Milhões para importar combustíveis refinados

Angola vai gastar mais de 4.000 milhões de dólares durante um ano para importar combustíveis refinados, segundo uma autorização para o negócio, envolvendo o grupo da petrolífera estatal Sonangol.

Em causa está o despacho presidencial n.º 61/18, de 24 de Maio, em que o Presidente João Lourenço autoriza a abertura do procedimento de contratação simplificada para o fornecimento de derivados do petróleo, nomeadamente gasolina, gasóleo e gasóleo de marinha, à Sonangol Logística.

O contrato é referente ao período de 1 de Abril de 2018 a 31 de Março de 2019 e “autoriza a realização de despesa inerente aos contratos a celebrar” no valor global de 4.030.734.000 dólares (3.430 milhões de euros).

A petrolífera angolana Sonangol anunciou a 16 de Março a contratação de duas empresas internacionais de ‘trading’ e refinação para fornecimento de combustíveis, o que representa o fim do monopólio da Trafigura.

De acordo com informação disponibilizada pela Sonangol, o concurso público para este efeito foi lançado a 17 de Janeiro, com o convite dirigido a 20 das maiores empresas internacionais do sector, das quais 11 apresentaram propostas.

Após um processo de negociação, que decorreu desde 1 de Fevereiro, e na sequência de uma “avaliação de economicidade das propostas”, foram contratadas as empresas Glencore Energy UK, para fornecimento de gasóleo e de gasóleo de marinha, e da Totsa Total Oil Trading, para fornecer gasolina.

“Importa realçar que, com os resultados alcançados no concurso realizado, o país e a Sonangol beneficiarão de uma redução considerável nos montantes a despender com a importação de produtos refinados nos próximos 12 meses”, referiu na altura a petrolífera.

A Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol) anunciou a 30 de Janeiro ter convidado as “maiores empresas” internacionais de ‘trading’ e refinação para participarem no concurso público para fornecimento de gasolina e gasóleo para abastecimento do mercado interno.

Este concurso visa a aquisição de 1,2 milhões de toneladas de gasolina, 2,1 milhões de toneladas de gasóleo e 480 mil toneladas de gasóleo de marinha.

“O tipo de procedimento de contratação adoptado derivou da urgência em garantir-se um fornecimento atempado a partir do 2.º trimestre de 2018, sem constrangimentos para o mercado interno”, lê-se no comunicado emitido anteriormente pela Sonangol.

Angola foi o maior produtor africano de petróleo em 2016, com cerca de 1,7 milhões de barris de crude por dia, mas a reduzida capacidade de refinação continua a obrigar o país a importar, naquele ano, uma parte significativa das necessidades em gasóleo e gasolina.

Só de gasóleo, a Sonangol teve de importar 2.352.671 toneladas durante todo o ano, uma quebra homóloga de 23%, enquanto as compras de gasolina no exterior do país chegaram a 1.030.070 toneladas, uma redução de 17%.

Produzir petróleo e comprar gasolina

“A ngola claramente precisa de reduzir a sua dependência de produtos petrolíferos importados, mas mandar o crude para o estrangeiro para ser refinado pode ser dispendioso,” defende em Março do ano passado a Economist Intelligence Unit.

“Angola claramente precisa de reduzir a sua dependência de produtos petrolíferos importados, mas mandar o crude para o estrangeiro para ser refinado pode ser dispendioso e, apesar de dar ao país alguma garantia de segurança, cingir-se aos preços das importações, pode ser uma estratégia economicamente mais salutar”, diziam os peritos da unidade de análise da revista britânica The Economist.

Numa nota de análise ao despacho do ministro dos Petróleos, José Maria Botelho de Vasconcelos, com vista à contratação de uma empresa de consultoria que teria especificamente a missão de elaborar um “estudo de viabilidade técnico-económico de processamento de petróleo bruto angolano numa refinaria fora do país”, os técnicos da Economist concordam que todas as opções deveriam ser exploradas.

Angola é o maior produtor de petróleo em África, mas a capacidade de refinação nacional é insuficiente, cingindo-se a actividade à refinaria de Luanda, o que obriga à importação de grande parte dos produtos refinados que consome.

A solução de recorrer a uma refinaria estrangeira tem sido defendida por alguns especialistas como hipótese mais acessível, face aos custos avultados de construção e manutenção de uma refinaria de raiz em Angola.

“Angola está compreensivelmente ansiosa por estudar todas as opções antes de se comprometer com projectos de construção de muitos milhares de milhões de dólares que podem vir a ser até mais caros de manter a longo prazo”, dizem, apresentando dúvidas sobre a viabilidade económica de enviar o petróleo para ser refinado no estrangeiro.

As dúvidas dos técnicos, quer sobre o envio de petróleo para ser refinado para o estrangeiro, quer sobre a capacidade para a construção de refinarias em Angola, surgiram na altura em que Angola apostava em estudar a viabilidade de refinar os cerca de 1,7 milhões de barris que bombeia diariamente, mas aprovava ao mesmo tempo um despacho viabilizando o contrato de investimento privado dos grupos Rail Standard Service e Fortland Consulting Company, ambos da Rússia, com o objectivo de construir e operar uma refinaria petroquímica na província do Namibe.

