Quando era preciso falar… esteve calado e quietinho!

O representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Angola,  Pier Paolo Balladelli, considerou hoje que o país vive uma fase “nunca antes vista”, com “maior liberdade crítica e aproximação” entre entidades do Estado e cidadãos. No tempo de José Eduardo dos Santos optou por estar quieto e caladinho e, inclusive, esteve solidário com António Guterres quando este bajulou o governo anterior para conseguir apoio à corrida para secretário-geral da ONU.

Pier Paolo Balladelli, que discursava na abertura de um ciclo de palestras subordinado ao tema “O Cidadão, a Nossa Ocupação, O Cidadão a Nossa Preocupação, Mais Direito, Mais Cidadania, Mais Cidadania, Mais Direito”, referiu que Angola regista “mudanças importantes”.

De acordo com Pier Paolo Balladelli, “é evidente a fase de mudança” que se regista em Angola, sobretudo com a liderança do Presidente João Lourenço, onde, apontou, “é visível uma maior aproximação entre entidades do Estado e a sociedade civil nunca antes vista”.

“Agora temos possibilidade de discutir, de apresentar ideias, também de ser críticos sobre o desempenho ou sobre a aplicação de direitos. É um momento com grandes potencialidades para aplicar a participação da cidadania”, disse.

O ciclo de palestra decorre na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN), estendendo-se até 18 deste mês noutras instituições do ensino superior de Luanda, e é promovido pela Provedoria de Justiça de Angola, em parceria com o PNUD.

“Os Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos à Luz da Constituição” e “O Papel do Provedor de Justiça na Defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias Constitucionais dos Cidadãos” foram os temas discutidos hoje no encontro.

Para o também coordenador do Sistema das Nações Unidas em Angola, a materialização dos direitos e liberdades dos cidadãos concorre para a consolidação da paz e estabilidade nacional, que passa também, apontou, pela eficácia da Provedoria de Justiça.

“Um atendimento eficaz às petições dos cidadãos através deste mecanismo institucional, Provedoria de Justiça, pode prevenir, e mesmo evitar, possíveis actos de instabilidade resultantes de descontentamentos e frustração”, alertou.

O representante residente do PNUD em Angola exortou ainda as instituições do Estado a “reforçarem a sua parceria” com o Provedor de Justiça.

“Não somente para melhor viabilizar o trabalho do Provedor, mas também para poderem melhor diagnosticar as preocupações dos cidadãos na perspectiva de direitos fundamentais”, concluiu.

Já o Provedor de Justiça de Angola, Carlos Ferreira Pinto, na sua comunicação, recordou apenas que o Provedor “não tem poder decisório” e que é “apenas um intermediário” nas preocupações ou queixas de cidadãos que clamam por justiça.

“O Provedor tem uma função persuasiva, fazendo valer, através de uma boa fundamentação, as suas posições a favor dos direitos fundamentais dos cidadãos contra o ato praticado pela entidade pública”, afirmou.

O decano da Faculdade de Direito da UAN, André Victor, valorizou o encontro, considerando que os direitos, liberdades e garantias do cidadão “moldam toda e qualquer constituição de um Estado democrático”.

Guterres, Balladelli e Dos Santos

No dia 21 de Setembro de 2016, o antigo primeiro-ministro de Portugal agradeceu o apoio de Angola à sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas, elogiando (é o preço a pagar pelo apoio) o papel do país no contexto internacional.

António Guterres, que foi igualmente alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, falava à rádio pública angolana, sobre o apoio de Angola, salientando que tem sido “um instrumento muito importante” para que tenha possibilidades de vencer.

“Gostaria de exprimir toda a minha gratidão e o meu apreço pelo que tem sido a posição do Presidente José Eduardo dos Santos, do Governo e povo de Angola, a solidariedade angolana tem calado muito fundo no meu coração”, referiu Guterres mostrando que, afinal, bajular é uma questão genética em (quase) todos os socialistas – e não só – portugueses.

Em Março desse ano, o Presidente José Eduardo dos Santos recebeu em audiência, em Luanda, o candidato português à sucessão de Ban Ki-moon.

“Agora compete aos Estados-membros, entre os quais Angola, decidir, mas não queria deixar de exprimir esta grande gratidão em relação à posição angolana, que calou muito fundo no meu coração”, realçou Guterres.

Pela voz do então ministro dos Negócios Estrangeiros, Georges Chikoti, Angola disse que “esta eleição é muito importante para África, para a CPLP, para Angola e para a comunidade internacional em geral. O engenheiro Guterres tem sido um lutador incansável pelas causas importantes da comunidade internacional, em particular dos refugiados”.

Chikoti acrescentou: “Temos a certeza que nessa qualidade (secretário-geral) ele vai olhar muito para África e para Angola em particular, queremos esperar que ele consiga promover alguns quadros importantes do continente africano, particularmente da lusofonia”.

Enquanto candidato e por necessidade material de recolher apoios, António Guterres confundiu deliberadamente Angola com o regime, parecendo (sejamos optimistas) esquecer que, por cá, existiam (como continuam a existir) angolanos a morrer todos os dias, que ainda temos um dos regimes mais corruptos do mundo e que somos o país com o maior índice mundial de mortalidade infantil.

Na sua última visita a Angola, António Guterres disse que, “por Angola estar envolvida em actividades internacionais extremamente relevantes, vejo-me na obrigação de transmitir pessoalmente essa pretensão às autoridades angolanas”.

Pois é. Esteve até no Conselho de Segurança da ONU. E, pelos vistos, isso basta. O facto – repita-se todas as vezes que for preciso – de ter na altura desde 1979 um Presidente da República nunca nominalmente eleito, de ser um dos países mais corruptos do mundo, de ser o país onde morrem mais crianças… foi irrelevante.

“Naturalmente como velho amigo deste país, senti que era meu dever, no momento em que anunciei a minha candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, vir o mais depressa possível para poder transmitir essa intenção as autoridades angolanas”, sublinhou António Guterres.

Guterres tem razão. É um velho amigo do regime. Mas confundir isso com ser amigo de Angola e dos angolanos é, mais ou menos, como confundir o Oceanário de Lisboa com o oceano Atlântico. Seja como for, confirmou-se que a bajulação continua a ser uma boa estratégia. Nesse sentido, António Guterres não se importou de continuar a considerar José Eduardo dos Santos como um ditador… bom.

António Guterres, além de ter sido primeiro-ministro luso entre 1995 a 2002, exerceu o cargo de alto comissário da ONU para os Refugiados, durante dez anos antes de ser eleito secretário-geral da ONU.

António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, sabe que todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia e que 70% da população passa fome;

António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, sabe que 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos;

António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, sabe que no “ranking” que analisa a corrupção, Angola está entre os primeiros, tal como sabe que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.

António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, também sabe que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Mas também é evidente que António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, sabe que ser amigo de quem está no poder é fácil e por norma rende muito.

Seja como for, António Guterres, tal como Pier Paolo Balladelli, não deve gozar com a nossa chipala nem fazer de todos nós uns matumbos.

Legenda: Paolo Balladelli, Coordenador Residente da ONU Angola, Florbela Fernandes, Representante do FNUAP (Fundo das Nações Unidas para a População) junto ao Ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto.

Artigos Relacionados

One Thought to “Quando era preciso falar… esteve calado e quietinho!”

  1. Garito

    Um grande artigo de reflexão…se ele quer justificar hoje..por ser Diplomata,então deveria ficar calado para sempre.

Leave a Comment