MPLA sustenta a bomba atómica da corrupção

A consultora BMI Research prevê que a produção de petróleo em Angola “cresça fortemente” no próximo ano, mas abrande até ao final da década devido aos poços esgotados e ao mau relacionamento entre a petrolífera do regime (sob o comando de Isabel dos Santos, filha do actual presidente, José Eduardo dos Santos) Sonangol e as companhias internacionais.

“A produção petrolífera em Angola estará estagnada em 2017, crescendo fortemente em 2018 com muitos projectos a entrar em funcionamento mas a partir de 2018 vai cair devido a um forte declínio dos poços em exploração e à falta de projectos novos que equilibram os declínios”, escrevem os analistas desta consultora do Grupo Fitch.

“Com muitos projectos em fase anterior à Decisão Final de Investimento e uma forte presença das maiores companhias internacionais, os riscos à previsão da produção estão do lado superior, mas o mau relacionamento entre a Sonangol e estas petrolíferas colocam os projectos em perigo”, acrescentam os analistas na análise trimestral ao petróleo e gás de Angola.

No relatório, a BMI Research prevê uma produção de 1,747 milhões de barris diários este ano, o que representa um ligeiro aumento face aos 1,743 do ano passado, mas uma descida sobre os 1,814 milhões por dia bombeados em 2015.

No próximo ano, a estimativa da BMI aponta para uma produção de 1,861 milhões de barris, descendo depois em 2019 para 1,820 em 2019 e para 1,739 e 1,662 milhões até 2021.

Na análise que fazem aos pontos fortes do maior produtor de petróleo na África subsaariana, a par da Nigéria, a BMI aponta a tradição de décadas na exploração petrolífera no país, o forte potencial de exploração no pré-sal e um regime fiscal e de licenças estável.

Para além destes pontos positivos, a BMI Research nota também um grande número de projectos em desenvolvimento e as intenções do Governo em termos de monetização dos recursos do gás, a que se junta a previsão de forte subida no consumo de petróleo e gás no país.

Por outro lado, os analistas alertam para a “praga da corrupção de alto nível que torna o ambiente empresarial desafiante e a forte presença da Sonangol na indústria petrolífera que opera no país, apontando ainda como pontos negativos do sector as fracas receitas da exportação devido à queda dos preços e a deterioração das relações entre a empresa estatal e as petrolíferas internacionais.

Corrupção e petróleo

Um político corrupto causa mais estragos para um povo do que uma bomba atómica. E quando um país como Angola tem corruptos em todos os cantos e esquinas do Governo e das suas empresas, a destruição é total. As suas actividades nefastas são mais silenciosas, não podem ser vistas a olho nu muitas vezes, mas os danos são mais severos no longo prazo.

Não é uma mera metáfora, basta olhar o caso do Japão que sofreu com 2 bombas atómicas na primeira metade do século XX, mas que em poucos anos conseguiu tornar-se e manter-se como um país desenvolvido e umas das principais potências económicas com alto nível de educação e desenvolvimento tecnológico.

Agora olhemos os países de África. Muitos deles possuem regiões que parecem viver ainda no século XIX. Esses países sofrem com as bombas atómicas diariamente e elas têm nome: corrupção. E Angola parece ser o país mais bombardeado do mundo actualmente e essas bombas têm um combustível que as move: o petróleo.

Praticamente toda a receita de Angola advém das actividades petrolíferas e todos sabem que a Sonangol tem privilégios de exploração e de parcerias na comercialização desse combustível fóssil. E todos também sabem que a Sonangol é a fonte de diversos esquemas de corrupção para financiar toda a alta cúpula política e económica do país e que não está nem um pouco preocupada com o bem-estar do povo angolano.

Mesmo com a guerra civil que durou décadas e ceifou a vida de milhares de cidadãos, se Angola tivesse uma sólida democracia com políticos realmente comprometidos com o desenvolvimento do país, a situação hoje seria bem diferente. Quinze anos após a guerra civil, o país ainda se encontra com índices alarmantes de pobreza, desnutrição, mortalidade infantil e analfabetismo. Em 15 anos muita coisa já era para ter mudado na prática se o dinheiro público não fosse desviado para alimentar ainda mais a riqueza de meia dúzia de pessoas.

