Sindika Dokolo, genro de Dos Santos, condenado a um ano de prisão

Sindika Dokolo, empresário congolês, coleccionador de arte, cidadão que recebeu a medalha de Honra da Câmara Municipal do Porto (Portugal) e genro do chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, foi condenado a um ano de prisão num processo imobiliário na República Democrática do Congo (RD Congo).

Como impoluto e honorável cidadão do mundo, tal como o seu sogro, Sindika Dokolo responsabilizou o Presidente Joseph Kabila pela condenação.

A denúncia foi feita por Sindika Dokolo, casado com a empresária e multimilionária angolana Isabel dos Santos, filha do Presidente José Eduardo dos Santos, na sua conta na rede social twitter, precisamente depois de inaugurar em Luanda, na quarta-feira, um nova fábrica de cimento do grupo que lidera, a Cimangola.

“Quando inauguro uma fábrica de 400 milhões de dólares [cimenteira em Luanda], J. Kabila [Joseph Kabila] faz-me condenar a um ano de prisão por um bocado de terra. Senhor Kabila! Vai-se perder na sua Justiça”, escreveu o genro de sua majestade o rei de Angola e, reconheça-se, putativo substituto do próprio Joseph Kabila, como é desejo de José Eduardo dos Santos.

Publicamente crítico do regime de Joseph Kabila, Sindika Dokolo, relata a imprensa local, foi condenado, à revelia, a 12 meses de prisão por fraude imobiliária por um tribunal de Kinshasa, capital da RD Congo. É evidente que a condenação não tem fundamento moral nem legal, desde logo porque Sindika Dokolo integra o clã Eduardo dos Santos que, como todos sabemos, pauta a sua actuação nos últimos 38 anos por altos critérios de transparência e legalidade, só equiparáveis aos praticados na Guiné Equatorial e na Coreia do Norte.

Num outro ‘tweet’, o empresário congolês, que tem vindo a colocar sobretudo, mas não só, em Luanda a sua colecção internacional de arte africana, volta a aludir ao investimento em Angola para atacar a condenação em Kinshasa.

“Investi 400 milhões de dólares numa fábrica. Querer condenar-me por roubar um milhão [de dólares] não é credível”, apontou o excelso e emérito marido da não menos excelsa e emérita Isabel dos Santos.

Os pormenores deste processo não foram revelados, mas em Junho último o principal rival político do Presidente congolês, o ex-governador Moise Katumbi, foi igualmente condenado por fraude imobiliária, pouco depois de ter anunciado a sua candidatura às eleições presidenciais no país, previstas para Dezembro.

“Devemos encorajar os congoleses na diáspora que são capazes de reconstruir a RD Congo e não enviá-los para o exílio, no medo”, disse Sindika Dokolo, num outro ‘tweet’.

Este caso, que pode colocar em causa as relações entre os dois países vizinhos, acontece numa altura em que mais de 30.000 refugiados congoleses fugiram para o leste de Angola, tentando escapar à violência étnico-política na região do Kasai.

Ajuda aos (seus) refugiados

Em Maio deste ano, Sindika Dokolo anunciou a entrega de 200 toneladas de arroz, óleo e farinha aos refugiados da República Democrática do Congo que fugiram para o leste de Angola.

A doação foi feita através da Fundação Sindika Dokolo, que o empresário de nacionalidade congolesa criou em Luanda, destinada à recuperação e preservação da arte africana e afins, sendo os afins tudo o que se enquadra na estratégia de multiplicação de dólares e… afins, nos investimentos em corrupção e… afins, etc..

“Estou chocado e amargurado de ver a barbárie que alguns dos refugiados provenientes do Congo [República Democrática do Congo, RD Congo] sofreram. Sendo congolês e tendo crescido no Congo, não suporto ver a degradação das nossas populações e o jogo mórbida dos políticos de Kinshasa”, escreveu o empresário, lançando nos 20 milhões de pobres… angolanos um convulsivo sentimento de esperança em Sindika Dokolo.

Na altura muitos perguntaram: Será que a existência de 20 milhões de angolanos pobres também provoca em Sindika Dokolo um sentimento de choque e amargura? Convenhamos que esses angolanos não são propriamente prioritários na estratégia humanitária do genro de Eduardo dos Santos. Compreende-se. Se também não são prioritários para o sogro de Dokolo nem para a sua mulher, por que carga de chuva o deveriam ser para ele?

A doação foi descrita por Sindika Dokolo como uma “gota de água no oceano das necessidades”, mas também como um “gesto de fraternidade e solidariedade” para com os “irmãos, irmãs e filhos da RD Congo”.

Lindo. Lindo. É mesmo de puxar uma lágrima. Os refugiados precisam de ajuda. É claro que os 20 milhões de angolanos também precisam, mas estão melhor que os congoleses. Têm a barriga vazia, mas não são refugiados. E isso faz toda a diferença.

