Liberdade amordaçada
e transparência opaca

O activista Luaty Beirão considerou hoje que os resultados das eleições gerais de Angola, a 23 de Agosto, vão ser “cozinhados num laboratório” e que o acto eleitoral não será “nem democrático, nem justo nem transparente”. Dizer isto é dizer o óbvio que, de tão óbvio, deve continuar a ser dito. Desde logo porque a verdade não prescreve.

“N a minha perspectiva, os resultados eleitorais das últimas eleições – e não duvido que nestas esteja a ser preparado a mesma coisa – foram cozinhados em laboratório. Decidiu-se o que se atribuiria a qualquer um e atribuiu-se. Ponto final”, opinou Luaty Beirão.

“Não foi o reflexo do que foi colocado nas urnas. Dizem que eu só critico, mas há muitas evidências, muitas queixas apresentadas, muitos documentos que existem”, disse Luaty Beirão à agência Lusa em Luanda, à margem de um exercício de simulação de voto na Universidade Católica de Angola.

Para o activista, que tem sido uma das vozes e faces mais críticas do governo angolano há 38 liderado por José Eduardo dos Santos e há 42 pelo MPLA, “onde há dúvida, cresce a percepção de que [as eleições] não correram bem”.

“Eu não estou a ver as coisas a correrem de melhor maneira desta vez. E não duvido que, mais uma vez, os resultados vão ser cozinhados”, realçou.

Vários partidos têm vindo a queixar-se de que recebem denúncias de cidadãos que estão a ser informados de que o seu local de votação é muito diferente daquele que pensavam estar inscritos. Por vezes noutras províncias. Se, no entanto, garantirem que vão votar no MPLA passa a ter o local de votação mesmo à porta de casa.

“Quanto ao momento actual de as pessoas verificaram onde foram colocadas para votar, já começo a ouvir vários rumores – tenho poucos dados concretos, não posso dizer que é uma coisa generalizada ou que esteja a afectar muita gente – mas começam a ser vozes a mais a queixar-se que o seu nome está a ser colocado em listas longe da sua residência. Isto é o filme (das eleições) de 2012 a repetir-se”, disse Luaty Beirão.

Isto vai fazer com que exista “de novo aquele fenómeno de abstenção artificial”, disse o activista, sublinhando que “as pessoas que querem ou queriam votar” não vão fazê-lo devido às dificuldades em chegar a esses locais.

A prática “favorece quem consegue controlar a contagem, quem organizou tudo isto e quem propiciou que as coisas assim acontecessem”, acusou.

“Devo dizer uma coisa: o nível de organização que se mostra capaz de fazer – verificação por SMS, e por coordenadas geodésicas, tudo bem configurado – mostra que há uma capacidade para fazer bem. Se não se faz bem é porque não se quer, não é só incompetência. É porque não se quer fazer”, salientou Luaty Beirão.

O sistema da Comissão Nacional Eleitoral (sucursal do MPLA) permite que os eleitores possam verificar o local de voto enviando um SMS com o seu número de eleitoral, havendo uma expectativa de que a mesa de voto atribuída a cada eleitor fosse próxima do local de residência fornecido no momento do registo eleitoral.

“E se pegarmos no grupo de pessoas que estão a ser colocadas em sítios diferentes [longe das suas residências] eu duvido que encontremos pessoas que pertencem às listas do partido que governa este país há 42 anos. Tenho sérias dúvidas, não posso acusar, mas tenho sérias dúvidas”, criticou.

Para Luaty Beirão, as eleições em Angola têm sido livres, “no sentido em que ninguém é propriamente forçado com uma pistola a ir às urnas e as pessoas vão de livre e espontânea vontade”.

“Mas pára aí. Aí acabou. E mesmo ‘livres’ é entre aspas, a partir do momento em que a pessoa que quer usar dessa liberdade fica impossibilitada porque o seu nome saiu numa lista distante. Liberdade entre aspas. O resto não se aplica: nem democráticas, nem transparentes, nem justas”, sintetizou.

Luaty Beirão considera que sai algo de “positivo” nestas eleições: a forma de possibilitar às pessoas a verificação da sua localização [para votar].

“É um indício de que quando nós quisermos mesmo fazer eleições a sério já vamos estar capacitados para o fazer. Porque há pessoas formadas, condições técnicas e tecnologia ao serviço do sistema eleitoral. Portanto, quando quisermos sei que podemos fazer. Mas as pessoas que estão à frente não querem”, concluiu.

Folha 8 com Lusa

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