

A província de Luanda apresenta necessidades diárias de cerca de 1,2 milhões de metros cúbicos de água, para uma capacidade real disponível, inferior a metade, de 516,582 metros cúbicos.

Estes dados foram revelados no dia 6 de Dezembro de 2017 durante uma reunião realizada entre o governo da província de Luanda e o Ministério da Energia e Águas de Angola, para análise da problemática do abastecimento de água potável.

O comunicado final dessa reunião refere que é “manifestamente insuficiente” a capacidade actual para suprir a demanda, apesar dos investimentos realizados pela Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), para aumentar o número de ligações nos mais variados distritos da província capital, que tem cerca de sete milhões de habitantes.

A nota sublinha a existência de inúmeras localidades da província onde as populações recorrem ao consumo de água imprópria e a constatação de muitas das ligações recentemente implantadas não estarem a fornecer água devido às insuficiências no seu fornecimento.

Foi também constatada a existência de zonas com alta densidade populacional sem ligações domiciliárias e a captação e venda de água não tratada para a venda ilegal às populações, instituições e empresas.

Outro dos problemas identificados foi a danificação constante de condutas para a realização de negócios de venda de água, um conluio entre populares e trabalhadores da EPAL.

No encontro, em que participaram o secretário de Estado das Águas, Luís Filipe, vice-governadores, administradores municipais e dos distritos urbanos, o presidente do conselho de administração da EPAL e responsáveis da área técnica, ficou concluído que o problema de captação e distribuição de água para Luanda só deverá estar quase totalmente resolvido em meados de 2020, quando os projectos Bita e Quilonga estiverem concluídos.

Entre várias recomendações, os participantes apontam a necessidade de a EPAL recorrer às instâncias superiores para o aumento dos seus recursos financeiros de modo a acelerar o incremento da capacidade de captação e tratamento da água.

Nesse sentido, o Governo Provincial de Luanda deveria em conjunto com o Ministério da Energia e Águas efectuar uma missão de bons ofícios junto das autoridades centrais para a apresentação do quadro actual de captação e distribuição de água na província, suas dificuldades, soluções e necessidades de recursos materiais e financeiros.

Meter água até dizer basta…

Angola é, dos nove Estados lusófonos, o país com menor acesso a água potável “per capita”, em que apenas 44% da população a obtém facilmente, com Portugal (100%) e Brasil (97%) no pólo oposto, indicam os estudos da ONU. No que ao reino do MPLA respeita, tudo normal. Por que carga de chuva os 20 milhões de pobres precisarão de água potável?

Num relatório do Programa Conjunto de Monitorização das Nações Unidas, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), são analisadas as situações, até 2016, da água potável, saneamento e higiene em mais de 200 países e territórios.

O documento faz a comparação entre a evolução registada em cada um dos nove países lusófonos – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste – entre 2000 e 2015, tendo também em conta o respectivo aumento da população.

No quadro deste período, é referido também o aumento da população nas zonas urbanas, o acesso a água que dista mais de 30 minutos do local de residência, água não melhorada e água proveniente da superfície, como rios e lagos, entre outras fontes.

No acesso a água potável canalizada, Cabo Verde surge em terceiro lugar entre os lusófonos (subiu de 78% em 2000 para 86% em 2015), à frente de São Tomé e Príncipe (de 67% para 80% no mesmo período), Timor-Leste (não havia dados disponíveis em 2000, mas em 2015 tinha 70%), Guiné-Bissau (de 53% para 69%) e Moçambique (de 22% para 47%).

No mesmo período, Angola subiu de 38% para 41%, enquanto o Brasil passou dos 94% para 97% e Portugal de 99% para 100%.

O relatório sublinha que os dados são susceptíveis de alguma “relatividade”, tendo em conta o tamanho dos países, o total da população e o grau de desenvolvimento de cada um deles.

À excepção de Portugal (com 0% já em 2000) e Brasil (que baixou de 1% em 2000 para 0% em 2015), todos os restantes países lusófonos, em maior ou menor escala, ainda têm bolsas da população que só conseguem obter água a mais de 30 minutos do local de residência.

Angola, com 16% da população nessas circunstâncias ao longo do mesmo período, e Guiné Equatorial, que também continua com 2%, são os dois Estados lusófonos que mantiveram os números estatísticos entre 2000 e 2015.

Diferentes dados estatísticos, mas para pior, foram, no mesmo período, registados em São Tomé e Príncipe (de 13% para 15% da população), Moçambique (subiu de 5% para 14% da população) e na Guiné-Bissau (de 4% para 5%).

Cabo Verde desceu, em 15 anos, de 11% para 10% da população nessas circunstâncias, enquanto Timor-Leste, de que não existem dados de 2000, conta com 6% do total dos habitantes com a necessidade de ir buscar água a mais de 30 minutos dos locais de residência.

O estudo dá ainda conta da relação entre os dados estatísticos e a evolução da população urbana no mesmo período (2000 a 2015) nos nove Estados lusófonos, sempre em crescendo, com o Brasil a “liderar” esta tabela, com os habitantes citadinos a subirem, em 15 anos, de 81% para 86%.

Cabo Verde é o segundo país lusófono com maior crescimento da população urbana (aumentou, no mesmo período, de 53% para 66%), seguido por São Tomé e Príncipe (de 53% para 65%), Portugal (de 56% para 63%), Guiné-Bissau (de 37% para 49%), Angola (de 32% para 44%), Guiné Equatorial (de 39% para 40%), Timor-Leste (de 24% para 33%) e Moçambique (de 29% para 32%).

Folha 8 com Lusa

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