Só o MPLA define o que poderá ser observado

Avisto Tchongolola Bota vai ser observador (isto é como quem diz) nas eleições gerais angolanas de quarta-feira, mas diz que a Comissão Nacional Eleitoral angolana (que, mais uma vez, mostra ser apenas uma sucursal do MPLA) colocou tanta burocracia e demorou tanto tempo a enviar-lhe a credenciação que apenas conseguirá fazê-lo no dia da votação.

Natural de Benguela, Avisto Bota é activista e fundador do Movimento Revolucionário de Benguela (conhecidos como Revús). Há muito tempo que decidiu – integrado na organização não-governamental OMUNGA – que seria um dos observadores nacionais às eleições gerais de quarta-feira e precaveu-se, enviando toda a documentação a tempo e horas, para que não ficasse sem a imprescindível credenciação.

“Foi muita volta que a CNE deu: a princípio disse-nos que os que estavam em Benguela e queriam ser credenciados deveriam ir a Luanda (a mais de 500 km), que só lá é que poderiam receber a credencial. Depois de muitas voltas eles decidiram mandar as credenciais, mas só chegaram no sábado”, contou à Lusa.

Já a prever os tempos da burocracia, foram muitos os observadores que foram mesmo a Luanda ao centro de credenciação, instalado perto do Centro de Convenções de Talatona (arredores da capital).

Uma jovem, que preferiu o anonimato, relatou ter viajado toda a noite do Cuanza Sul (ainda assim, uma província adjacente a Luanda) para poder estar ali a registar-se. Já levava cinco horas de espera e antecipava que, passadas mais algumas, teria de desistir e iniciar a viagem de regresso.

Num país com o tamanho e as estradas de Angola, uma viagem de 600 quilómetros pode demorar toda uma noite. E isso com um carro próprio, já que em transportes públicos a situação agrava-se.

No total, Avisto Bota esperou três semanas pela burocracia. O suficiente para impedir a observação dos actos de campanha ou daquilo que se está a passar nas Assembleias de Voto. No Bié foi reportado um caso de roubo de boletins de voto.

“No próprio cartão diz que nós já poderíamos estar a observar durante a campanha eleitoral. A campanha já está no fim e nós não observamos porque não tínhamos a credencial. Só vamos poder fazer a observação eleitoral no próprio dia das eleições”, lamentou o activista.

Por outro lado, revela Avisto Bota, só 24 dos 40 que pediram credenciais foram acreditados. E pior: há casos de pessoas de Benguela já acreditadas que só vão poder observar no Bengo (arredores de Luanda, a mais de 500 quilómetros).

“Pretendíamos controlar quase todas as assembleias ao nível de Benguela, mas isso não será possível porque não fomos todos credenciados. Os nossos 24 vão ficar concentrados nos centros das cidades, porque não temos possibilidade de ir aos locais mais distantes”, explicou Avisto Bota.

A OMUNGA está integrada, por sua vez, numa plataforma de ONG chamada Observatório Eleitoral Angolano (OBEA), que canalizará em conjunto as queixas reportadas. A OBEA terá uma quota total (definida pelo Parlamento angolano) de 500 observadores nacionais, enquanto outras organizações – como o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) e várias igrejas – terão entre 300 e 375 credenciais.

Mas Avisto Bota desconfia do CNJ, afirmando que é uma organização afiliada ao MPLA, o partido no poder em Angola desde há 42 anos.

“O processo que a CNE está a fazer é irregular. As eleições são um assunto sério e eles também o deveriam ser. Não podem criar muita burocracia, até porque os observadores europeus não foram admitidos e nós, como nacionais, não estamos também a ser admitidos”, lamentou o activista de Benguela.

“Então só as ONG afiliados ao próprio MPLA podem observar. Assim não serão umas eleições transparentes e livres como está escrito na Constituição”, concluiu.

No total, até sexta-feira tinham sido credenciados 1.200 observadores nacionais e 200 internacionais (provenientes de organizações internacionais como a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ou a União Africana).

A CNE desvalorizou as críticas de que houve atrasos no processo de credenciação. A porta-voz da entidade disse que as dificuldades resultam do mau preenchimento dos formulários, da ausência de assinaturas dos próprios requerentes ou documentação de identificação pessoal caducada.

Indicou ainda que nenhum observador foi forçado a vir a Luanda para obter o documento.

Sempre que o MPLA, via CNE, é chamado a pronunciar-se sobre estas falcatruas, a sua porta-voz, Júlia Ferreira, desvaloriza e diz que a culpa é sempre dos outros. Já o fizera em relação aos casos de eleitores que foram colocados em cadernos eleitorais por vezes a mil quilómetros das suas residências.

