Contra a vontade do MPLA
Lourenço segurará Nunda?

João Lourenço, ministro da Defesa Nacional de Angola e putativo Presidente da República (o MPLA tem a máquina oleada para, com maior grau de sofisticação em relação às eleições anteriores, esmagar a concorrência) e o chefe do Estado-Maior General, general Geraldo Sachipengo Nunda, estão em plena sintonia para que as Forças Armadas Angolanas (FAA) sejam de facto o melhor exemplo de reconciliação nacional.

Por Orlando Castro

Com luz verde, ao que parece, de José Eduardo dos Santos para pôr ordem na casa, João Lourenço vai mandar vários generais da velha guarda, como Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” (ainda ministro de Estado e chefe da Casa Militar) para a reforma e assim, sem os pruridos de serem generais empresários, ou empresários generais, continuar a sua multimilionária caminhada, até mesmo com as mordomias diplomáticas.

O célebre (quase sempre pelas piores razões) general José Maria, chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), o chefe da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), José Maua, e o chefe da Unidade de Segurança Presidencial (USP), e Alfredo Tyaunda deverão seguir o mesmo caminho que, por ser dourado, apresentará poucas ou nenhumas ondas.

Num claro elogio ao seu chefe do Estado-Maior, que desde logo ajudou a matar o seu anterior patrono (Jonas Savimbi), João Lourenço diz que as “Forças Armadas Angolanas cresceram e fortaleceram-se em todos os pontos de vista. Hoje temos umas Forças Armadas reforçadas na região e no continente pelos seus feitos, coesão e a sua capacidade de manuseamento do armamento e técnica postos a sua disposição”.

Ortodoxos do MPLA activam dúvidas sobre Nunda

E os elogios a Geraldo Sachipengo Nunda somam-se, multiplicam-se. Será isso indício que João Lourenço teme que que o ex-general das FALA possa ter alguma azia ao ver que 20 milhões de angolanos vivem na miséria?

Será que o regime (que continuará a ser o mesmo com ou sem Eduardo dos Santos) teme que os remotos tempos de 1974 e 1975, para já não falar de outros voos anteriores, tenham ainda alguma semente na alma do general Nunda? Foi o tempo do Centro Evangélico de Sapessi, município da Nharêa, e também da sua actividade militar e política entre 1974 e 1992.

Muitos dos ideólogos do MPLA perguntam, continuam a perguntar:

Será que enquanto Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, Nunda se esqueceu da Angola profunda, daquela onde o povo, o seu povo, o nosso povo, é gerado com fome, nasce com fome e morre pouco depois com fome?

Será que se esqueceu que o seu actual presidente (José Eduardo dos Santos), a sua Constituição, o seu regime, considera um crime contra o Estado ter opiniões diferentes das oficiais? Será por isso que tem de ser escravo de barriga cheia? Lembra-se que o Mais Velho dizia que era preferível morrer livre do que viver escravo?

Será que Nunda não se interroga sobre as razões que levam a que em Angola uns poucos tenham muitos milhões, e muitos milhões não tenham nada?

Será que, quando o general Nunda diz que são prioridades das FAA a preparação operativa, combativa e de educação patriótica, transmitindo a vontade e a determinação do Exército de vencer os obstáculos e constrangimentos para que os efectivos disponham de melhores condições, está a dizer o que pensa ou apenas a dizer o que outros querem que ele diga?

Será que Nunda foi sincero quando manifestou a sua satisfação pela morte de Jonas Savimbi?

Embora muitos angolanos digam que o General Geraldo Sachipengo Nunda está muito bem onde está, mesmo tendo sempre consigo os louros de ter traído Jonas Savimbi, a UNITA e o povo que ela representava, a quase todos custa a acreditar que ao ver o seu, o nosso, Povo a caminhar para a escravatura, nada faça.

O regime angolano do MPLA é, de facto e de jure, um exemplo de tudo quanto contraria a democracia. Prende e mata inocentes, inventa tentativas de golpe de Estado, descalça-se para contar até 12 mas confunde os pés. Não deixa, contudo, de satisfazer as verdadeiras democracias para quem é melhor, muito melhor, negociar com ditaduras.

Fidelidade de Nunda (não) oferece dúvidas

Nunca é exagero perguntar: Em alguma democracia séria, em algum Estado de Direito, se vê o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas dizer, em plena campanha eleitoral, que um dos candidatos – mesmo sendo o presidente da República – marcou a sua postura “por momentos de sacrifício e glória”, permitindo “a Angola preservar a independência e soberania nacionais, a consolidação da paz, o aprofundamento da democracia, a unidade e reconciliação entre os angolanos, a reconstrução do país, bem como a estabilidade em África e em particular nas regiões Austral e Central do continente”?

Não. Nas democracias – como o general Nunda sabe – seria impossível o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas ter manifestações públicas deste género, tomando partido por um dos candidatos. Em democracia, os militares são apartidários.

Mas como Angola não é uma democracia, muito menos um Estado de Direito, o Chefe Estado Maior das Forças Armadas, General Geraldo Sachipengo Nunda, fez isso mesmo. Recordam-se?

E, ao que tudo indicia, voltará a fazê-lo este ano (se houver mesmo eleições) e em qualquer outra altura, assim determine o presidente Eduardo dos Santos ou agora, talvez, o seu sucessor.

Segundo o general António “Zé” Maria, o general Nunda privilegia a formação e promoção de oficiais provenientes da UNITA, com o suposto objectivo de controlar efectivamente o exército e, desse modo, facilitar a tomada do poder pela via militar.

É claro que os generais “provenientes” (das FALA), como são chamados nas FAA, juram a pés juntos que isso é mentira. E é pena que seja mentira.