Os investidores russos pretendiam construir uma refinaria na província do Namibe, um mega projecto que previa ainda uma linha férrea a unir as centenárias linhas de Benguela e de Moçâmedes, num investimento global superior a 11 mil milhões de euros.

A notícia do investimento surgia numa altura em que a construção da refinaria de Benguela fora suspensa pela Sonangol e que o Governo estava a reavaliar o projecto da refinaria no Soyo.

Construída em 1955, a refinaria de Luanda tem uma capacidade actual para tratar 65.000 barris de petróleo por dia, operando a cerca de 70% da sua capacidade e com custos de produção superior à gasolina e gasóleo importados, segundo um relatório sobre os subsídios do Estado angolano ao preço dos combustíveis, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2014.

Crude tem um intenso cheiro chinês

Recorde-se a este propósito que um consórcio de empresas angolanas e chinesas revelou no dia 8 de Julho de 2015 que iria investir 12,4 mil milhões de euros na construção de uma refinaria na província do Bengo.

A refinaria, denominada “Prince de Kinkakala”, instalada no município do Ambriz, teria capacidade de refinação de 400 mil barris de derivados de petróleo por dia, integrando o consórcio a Sonangol, com uma quota de 40%.

Os restantes 60% do capital social do consórcio promotor seriam detidos pela empresa privada angolana do sector petrolífero GPM Internacional Services e por um grupo de empresas chinesas.

Até há pouco tempo a importação de combustíveis, nomeadamente gasóleo e gasolina, era praticamente dominada pela Trafigura, uma multinacional suíça. Através da sua subsidiária Puma Energy, que actua em Angola, a Trafigura é sócia do trio presidencial composto pelos generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso do Nascimento e Manuel Vicente, bem como da própria Sonangol.

Como escreveu Rafael Marques, a Sonangol tentou obter um financiamento de US $800 milhões junto de um banco sedeado no Egipto, propondo como garantia as suas acções no banco Millennium BCP em Portugal, para pagamento da dívida de US $1 bilião à Trafigura pela importação de combustíveis. O general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que actualmente dirige os negócios da Trafigura em Angola, assim como do trio presidencial, tem sido o grande elemento de pressão para que a Sonangol pague a dívida.

Com a mudança de administração, as negociações finais para a concretização do empréstimo foram transferidas para a gestão de Isabel dos Santos. Das cinco prioridades da petrolífera nacional constam a resolução da dívida à Trafigura [e ao trio presidencial], bem como o pagamento da compra das operações da Cobalt International em Angola, que se tinha associado à empresa Nazaki Oil & Gas, do trio presidencial.

O general Leopoldino Fragoso do Nascimento é o testa-de-ferro dos grandes negócios do presidente José Eduardo dos Santos que não estão em nome da sua filha Isabel.

A Sonangol gasta, mensalmente, entre US $150 e US $170 milhões com a importação de derivados de petróleo, e não tem quaisquer perspectivas de diminuição deste dispêndio a médio ou longo prazo. A situação é tanto mais grave quanto Angola se constitui como o maior produtor africano de petróleo, ao mesmo tempo que se revela incapaz de construir uma refinaria, devido aos interesses privados de alguns dirigentes, que lucram com a importação de combustíveis.

Uma das soluções que a anterior administração da Sonangol tinha ponderado passava pela entrega de petróleo a uma refinaria sul-africana. Essa refinaria ficaria com uma parte do carregamento do petróleo e, em contrapartida, abasteceria o mercado angolano com refinados a um valor mais baixo que os impostos pela Trafigura e os seus associados da então presidência da República.

No entanto, esta ideia foi abandonada porque Angola tinha compromissos de pagamento do serviço da dívida, com carregamentos de petróleo, até 2026. Não há muito mais. Parte dos carregamentos são destinados à China, onde a Sonangol contraiu dívidas no valor US $15 biliões. No mercado europeu, através de financiamentos agenciados pelo Standard Chartered Bank, a Sonangol soma mais uma dívida que ultrapassa os US $13 biliões. Ou seja, a petrolífera nacional deve mais de US $28 biliões.

Com o golpe à Sonangol, que levou a família presidencial e seus associados externos a controlar directamente a petrolífera, as operações ficaram mais facilitadas. Este golpe veio na sequência de um primeiro em que, por indicação do general Leopoldino Fragoso dos Nascimento, o presidente nomeou o inexperiente jovem Valter Filipe para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola.

Assim, o controlo da economia política do país passou para as mãos discretas do general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que passou a ser – efectivamente e à sombra – a segunda figura mais poderosa do país.

Todavia, os graves problemas de tesouraria da Sonangol e a falta de divisas não poderão sustentar os gastos actuais de importação de combustíveis a médio prazo. Caso as rezas do poder para a subida do preço do petróleo não sejam ouvidas em breve, a crise dos combustíveis será outra realidade.

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Milhões para importar combustíveis refinados”

  1. movimento Bhota

    “A Filosofia é a que nos distingue dos selvagens e bárbaros; as nações são tanto mais civilizadas e cultas quanto melhor filosofam seus homens.” (Descartes) Mas vou mais Longe “O que quer dizer que apenas com uma Filosofia certa posso chegar a África e transformar esse lugar , no lugar mais Avançado do mundo em que todos são Doutores”

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