Monocultura da incompetência

O Governo angolano está a negociar com Marrocos apoio no domínio da produção de fertilizantes, um sector em que o país, apesar das potencialidades agrícolas, continua a ser largamente deficitário devido à “monocultura” da incompetência que há 41 anos tomou conta, entre outras, da nossa economia.

Para o efeito, de acordo com informação governamental, o ministro da Agricultura, Marcos Alexandre Nhunga, realiza a partir de quarta-feira uma visita de trabalho de quatro dias a Marrocos, visando o “reforço da cooperação” entre os dois países, no domínio agrícola.

A visita pretende “analisar e discutir” com as autoridades competentes da Agricultura de Marrocos e o Grupo Marroquino de Fosfatos (OCP) “as modalidades práticas de fornecimento de fertilizantes compostos” a Angola, tendo em conta a implementação da Estratégia para o Aumento da Oferta de Fertilizantes no país, aprovada na reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real, de 23 de Ferreiro passado.

Esta missão angolana a Marrocos integra igualmente empresários nacionais ligados à fileira de fertilizantes, de acordo com a mesma informação.

Angola vive uma profunda crise financeira, económica e cambial decorrente da quebra nas receitas com a exportação de petróleo e, é claro, do aumento exponencial do clientelismo político, tendo lançado há mais de um ano um programa governamental de diversificação da economia, apostando nomeadamente na agricultura. Aposta que não passa disso mesmo porque, mais uma vez, o Governo quer colher sem semear.

Contudo, os agricultores nacionais têm vindo a lamentar as dificuldades no acesso a adubo, exclusivamente de importação, devido à falta de divisas, o que obrigou à intervenção do Governo, no segundo semestre de 2016, apoiando a importação de 25.000 toneladas.

Dados de Julho último do Ministério da Agricultura apontavam para a necessidade de importação de 70.000 toneladas de adubos entre 2016 e 2017, com o Governo a defender a necessidade de instalação no país de uma indústria nacional de adubos e fertilizantes, tendo em conta o aumento da produção agrícola em perspectiva.

Angola deverá ter produzido em 2016 menos de metade das quatro milhões de toneladas de cereais de que necessitava para consumo directo e industrial. Essa estimativa baseia-se em dados do director-geral do Instituto Nacional de Cereais de Angola (INCER).

Benjamim Castelo referiu em Maio do ano passado que, devido à crise provocada pela quebra da cotação do petróleo e pelas alterações climáticas, a produção anual de cereais se cifraria em apenas 1,8 milhões de toneladas, admitindo que o défice de cereais em Angola está a “agravar-se”, com a falta de meios de produção e a dificuldade de importações de material de apoio ou mesmo fertilizantes.

Nada disto era previsível, dirá com certeza qualquer especialista do regime. Tudo isto era previsível, dirão os especialistas que teimam em pensar pela própria cabeça. A verdade é que ninguém imaginava que o petróleo tivesse a coragem (ou lata) para contrariar as ordens de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos. Mas teve e baixou a sua cotação, pondo os pobres ainda mais pobres e os ricos ainda mais ricos.

“Há uma desmotivação ao nível do sector privado. Têm vontade para trabalhar, mas estão com as mãos atadas. Não têm insumos (meios de produção). Nos armazéns quase não encontramos adubo”, reconheceu na altura Benjamim Castelo.

Numa produção em que o milho é o “rei”, seguindo-se o massango (milho-miúdo), massambala (sorgo) e o arroz, e em que começa a surgir também o trigo – Angola tem de importar anualmente mais de 700 mil toneladas deste cereal para produzir pão.

Quanto às necessidades globais de quatro milhões de toneladas anuais, o responsável admitia que só dentro de cinco anos será possível atingir e ultrapassar esses níveis. Contudo, para tal, será necessário captar “capital estrangeiro para investir no país”, por exemplo na produção nacional de fertilizantes ou máquinas agrícolas, para reduzir as importações.

A comparticipação do Estado na aquisição de combustível para utilização agrícola era outra das medidas defendidas por Benjamim Castelo.

Em Angola, depois do milho o arroz é o segundo cereal mais consumido, mas a sua produção interna, apesar dos esforços para o seu incremento, ainda não satisfaz as necessidades, obrigando a reforçar a sua importação.

Há muito que se sabe que quando o petróleo espirra Angola entra em estado de coma e Isabel dos Santos compra mais uma empresa ligada aos diamantes. Mesmo assim, os peritos dos peritos do regime olham sempre para o lado, não vão ser contaminados com essa epidemia da diversificação da economia.

As ligações económicas de Angola ao petróleo ilustram, aliás, um problema mais amplo em África; as nações produtoras que ligaram as suas fortunas exclusivamente ao crude encontram-se agora reféns da turbulência dos preços, correndo muitas o risco de um desastre colectivo de larga escala.

Como antídoto, o regime angolano esperava que novos empréstimos e investimentos da China, o maior parceiro comercial de Angola, conseguissem ajudar a conduzir a economia dependente do petróleo por entre as águas revoltas. Mas essa opção não está a resultar e o barco mete água por todos os lados.

Do ponto de vista da propaganda, Luanda e Pequim apresenta-se ao mundo como “irmãos e parceiros estratégicos de longo prazo”. No entanto, a verdade é que os importadores angolanos estão agora em dificuldades para pagar artigos básicos como medicamentos ou cereais.

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