A falta da democracia verdadeira, ou seja, do respeito pelas manifestações da população civil, do estímulo a uma imprensa livre e principalmente à liberdade de expressar opiniões políticas diversas, somada ao frágil sistema económico de Angola provoca efeitos muito negativos no país. Não dá pra chamar de democracia um país que tem um presidente há 38 anos seguidos, sem nunca ter sido nominalmente eleito, e que prende, espanca e mata os cidadãos que fazem oposição política.

A isso chama-se ditadura, uma ditadura que eles insistem ter traços de democracia, mas que é uma ditadura mesmo assim. E também não dá para dizer que Angola tem uma sólida economia, quando o país depende em 97% do petróleo para gerar recursos financeiros, mas a indústria petrolífera só emprega cerca de 0,5% da população. A corrupção é quem faz a ponte entre esses dois elos: indústria petrolífera alimentando a desigualdade no país, beneficiando somente a elite política angolana. Cada recurso que deveria ser usado para a construção de escolas, hospitais e obras de infra-estrutura, mas que são desviados para os bolsos dos políticos e empresários, é uma bomba atómica.

A revelação milhões de documentos provando uma teia de corrupção e lavagem de dinheiro a nível global chocou o mundo. O alto esquema de lavagem de dinheiro ocasionando o enriquecimento ilícito de vários políticos e empresários por meio de ramos offshores (como a indústria petrolífera) só mostrou o quanto os bilionários deste planeta são gananciosos e fazem qualquer coisa para burlar a lei.

“Panamá Papers”… Luanda

O escândalo que ficou conhecido como “Panamá Papers”, pois teve como peça-chave a empresa panamiana, Mossack Fonseca, teve a sua investigação conduzida ao longo de um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists, ICIJ), pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por mais de uma centena de outros órgãos de comunicação social.

Dentre os nomes divulgados de presidentes e ministros nas primeiras divulgações da investigação apareceu somente um político dos países africanos de língua portuguesa. Alguém adivinha quem é? Se você pensou em José Maria Botelho de Vasconcelos, ministro do Petróleo de Angola, você acertou. E ele não foi apenas meramente citado não, na investigação o “rei do petróleo angolano” é destacado como um dos principais agentes no esquema de corrupção pelo cargo que ocupa e por sua vasta rede de influência no mundo petrolífero.

O facto é importante porque legitima o que vários jornalistas e activistas de Angola dizem há anos: o actual governo de José Eduardo dos Santos é altamente corrupto e utiliza a cadeia do petróleo para drenar recursos em benefício próprio. As investigações no país, como as dos jornalistas William Tonet e Rafael Marques, são tidas pelo governo como intrigas da oposição ou ilegítimas, mas uma investigação como a do “Panamá Papers”, revelando ao mundo o que verdadeiramente ocorre em Angola, corrobora maciçamente com o que os angolanos e observadores estrangeiros vem afirmando ao longo dos anos: o petróleo do país deixou de financiar a guerra civil para enriquecer uma nova elite corrupta.

E não é somente o “braço direito” do presidente Eduardo dos Santos que parece estar envolvido nas revelações do Panamá Papers, pois o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) que é gerido pelo seu filho, José Filomeno de Sousa dos Santos, também está ligado a essa teia de corrupção global. O FDSEA, que tem as suas receitas provenientes da Sonangol (aí está novamente a indústria petrolífera e a filha do Presidente), já era alvo de inúmeras suspeitas de lavagem de dinheiro, nepotismo e irregularidades financeiras.

Nas investigações divulgadas há um claro indício de lavagem de dinheiro, onde milhões e milhões de dólares foram investidos no Banco Kwanza sem praticamente nenhum sistema de transparência ou auditoria, e essas quantias foram repassadas a destinatários até então desconhecidos.

Até quando essa situação vai permanecer? É uma pergunta de extrema importância que os cidadãos angolanos devem ter em mente, pois as bombas atómicas vão continuar caindo até que algo seja feito. O fortalecimento das instituições públicas e dos preceitos da democracia é um passo importante. Já que a elite política e económica de Angola não se preocupa com o povo, parece que vamos ter um longo caminho até que a situação acabe.

Folha 8 com Lusa

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