Majestade, enforque-nos que nós (até) gostamos

A Proposta de Lei Geral da Publicidade, aprovada hoje pelos deputados, em Luanda, e que em breve será remetida ao plenário do Parlamento para a sua aprovação global final, proíbe a publicidade que atente contra a Constituição de República de Angola ou a dignidade da pessoa humana. Será que tal proibição se aplica ao cidadão que mais atenta contra a Constituição, ou seja, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos?

Por Orlando Castro

O texto, que comporta seis capítulos e 48 artigos, prevê uma série de deveres e proibições, com realce para a publicidade que estimule a violência ou a qualquer actividade ilegal ou criminosa, ou ainda instigue acções atentatórias à instabilidade e independência do Estado, segurança nacional e a ordem pública.

É um texto que, mais uma vez, foi beber toda a sua inspiração em duas das mais avançadas democracias do mundo com as quais, aliás, o regime (e, pela passividade, também a oposição) mantém uma relação de estreita amizade: Coreia do Norte e Guiné Equatorial.

O diploma considera a publicidade como mensagens ou comunicação produzidas e difundidas no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal, liberal ou similar (ou seja, tudo o que o regime quiser) e impede a veiculação de propaganda que associe bebidas alcoólicas aos símbolos nacionais e dos partidos políticos.

Pondera a lei que a propaganda política é a difusão de qualquer mensagem que vise promover ideias ou princípios político-partidários destinados, de forma explícita e inequívoca, a obtenção de votos ou captação de novos membros para as entidades eminentes, nomeadamente partidos políticos e associações similares.

Por outro lado, considera publicidade do Estado (logo isenta deste âmbito sancionatório) ou institucional qualquer forma de comunicação feita por órgãos de soberania, organismos e serviços da administração central e local do Estado, institutos e fundos públicos, visando a promoção de serviços, utilidades ou iniciativas daquelas entidades.

De acordo com o diploma, a publicidade sujeita-se à livre concorrência, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, as normas correspondentes do direito comercial, e deve respeitar, na sua concepção e difusão, os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais.

Deve, digamos, respeitar as “ordens superiores” que estabelecem o que são “os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais”. Um exemplo: dizer que o “MPLA é Angola e Angola é o MPLA” é um acto que respeita esse diapasão moral e ético da lei. Já afirmar que a “CASA-CE é Angola e Angola e a CASA-CE” viola, para além de ser um plágio, todas “os valores morais, culturais, éticos, sociais e ambientais”.

Acresce que tudo quanto a oposição (lato sensu) faça é sempre um plágio. Desde logo porque tudo o que se inventou, descobriu, criou, etc. etc. em Angola (pelo menos desde que Diogo Cão por cá andou) foi obra do MPLA.

O Executivo, proponente (leia-se mandante) desta Proposta de Lei, sugere obrigações e proibições, cujo incumprimento é punível com multas que vão de 200.000 Kwanzas a 2.5000.000 Kwanzas. Poderia ir bem mais longe. Desde logo porque, de acordo com a interpretação que o Governo espera que os poderes instituídos imponham, os prevaricadores serão sempre as pessoas, instituições ou entidades que o regime considera dispensáveis na sua democracia de partido único.

Deste modo, o Titular do Poder Executivo indica que o valor das multas aplicadas nos termos da Lei de implosão dos dissidentes reverte em 40% para a Conta Única do Tesouro, 35% para as instituições de formação dos jornalistas sob tutela da educação patriótica do departamento ministerial responsável pela Comunicação Social, e 25% para suportar os encargos administrativos com a instrução dos processos.

O texto, que fora aprovado por consenso na generalidade, durante a 2ª Reunião Plenária Ordinária da 5ª Sessão Legislativa da III Legislatura, realizada a 13 de Dezembro de 2016, foi anuído hoje, na especialidade, por 35 votos a favor, nenhum contra e sete abstenções.

É caso para dizer, como Martin Luther King, que “o que mais nos preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem moral. O que mais nos preocupa é o silêncio dos bons”.

Isto, é claro, se existirem bons…

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