Em Junho de 2014, o Maka Angola escrevia: «Na última reunião do Conselho de Estados-Maiores, que decorreu no Comando da Marinha de Guerra de Angola, em Luanda, o conselheiro do CEMGFAA, general Isidro Peregrino Chindondo Wambu, tomou a palavra e manifestou a sua indignação. “Chefe, precisamos de saber se, nas FAA, ainda estamos juntos ou não” – assim intimou Wambu o seu superior, general Nunda. A resposta do general Nunda foi pedir paciência ao seu conselheiro. Nunda falou sobre a gravidade das intrigas que visam a instabilidade política no seio das FAA e referiu-se à ausência, no encontro, dos seus promotores. “O caso já está na mesa do presidente da República”, concluiu o CEMGFAA.»

Dizia ainda o Maka Angola: «Três generais têm merecido atenção especial por parte do SISM, nomeadamente o general Wambu, conselheiro do general Nunda; o general Arlindo Samuel Kapinala “Samy”, presidente da Comissão Superior de Disciplina Militar (CSDM) do EMGFAA; e o general Vasco Mbundi Chimuco, actual conselheiro do comandante do Exército para Obras e Infra-Estruturas do EMGFAA. O general Wambu, antigo chefe da secreta militar da UNITA, integrou as FAA em 1992, ao abrigo dos Acordos de Bicesse. Por sua vez, os generais Samy e Chimuco foram dois dos mais importantes cabos de guerra de Jonas Savimbi, até à sua morte em combate, no Moxico, em 2002. O general Samy desempenhou o cargo de chefe do Estado-Maior Adjunto do Alto Estado Maior General da FALA, ao passo que o general Chimuco foi o comandante da Região Militar 57, no Moxico. Ambos ingressaram nas FAA na sequência dos Acordos do Luena, datados de 2002.»

Ex-FAPLA acima de tudo

No Huambo, em 1975, o general Geraldo Sachipengo Nunda ouviu Jonas Savimbi dizer que “Angola não se define – sente-se”. Hoje, talvez mais do que ontem, o seu, o nosso, Povo não quer que o General a defina, mas tão só que a sinta.

João Lourenço, pelo sim e pelo não, lembra sempre que pode que as Forças Armadas Angolanas foram criadas no acordo de paz de Bicesse, assinado entre o Governo e a UNITA (então movimento armado) em 1991 e são o resultado da absorção no seu seio das antigas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e de elementos vindos das ex-Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA).

No entanto, nada de ter outros devaneios, relembra igualmente que a base da constituição das FAA, foi as FAPLA, a que foram acrescidos efectivos oriundos das FALA.

O canina fidelidade de João Lourenço, bem como de todos os que bajulam a gamela de sua majestade o rei, foi expressa numa mensagem de felicitação dirigida ao Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas – José Eduardo dos Santos – por ocasião do fim de ano de 2016, assinada reverencialmente pelo ministro da Defesa Nacional.

João Lourenço reconhece que o ano de 2016 teve várias dificuldades do ponto de vista económico e financeiro, mas garante que isso mostrou a divina capacidade de sua majestade para dar a volta aos problemas. Diz o putativo substituto do rei que tudo se resolveu, resolve e resolverá “graças à firme e clarividente liderança do Presidente da República”.

Nem o ministro da Defesa de Hitler, de Teorodo Obiang ou de Kim Jong-un diria melhor. Aliás, convenhamos, que a “clarividente liderança” é um dom que só caracteriza os “escolhidos de Deus” e que, por isso, são os seus únicos representantes na Terra. Veja-se que nem o Papa Francisco tem essa “clarividente liderança”.

João Lourenço salienta, com a sua perspicácia generalícia, que apesar das dificuldades foram concretizados objectivos de suma importância focalizados na preservação da paz, estabilidade, reconciliação nacional e o fortalecimento da democracia e perspectivando uma vida melhor para os angolanos.

É claro que a “clarividente liderança” de Eduardo dos Santos não chega para tudo. Nos últimos 38 anos tem estado vocacionada para engordar o seu clã familiar e séquito de acéfalos e eunucos bajuladores.

É tudo uma questão de prioridades. Agostinho Neto dizia que o importante era resolver os problemas do Povo. Eduardo dos Santos entendeu que o importante era e é resolver os problemas da sua família. Por isso, os 20 milhões de angolanos pobres continuam em lista de espera. Lista que, reconheça-se, vai diminuindo. Isto porque quando esses angolanos estão quase, quase, a saber viver sem comer… morrem.

Seja como for, João Lourenço está convencido (a ladainha é a mesma desde, pelo menos, 2002) que é necessário “preservar a paz e estabilidade, consolidar a democracia e o reforço das instituições do Estado, para ultrapassar as vicissitudes ainda vigentes e renovarmos o estado de espírito dos angolanos”, para o desenvolvimento sustentado do país.

Preservar o quê? Consolidar o quê? Reforçar o quê? Bem que João Lourenço poderia mostrar a sua “clarividência” bajuladora (que todos reconhecemos como de elevado potencial) sem recorrer ao velhinho hábito de nos passar um atestado de matumbez.

Os angolanos, na sua esmagadora maioria, são pobres, são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome. Mas não são matumbos. Podem não ter força, mas têm razão. E um dia destes vão dizer: BASTA!

João Lourenço exprime igualmente a “firme” disposição de continuar a utilizar os meios legítimos e adequados para a preservação da segurança e da defesa da integridade territorial no país, com acções que contribuam para a paz e estabilidades regional, continental e mundial.

Nada mal na megalomania que constitui o ADN do regime. Aliás, todo o mundo ficou em sentido ao saber que o ministro está disposto a utilizar todos os meios adequados para não só garantir a estabilidade regional como também, note-se, continental e… mundial.

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