Eleitores de Luanda queixaram-se de que foram colocados em cadernos eleitorais a mais de mil quilómetros, enquanto outros ainda desconhecem em que locais deverão votar.

Residente do município de Cacuaco, zona da CAOP-B, em Luanda, Antonica Fernando Gouveia contou à Lusa que, pese embora ter dado pontos de referência aquando do processo de registo eleitoral, com actualização do seu cartão eleitoral, “não sabe até agora onde vai votar”.

“Porque nos arredores temos cerca de três assembleias de voto e, pela mensagem que enviámos à Comissão Nacional Eleitoral [CNE], ela dirige-nos para um outro local e mesmo na igreja em que nos foi indicada não encontramos nenhuma assembleia de voto”, disse.

Júlia Ferreira atribuiu o problema a erros cometidos pelos eleitores no pré-registo eleitoral que lhes foi pedido e à falta de “toponímia nas ruas”.

“Nós temos um grande problema: não temos toponímia nas ruas. [Em muitos casos] não há número nas residências, não há absolutamente nada. E a pessoa depois pede para ver o endereço no bilhete de identidade. E esse endereço, muitas vezes, já era o da província [de onde saiu]”, disse.

Em antecipação às eleições, as autoridades angolanas procederam supostamente a uma actualização das residências, para permitir que os cidadãos pudessem votar mais perto da área onde moram.

Este processo incluiu uma geo-referenciação de pontos facilmente identificáveis no mapa, tais como intercepções de estradas e de rios, pistas de aeroportos, edifícios proeminentes ou topos de montanha.

Os eleitores forneciam posteriormente um ponto de referência próximo da sua área de residência, que depois seria cruzado com o mapa, para se saber onde e quantas assembleias de voto seriam colocadas nessa área.

“Outra questão provável para estes erros é o ponto de referência que o cidadão deu. (…) Este é outro erro, as pessoas não sabem que indicar pontos de referência não é indicar a assembleia de voto. É só para dizer a zona de residência”, argumentou Júlia Ferreira.

Outro caso relatado à Lusa foi o de Simões António, 31 anos. Este eleitor revelou que foi transferido de Luanda, onde reside, para votar na província do Namibe, a mais de mil (1.000) quilómetros de distância, desconhecendo as motivações, uma vez que fez a actualização do cartão de eleitor e a prova de vida na capital angolana.

“De seguida indiquei a zona onde vivo, que é na Funda Escola 8012, mas agora, quando consultei onde votar, a informação que me foi dada é que terei de votar na província do Namibe, município do Tômbwa, Escola João Firmino, mesa n.º 4”, explicou. É uma situação que, acrescentou, o deixa “muito triste” porque o impede de votar.

Quando não sabe o que diz (o que acontece quase sempre) e nem diz o que sabe, a CNE explica que a indicação do ponto de referência dado pelos eleitores no acto de registo eleitoral não determinava a sua assembleia de voto. Ou seja, o ponto de referência pode ser Luanda e a assembleia de voto ser no… Lubango.

A poucos dias das eleições, são muitos – cada vez mais -, os eleitores em todo o país que não localizaram os seus nomes ou nas consultas feitas, os seus nomes foram transferidos para outras localidades das mesmas províncias ou para outras províncias.

A responsável da CNE lembra que procederem à actualização e novos registos eleitorais “não indicaram assembleias de voto”, sendo importante sublinhar que foram escolhidos pontos de referência em função das suas áreas de residência. E que melhor ponto de referência para um eleitor que reside em Luanda do que mandá-lo votar no Lubango?

“Logo, notamos também que neste processo de indicação de pontos de referência, os cidadãos não indicaram em concreto as suas moradas e isto justifica-se plenamente”, disse Júlia Ferreira, aludindo à ausência de uma toponímia actualizada, dificultando assim a indicação precisa de uma rua ou número da residência em que vive.

Ou seja, dizer-se que se mora no Sambizanga é claramente insuficiente porque nos mapas da CNE existem bairros chamados Sambizanga no Burkina Faso.

“Todos estes factores guindaram a que efectivamente se destacasse nesse processo do registo eleitoral a indicação dos pontos de referência”, que foram, ainda segundo a responsável, a título de exemplo, estabelecimentos comerciais, hospitalares, notoriamente mais conhecidos, todos dentro do seu perímetro residencial.

E, diga-se, o perímetro residencial de quem vive em Luanda estende-se, segundo a CNE, pelo menos até à Huíla. É um perímetro alargado, mas não deixa de ser um perímetro.

Folha 8 com Lusa

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