Carta a Rafael Savimbi

Há muito que Rafael Massanga Savimbi reivindica um funeral condigno para o seu pai. Tem todo o direito. Pena é que Angola, país pelo qual o pai deu a vida, não seja um Estado de Direito. Agora, tanto quanto parece, João Lourenço, vai dar um decisivo impulso à questão de Jonas Savimbi.

Por Orlando Castro

Caro Rafael, se quase 43 de anos depois da independência, uma das quais proclamada pelo teu pai, 16 anos depois da paz total, Angola continua a ter 68% do seu povo de barriga vazia, continua a ser (re)construída à imagem e semelhança do MPLA, este partido não vai permitir que se honre (sem esquecer os muitos erros) a memória e a obra do teu pai.

Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional há só um, Agostinho Neto e mais nenhum. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis. Então o teu pai terá o reconhecimento que merece.

Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto, primeiro, e depois Eduardo dos Santos, são os únicos que deram um contributo na luta armada contra o colonialismo português e na conquista da independência nacional.

Repara, por exemplo (e, por favor, não deixes de ter memória) que o dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o falecimento de Agostinho Neto, em 10 de Setembro de 1979 na antiga União das Republicas Socialistas Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecimento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano.

Não te admires, meu caro Rafael, que um dia destes ainda venham dizer que ele, ou Eduardo dos Santos, deu um decisivo contributo para a libertação da Europa…

Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder na nossa Terra.

Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, tanto Holden Roberto como o teu pai, tanto a FNLA como a UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos lunáticos.

Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.

Cá para mim, quem tem razão é José Eduardo Agualusa quando diz que “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre”.

Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral – bem visível em todo o país – que o regime do MPLA pretende levar a cabo: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.

Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como marxista-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.

Como sabes, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 a um tipo de operários e camponeses contra os quais o teu pai lutou e deu a vida. Ou seja, contra os poucos que têm cada vez mais milhões. Ao teu pai interessaram mais os milhões que tinham pouco ou nada.

Em reconhecimento da figura do (suposto único) fundador da Nação angolana, estão erguidas em vários pontos do país estátuas, que simbolizam os seus feitos e legados, marcado pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”.

Pois! Nem Cabinda é Angola nem os problemas do povo foram resolvidos. Mas as estátuas aí estão para serem vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com… fome.

Mas, acredita, é esse povo que ainda hoje é gerado com fome, que nasce com fome e morre pouco depois com fome que se orgulhou de – mesmo só comento mandioca – trazer um Galo Negro ao peito. É esse povo que, mesmo calado, continua a ver no teu pai o que ele merece e que um dia será reconhecido. Ou seja, ser um dos heróis de Angola.

Caro Rafael, o Povo Angolano, Angola, África e todos os que pugnam pelos ideais de liberdade e democracia no Mundo, recordarão sempre uma das máximas do teu pai: Angola não se define – sente-se.

Até na morte Jonas Savimbi atemorizou os militares de José Eduardo dos Santos. Depois de morto continua a aterrorizar a mente anã dos políticos do regime. Isso prova a sua valia, sem fazer esquecer igualmente os erros que cometeu.

Os adversários, ou até mesmo os inimigos, merecem respeito. E isso não aconteceu. As FAA não humilharam Jonas Savimbi, humilharam uma grande parte do Povo Angolano. Os políticos do regime, a começar por José Eduardo dos Santos, não humilharam Jonas Savimbi, humilharam (e continuam a humilhar) uma grande parte do Povo Angolano.

Por mais decibéis que ponham nos seus urros, os sipaios do regime não conseguem alterar o facto de que, com a morte de Jonas Savimbi, África perdeu um dos seus mais insignes filhos, cuja vida e obra o situam na senda dos arautos da História Africana como N’Krumahn, Nasser, Amílcar Cabral, Senghor, Boigny e Hassan II.

O teu pai, caro Rafael, tombou em combate ao lado das suas tropas e do Povo mártir, apanágio só concedido aos Grandes da História.

Deixou-nos como maior e derradeiro legado a sua coragem e o consentimento do sacrifício máximo que pode conceder um combatente da liberdade, a sua Vida.

Fiel aos princípios sagrados que nortearam a criação da UNITA, o teu pai, rejeitando sempre e categoricamente os vários cenários de exílios dourados, foi o único dos líderes angolanos que sempre viveu e lutou na sua Pátria querida. A ela tudo deu e nada tirou, ao contrário de outros, ao contrário dos que estão no poder desde 1975.

Fisicamente o teu pai morreu. Mas uma coisa é certa. Não há exército que derrote, mate ou humilhe uma cultura, um povo, uma forma eterna de ser e de estar. Jonas Savimbi continuará a ter quem defenda essa cultura, esse povo, essa forma eterna de ser e de estar.

“Há coisas que não se definem – sentem-se”. Foi isto que o teu pai me disse, em 1975, no Huambo. De facto, Angola não se define – sente-se. Jonas Malheiro Savimbi não se define – sente-se.

E porque se sente, e não há maneira de matar o que se sente, é que o teu pai, Caro Rafael, continuará vivo no coração de muitos angolanos a ponto de, desde sempre, ser um “fantasma” que não larga a mente dos que, ao contrário dele, não vivem para servir o Povo.

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3 Thoughts to “Carta a Rafael Savimbi”

  1. kiala

    VIVA ANGOLA , VIVA DR. M. J. SAVIMBI . Mesmo morto , esta sempre a dar friçoes nos matumbos do mpla , !! eles acreditam que nao vao ser julgados ? isso é que vamos ver !! este partido dos mpla, vai desaparecer de Angola , para sempre !! para nunca mais existir .!!

  2. Newton Prestes da Silveira

    Parabéns ao Jornalista Orlando Castro pelo bem lançado e emocionante artigo

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