Os nossos pobres poderão
ser refugiados do Congo?

Sindika Dokolo, empresário, coleccionador, multimilionário, genro de sua majestade o rei de Angola, medalha de honra da cidade do Porto (Portugal) – entre uma infinidade de outras coisas correlativas – anunciou a entrega de 200 toneladas de arroz, óleo e farinha aos refugiados da República Democrática do Congo que fugiram para o leste de Angola. Quanto aos 20 milhões de angolanos pobres… que esperem.

A doação foi feita através da Fundação Sindika Dokolo, que o empresário de nacionalidade congolesa criou em Luanda, destinada à recuperação e preservação da arte africana e afins, sendo os afins tudo o que se enquadra na estratégia de multiplicação de dólares e… afins.

“Estou chocado e amargurado de ver a barbárie que alguns dos refugiados provenientes do Congo [República Democrática do Congo, RD Congo] sofreram. Sendo congolês e tendo crescido no Congo, não suporto ver a degradação das nossas populações e o jogo mórbida dos políticos de Kinshasa”, escreveu o empresário, casado com a mais emblemática milionária de África, Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, e Presidente de Conselho de Administração da petrolífera do regime angolano, a Sonangol.

Será que a existência de 20 milhões de angolanos pobres também provoca em Sindika Dokolo um sentimento de choque e amargura? Convenhamos que esses angolanos não são propriamente prioritários na estratégia humanitária do genro de Eduardo dos Santos. Compreende-se. Se também não são prioritários para o sogro de Dokolo nem para a sua mulher, porque carga de chuva o deveriam ser para ele?

As autoridades estimam que mais de 25.000 refugiados da RD Congo tenham fugido desde Abril para a Lunda Norte, no leste de Angola, para escapar aos violentos conflitos étnico-políticos na região do Kasai.

A doação é descrita por Sindika Dokolo como uma “gota de água no oceano das necessidades”, mas também como um “gesto de fraternidade e solidariedade” para com os “irmãos, irmãs e filhos da RD Congo”.

Lindo. Lindo. É mesmo de puxar uma lágrima. Os refugiados precisam de ajuda. É claro que os 20 milhões de angolanos também precisam, mas estão melhor que os congoleses. Têm a barriga vazia, mas não são refugiados. E isso faz toda a diferença.

Só o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) está a prestar assistência a 9.000 crianças refugiadas da RD Congo, 200 das quais chegaram sozinhas a território angolano e a necessitar de ajuda urgente, fugindo das acções das milícias congolesas.

Um comunicado daquela organização, de segunda-feira, refere que as 9.000 crianças estão distribuídas por dois centros de acolhimento temporários no Dundo, capital da província angolana da Lunda Norte.

Com o apoio das autoridades provinciais e outros parceiros, aquela agência das Nações Unidas refere que tem prestado ajuda a essas crianças e respectivas famílias, que estão a chegar aos centros depois de dias ou semanas a viajar a pé, feridas por balas ou catanas, e a testemunharem “ataques violentos”.

As acções da organização estão viradas para a garantia de serviços de saúde, água e saneamento, a vacinação das crianças contra o sarampo, medida “crucial para reduzir o risco de surtos”.

Além destas acções, a UNICEF está a treinar assistentes sociais para proceder ao registo de 200 crianças, que se encontram sem a companhia dos seus familiares, fundamental para a sua segurança e protecção contra o tráfico, abuso e exploração infantil.

“Por outro lado, através do registo de crianças, há uma maior probabilidade de conseguir reuni-las com as suas famílias”, refere a nota.

Para o representante do UNICEF em Angola, Abubacar Sultan, “reunir estas crianças com as respectivas famílias é uma prioridade”.

Como ajuda adicional ao apelo feito pelo Governo angolano, a organização tem fornecido às autoridades da Lunda Norte materiais para apoiar as famílias acolhidas nos dois centros.

Neste apoio estão incluídos materiais de tratamento e purificação de água, ‘kits’ de reintegração familiar, educacionais e de recreação, medicamentos contra a malária e doenças diarreicas, tendas, cobertores, bem como cartazes e folhetos de prevenção de doenças.

O fornecimento diário de água potável nos campos, a instalação de tanques e o teste da qualidade da água, para a prevenção de doenças transmitidas por meio desta são outras ajudas prestadas.

A província da Lunda Norte partilha 770 quilómetros de fronteira com a RD Congo, dos quais 550 terrestres e os restantes com limites fluviais.

A RD Congo está em crise generalizada depois de o Presidente Joseph Kabila, cujo mandato terminou a 20 de Dezembro de 2016, se ter negado a deixar o poder.

Kabila, no poder desde o assassinato do pai em 2001, Laurent-Desiré Kabila, estava impedido pela Constituição do país de concorrer a mais um mandato, mas as eleições foram adiadas.

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Os nossos pobres poderão
ser refugiados do Congo?”

  1. José Pedro Vitoria

    Atitudes como essa deveriam ser feitas um pouco pelo mundo, não espera que os outros façam e sim saber que eu posso e tomar tal atitude.

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