Venha a nós o que é vosso

O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, que está no poder há 38 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, está prestes a passar o ceptro (não o poder efectivo) a João Lourenço. Não vai deixar saudades. Quem colocou Angola como um dos países mais corruptos do mundo, com o maior índice mundial de mortalidade infantil e com 20 milhões de pobres deveria, isso sim, era ser julgado por um Tribunal Internacional.

Por Norberto Hossi

Apesar disto tudo e da mais hipócrita manipulação eleitoral que agora teve lugar, não tendo pejo em mostrar ao mundo que o próprio Tribunal Constitucional é uma sucursal do MPLA, José Eduardo dos Santos defende, com toda a propriedade e legitimidade que se lhe reconhece, que “não pode ser tolerado o ressurgimento dos golpes de estado em África”.

Tem toda a razão. Aliás, a democraticidade do seu regime e a legitimidade do seu mandato – como o de João Lourenço – são prova disso. Como bem estabelecem os donos do mundo, há ditadores bons e maus. Daí que só os maus devam ser derrubados. Não é, obviamente e por enquanto, o caso de Angola.

De acordo como Presidente angolano, o continente necessita de exemplos concretos que confirmem que África pretende “virar firmemente uma página do passado de uma história em comum”, marcado pela existência de “governos autoritários ou autocráticos, para dar lugar a sociedades e instituições democráticas”.

Ver Eduardo dos Santos fazer a apologia da democracia e condenar os governos autoritários é digno de registo… na enciclopédia das melhores anedotas mundiais. É, aliás, uma das suas múltiplas e enciclopédicas especialidades.

Em 9 de Maio de 2008 já o chefe de Estado, presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, lançava um desafio para combater a corrupção e o tráfico de influências, que “atentam contra os interesses nacionais”. João Lourenço disse o mesmo na campanha eleitoral, se bem que com uma nuance significativa que não terá ido além dos amigalhaços: olhai para o que dizemos e não para o que fizemos, fazemos e faremos.

E os resultados foram de tal modo eficazes que Angola continua nos primeiros lugares do ranking mundial dos países mais corruptos. E sendo João Lourenço um acólito escolhido por Eduardo dos Santos…

Afinal, estando o MPLA (Eduardo dos Santos) no comando do país há uma porrada de anos, estando Eduardo dos Santos há uma porrada de anos a chefiar o MPLA, estando o MPLA há uma porrada de anos no Governo, o que terão andado a fazer desde 11 de Novembro de 1975?

Andaram, com certeza, a garantir a liberdade de imprensa e de expressão e um bom funcionamento do sistema de justiça, que são “condições essenciais para o aprofundamento da democracia”. Prova disso, repita-se, foi agora pela canina dependência do MPLA revelada pelo Tribunal Constitucional.

Outras das prioridades estabelecidas por José Eduardo dos Santos sempre foi a Saúde, nomeadamente no que diz respeito às mulheres grávidas e às crianças com menos de cinco anos. Com este enquadramento, não se percebe por que é que os angolanos gostam de atazanar a vida do mais democrático país do mundo e, igualmente, do mais democrático presidente. É claro que, perante tão injusto e irreal motivo, o presidente fica chateado e manda prender uns tantos, dar porrada em mais alguns e fazer desaparecer muitos outros. Estávamos à espera de quê?

Segundo José Eduardo dos Santos, quando ele nasceu já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, e no campo, nas áreas rurais. É verdade. E 42 anos de independência não chagam para resolver esta questão.

De facto, é difícil pôr o país em ordem, e na ordem, quando andam por cá uns tantos oportunistas que só pretendem promover a confusão, provocar a subversão da ordem democrática estabelecida na Constituição da República, e derrubar governos eleitos, a favor de interesses estrangeiros. É por isso que o Presidente alerta que “devemos estar atentos e desmascarar os oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade”.

Assim, por manifesta falta de tempo, José Eduardo dos Santos esquece-se que para haver alternância democrática é preciso que antes exista democracia. Mas isso até não é importante. Veja-se o entendimento de duas das principais sucursais eleitorais do MPLA: Comissão Eleitoral Nacional e Tribunal Constitucional…

Segundo João Lourenço, fazendo suas as teses de Eduardo dos Santos, no quadro do Programa de Luta contra a Pobreza, se continuar com esse ritmo de redução, a pobreza deixará de existir dentro de alguns anos. Tem, mais uma vez, razão. Aliás, se se excluir dos cálculos da pobreza todos os que são… pobres, pode já anunciar-se o fim da pobreza.

Ainda de acordo com João Lourenço, na linha do seu patrono José Eduardo dos Santos, apesar de não existir país nenhum no mundo sem corrupção, o Governo está a fazer esforços para combater este mal. É verdade. Por isso repomos uma ideia já aqui ventilada: Se a lei não considerar a corrupção como um crime, o país deixa de ser o local do mundo com mais corruptos por metro quadrado.

Olhando a “obra” do Presidente da República, conclui-se que sempre foi um arauto daquilo que desconhece: ética, democracia, verdade, moral, liberdade etc..

O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, mesmo com a institucionalização da fraude, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao MPLA perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

Desde 2002, o MPLA tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. Nem as eleições do mês passado alteraram o processo de domesticação da oposição.

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