Cidadão do Porto, do mundo e arredores

P or tudo quanto tem feito pelos refugiados portugueses e portuenses, perdão, pelos cidadãos portugueses e portuenses, a cada vez menos invicta, nobre e leal cidade do Porto tem mesmo – certamente com o apoio unânime da respectiva Câmara Municipal – de construir uma estátua ao genro de Eduardo dos Santos e, é claro, dar o nome do sogro de Sindika Dokolo à Avenida da Boavista.

Sindika Dokolo, que é casado com Isabel dos Santos, filha de majestade José Eduardo dos Santos (presidente de Angola há 38 anos se nunca ter sido nominalmente eleito), afirmou em Fevereiro de 2016, em Angola, querer participar no “enriquecimento da vida cultural” do Porto, fosse com a compra da casa do cineasta Manoel de Oliveira ou com “vários outros projectos” em agenda para aquela cidade portuguesa, agora candidata a ser sede da Agência Europeia de Medicamento.

Na ocasião, em visita a Luanda, o presidente da Câmara Municipal do Porto e recandidato ao lugar nas eleições autárquicas de 1 de Outubro, Rui Moreira, afirmou que, entre outras valências, o edifício deverá receber uma exposição dedicada à arte Tchokwe – povo originário do interior norte de Angola e sul da República Democrática do Congo -, cuja recuperação está a ser levada a cabo pela Fundação Sindika Dokolo.

Depois de ter promovido no Porto, em 2015, a exposição You Love Me, You Love Me Not, a Fundação Sindika Dokolo reforçou a sua ligação à cidade com a compra do imóvel Manoel de Oliveira, situado na Foz.

Rui Moreira esteve, está e estará de parabéns

O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, continua a ser, apesar da panóplia de relevantes concorrentes, uma das mais proeminente figuras portuguesas na bajulação ao regime de José Eduardo dos Santos e ao seu clã. Para o autarca portuense pouco importa que Angola seja um dos países mais corruptos do mundo e o país com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.

Rui Moreira, que não pode ser confundido com a população do Porto, está-se nas tintas para os angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com… fome. Aliás, chafurdar na… bajulação é para muitos políticos portugueses uma questão de vida.

Alguém ouviu Rui Moreira recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a mais alta do mundo?

Alguém ouviu Rui Moreira recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu Rui Moreira recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?

Alguém ouviu Rui Moreira recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém ouviu Rui Moreira dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?

Alguém ouviu Rui Moreira dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez ouviu Rui Moreira dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Não. Rui Moreira só está interessado nos poucos que têm milhões, tipo Sindika Dokolo a quem atribuiu a medalha de ouro da cidade do Porto, estando-se nas tintas para os milhões que têm pouco… ou nada.

Vale (mesmo) tudo

Recorde-se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito, honra ou qualquer coisa desse tipo. Para além, como referimos, de dar o nome de José Eduardo dos Santos à Avenida Boavista, era de bom tom que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos Santos…

Na altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a medalha de Mérito Grau Ouro ao dito genro do rei emérito de Angola.

Numa atitude de gato escondido com rabo de fora, a vereadora do PS votou favoravelmente esta proposta mas – repare-se – tinha “dúvidas se será suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu património”.

“Existe um regulamento para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláveis benefícios para a cidade. Precisaríamos de mais benefícios para a cidade e para a população para lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista.

Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser genro do presidente no poder desde 1979? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?

Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos não a vender ovos como a sua esposa mas a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai.

“Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do mundo da arte”, acrescenta o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto.

A justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos, para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repita-se – a de ir patrocinar a apresentação da exposição You Love me, You love me not.

Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo, permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte singular entre a cidade e o mundo”.

Por este andar não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola não é.

Nos negócios, faceta que é muito cara a Rui Moreira, o marido de Isabel dos Santos tem sucesso, mesmo quando as transacções são opacas. Em 2014, a revista Forbes revelou que Isabel dos Santos, através de Sindika Dokolo, em parceria com o Estado angolano, adquirira a joalharia suíça De Grisogono, uma marca conhecida por ter como clientes grandes estrelas mundiais do cinema e da moda, como Sharon Stone e Heidi Klum, num negócio pouco claro, que permitiria a canalização dos diamantes angolanos para aquela joalharia.

Em Novembro de 2013, Rafael Marques de Morais, em entrevista à Deutsche Welle, explicou que “este negócio não envolveu um centavo da família presidencial, é em troca de diamantes angolanos”, frisando que “temos aqui um processo em que os diamantes angolanos estão a beneficiar directamente a família presidencial e não os cofres do Estado”.

É caro que, como diz Rafael Marques de Morais, “a elite angolana, para saquear o país à vontade, precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a forma que encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola”.

E do ponto de vista da Câmara Municipal do Porto, o importante não são os milhões de angolanos que passam fome mas, isso sim, os poucos membros do clã presidencial que têm milhões e que, com isso, tanto compram joalharias, jornais, medalhas ou… lavandarias.

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