São mestres. Tudo os une
e (é claro!) nada os separa

A Human Rights Watch (HRW) disse hoje num relatório que tem provas de corrupção na família do Presidente da Guiné Equatorial e salienta que o país tem pouco tempo para usar o dinheiro do petróleo para combater a pobreza. Corrupção? Reconheça-se que Teodoro Obiang Nguema Mbasogo está, contudo, abaixo do nível do seu homólogo e amigo José Eduardo dos Santos…

“A HRW encontrou provas de que os principais dirigentes do Governo têm interesses em empresas públicas que recebem contratos de construção, incluindo o Presidente e a sua família”, lê-se no relatório sobre a Guiné Equatorial, hoje divulgado em Paris.

Se se substituísse o nome do país, Guiné Equatorial, por Angola, ninguém notava a diferença.

No documento de 85 páginas, o primeiro da HRW feito esta década sobre o mais recente membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a autora, Sarah Saadoun, escreve que “o subfinanciamento da saúde e educação mostra um contraste gritante com os gastos extravagantes em projectos de infra-estrutura em larga escala, muitos dos quais têm uma utilidade social questionável e arriscam potenciar a corrupção e má gestão”.

Onde é que nós já vimos e vemos esta realidade?

O relatório, muito pormenorizado e recorrendo a vários documentos que não são de acesso público, mas que foram obtidos pela organização durante a visita de 10 dias em 2016, que serviu de base ao relatório, dá vários exemplos de indícios que apontam para corrupção.

Entre eles está o facto de um construtor italiano, Roberto Berardi, dizer numa declaração oficial que foi obrigado a fazer um consórcio com o actual vice-presidente e filho do Presidente da Guiné Equatorial, “cuja única função era garantir subcontratos de projectos públicos lucrativos atribuídos à ABC Construction, uma empresa pelo menos parcialmente detida pela primeira-dama”.

Além dos casos de corrupção que são revelados ou revisitados neste relatório, o documento traça também um quadro negro relativamente às prioridades de investimento do Governo liderado pelo Presidente da República, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, desde 1979.

“Este relatório mostra como o Governo da Guiné Equatorial esbanjou a promessa possibilitada pela descoberta de petróleo, ao subfinanciar de forma grosseira as políticas sociais e gastar demasiado em projectos de infra-estrutura polvilhados de corrupção e que são um desperdício”, lê-se no sumário do relatório.

Além de introduzir dados novos nos julgamentos que decorrem em França e em Espanha contra o filho do Presidente e actual vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorin, o relatório da HRW “documenta como as empresas, total ou parcialmente detidas pelo Presidente, e membros da sua família e altas figuras do Governo, receberam grandes contratos públicos e, nalguns casos, os empresários dizem que foram encorajados por membros do Governo a apresentar propostas inflacionadas para que eles pudessem receber subornos consideráveis”.

Estamos em crer que o regime de José Eduardo dos Santos, apesar da longa amizade, deveria cobrar direitos de autor à Guiné Equatorial. É que a seita de Teodoro Obiang está, clara e inequivocamente, a plagiar o que MPLA faz em Angola há 42 anos.

Sobre a gestão do Governo, a HRW diz que a saúde e a educação são as áreas mais subfinanciadas e que o acesso a estes dois serviços básicos é praticamente impossível, não só pelas condições de muitas escolas, mas também porque os preços cobrados pelos cuidados de saúde são proibitivos para os equatoguineenses.

“Ou tens dinheiro para pagar ou então morres, disse à HRW um médico que trabalha no maior hospital da capital”, lê-se no relatório, que publica diversas fotografias de escolas degradadas para comprovar os efeitos do subfinanciamento na educação da população.

“Metade das crianças que começam a escola primária nunca a acabam, e menos de um quarto dos que acabam prosseguem para a secundária”, diz a HRW, que cita dados oficiais para sublinhar que em 2012 só 57% dos alunos estava no nível correcto para a sua idade, o que mostra uma queda de 10 pontos face aos valores de 2000.

A investigadora da HRW, em declarações à Lusa, considerou que a situação no mais recente país da CPLP é “mais chocante do que aquilo que os críticos descrevem”.

Entrevistada dada antes da divulgação oficial do relatório, Sarah Saadoun apontou que “ver enormes palácios presidenciais e outros da família do Presidente ao lado de bairros sem água potável, e com aspecto totalmente negligenciado, e os hospitais completamente impreparados, é mais chocante do que aquilo que os críticos descrevem”.

Durante a entrevista, Sarah Saadoun disse que não teve contacto com o Governo da Guiné Equatorial porque as autoridades não responderam aos pedidos de contactos da HRW e que não informou as autoridades da sua presença durante 10 dias em Malabo e Bata no ano passado, “mas também não precisava, dado ter nacionalidade norte-americana”, disse.

“Nada me preparou para o que vi, foi chocante”, resumiu a investigadora sobre a sua visita ao mais recente membro dessa coisa que dá pelo nome Comunidade de Países de Língua Portuguesa e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), descrevendo as situações reais que encontrou durante a sua visita.

“Não há justificação para gastar metade do Orçamento de 2015 para fazer uma nova capital no meio da selva, simplesmente não há justificação para isso; há um aeroporto gigante, há um estádio de futebol enorme e depois não há uma escola secundária sequer”, disse, criticando o estado de degradação das escolas, visível nas fotografias que a HRW colocou no seu site.

Para Sarah Saadoun, “o país precisa urgentemente de mudar o ambiente de negócios para ser mais transparente e atrair mais Investimento Directo Estrangeiro, por um lado, e tem também de investir tremendamente na saúde e na educação para preparar os jovens para a economia pós-petrolífera”.

O petróleo na Guiné Equatorial representa a quase totalidade das receitas fiscais e das exportações, mas a produção está longe do pico de há cinco anos, ficando-se agora abaixo dos 300 mil barris de petróleo por dia e a produção, se não forem descobertos novos poços, terminará em 2035.

“O momento para diversificar e investir noutras áreas é agora porque o dinheiro do petróleo vai desaparecer”, defende a investigadora, sublinhando que não é só o Governo que tem culpa de o país ser simultaneamente o mais rico em Produto Interno Bruto per capita e o que tem uma das maiores taxas de pobreza extrema do mundo.

“Os governos e os investidores estrangeiros têm a responsabilidade de tentar garantir que as parcerias que fazem no país não são infectadas pelos conflitos e pelos problemas com membros do Governo que são os donos de uma empresa e usam esse estatuto para garantir contratos”, defendeu.

Folha 8 com Lusa

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