De vez em quando os bons também quebram o silêncio

O papa Francisco nomeou o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, como seu enviado especial ao I Congresso Eucarístico Nacional de Angola, que decorre de 12 a 18 de Junho, na cidade de Huambo, e que vai ter como lema “Reconheceram-no ao partir do Pão” (Lc 24, 31).

Por Orlando Castro

Este evento, organizado pela Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), visa assinalar as comemorações dos 150 anos da segunda fase da evangelização de Angola.

Segundo uma nota da diocese de Huambo, o I Congresso Eucarístico do país tem como objectivos ” agradecer a Deus o dom da Eucaristia celebrada há 150 anos, pedir perdão pelos pecados, sacrilégios e outros ultrajes cometidos, ajudar Angola a prosseguir o caminho da reconciliação e pedir (a Deus) que abençoe Angola neste momento importante do seu desenvolvimento”.

Espera-se que Manuel Clemente consiga dizer em Angola o que, muitas vezes, disse em Portugal. No início de 2012, ainda como bispo do Porto, alertou para uma “tremenda tragédia civilizacional” caso a instituição familiar venha a sofrer retrocessos devido à crise e apelou à planificação da sociedade e do trabalho em torno da família.

Como se vê, trata-se de um alerta que tem total cabimento na sociedade angolana.

Na altura escrevemos que Manuel Clemente estava, obviamente, errado. Bastava que tivesse perguntado aos donos do sistema esclavagista então a vigorar em Portugal, Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho, para saber que esse temor não passava de uma manobra da reacção.

“É exactamente porque reconhecemos na família o maior e mais pedagógico sustentáculo da sociedade que todos, por motivos religiosos ou humanitários, devemos dar-lhe o apoio social e a primazia legal que indubitavelmente merece”, disse o bispo do Porto. Esperemos e desejamos que possa dizer o mesmo quando estiver por cá.

Se o disser, os escravos gostarão de ouvir. Continuarão de barriga vazia, mas a alma ficará mais cheia. O problema está em que, na sociedade angolana, a instituição que dá pelo nome de Família é uma miragem ou – na melhor das hipóteses – algo residual e quase em extinção total.

O também Prémio Pessoa 2009 citou a mensagem do Papa Bento XVI para o dia mundial da paz de 2012, com o título “Educar os jovens para a justiça e paz”, lembrando os progressos alcançados ao longo dos séculos, com a dignificação da mulher, dos pais, dos filhos e dos parentes idosos, bem como a “santificação da própria instituição familiar”.

Pena é que, como sumo pontífice do reino angolano, José Eduardo dos Santos e comandita não olhem para o que – neste caso – de bem dizem estes representantes religiosos, um do púlpito da mui nobre, sempre leal e Invicta cidade do Porto e outro do Vaticano.

Aliás, compreende-se que Eduardo dos Santos e sua antropófaga equipa não passem cartão aos escravos angolanos. Como dono da verdade, ao presidente nunca nominalmente eleito e no poder há 38 anos, só interessa que os angolanos vivam sem comer e morram ser fazer muito barulho.

Segundo Manuel Clemente, “voltar atrás em qualquer um destes pontos seria uma tremenda tragédia civilizacional com graves riscos para a solidariedade e a paz que têm geralmente na família a sua primeira e indispensável pedagogia”.

O então bispo do Porto (cidade cujo presidente da Câmara, Rui Moreira, teve a desfaçatez de gozar com a nosso chipala ao condecorar Sindika Dokolo) acrescentou ainda que é que preciso dar às famílias que se constituam “condições materiais e emocionais que as tornem mais sustentáveis e até apetecíveis, planificando a sociedade e o trabalho em função das famílias e da respectiva unidade e não de modo meramente individual e disperso”.

Pois é. Bem pode Manuel Clemente continuar a sua pregação. Para os lados de Portugal, mesmo agora que é cardeal-patriarca de Lisboa, ninguém o ouve, desde logo porque a casta superior só valoriza os que têm toda a liberdade para estarem de acordo com ela. Tal como em Angola.

Manuel Clemente recordou os tempos de crise conjuntural e apelou a que não se deixe que “os mesmos factores individualistas ou economicistas que negativamente provocaram [a crise] prevaleçam agora, ainda que de outra maneira, sobre os factores familiares e personalistas que foram por demais esquecidos”.

O superar da crise só será atingido, segundo disse em 2012 Manuel Clemente, se houver um empenho “ao máximo” nos elementos realçados pelo Papa Bento XVI na sua mensagem, ou seja, na criação de “condições de trabalho, de convivência familiar, de transmissão de convicções”.

Embora sabendo que isso não enche barriga, gostamos de saber, e de registar, que nem todos os bons estão em silêncio. Como dizia Martin Luther King, “o que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral” (o governo está cheio deles), mas sim “o silêncio dos bons”.

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