A islamofobia do regime

O representante da comunidade islâmica em Angola denuncia laivos de islamafobia no país e acusa Angola de ser “o único país do mundo” que “nunca reconheceu” a religião islâmica, apesar de estar implantada desde 1977.

Numa altura em que Angola discute o caso de seis jovens angolanos muçulmanos detidos e acusados de associação ao grupo extremista Estado Islâmico, David Alberto Já (foto) afirma que o país “ainda está fechado”, recordando que “ninguém tem o direito de escolher que religião o cidadão angolano deve seguir”.

“Repare apenas no pronunciamento de certos dirigentes. Fiquei muito triste com o antigo ministro do Interior de Angola quando se pronunciou no lançamento do seu livro a dizer que temos que travar a expansão do islão”, disse David Alberto Já, em entrevista à agência Lusa.

“Nós somos livres, temos a nossa plena liberdade religiosa, cada angolano nasceu e pode escolher a sua religião, cabendo ao Estado criar mecanismos e leis para poder garantir esse exercício. Mas de forma plena, não pode haver algumas restrições”, argumentou.

De acordo com o representante da comunidade islâmica em Angola, o país conta com cerca de 800.000 muçulmanos, entre angolanos e estrangeiros residentes, mas a relação com o Estado angolano ainda é problemática, porque “institucionalmente nunca tomou uma decisão clara em relação ao Islão”.

“Lamentavelmente, sentimos que há uma discrepância de ponto de vista dentro dos direitos, liberdades e garantia do cidadão. Houve uma certa violação à lei, porque a lei foi aprovada em 2004 e até 2017 nenhuma confissão religiosa na base dessa lei foi reconhecida ou teve a personalidade jurídica”, observou.

David Alberto Já considerou ainda existirem algumas suspeições das autoridades, sobretudo no interior de Angola, que confundem a expansão do Islão com aquilo a que denomina como “fundamentalismo”, que em qualquer esfera da sociedade ou religião pode existir.

“Quando pedimos uma licença e temos um terreno para construir uma mesquita legalmente, o Estado nunca aceita. É o exemplo da província da Lunda Norte, com mais de três licenças autorizadas que foram vandalizadas, destruídas quando dão conta que é uma mesquita”, lamentou.

E acrescentou: “Enfim, é isso que temos estado a viver, há um certo resquício de restrições cerradas quanto à liberdade islâmica”.

Este angolano, líder da comunidade islâmica nacional, considera preocupante a situação e apela às autoridades para o “cumprimento escrupuloso” da lei sobre a liberdade de religião e culto no país.

“A lei não pode ver se é cristão ou muçulmano, porque a mesma tem uma característica geral, a generalidade das normas jurídicas é aplicada em toda a extensão sem qualquer distinção e quem prevaricar é lhe imputada alguma responsabilidade civil ou criminal”, sublinhou.

Para David Alberto Já, a recente detenção de alguns jovens em Luanda, supostamente envolvidos em acções de terrorismo e que aguardam julgamento, “é uma encenação” sustentando que “nunca foram terroristas”.

“Lê um livro e é imputável logo de que a pessoa é terrorista. São jovens motivados, enfim, e não se pode conotar um comentário nas redes sociais com o terrorismo”, referiu.

Defende que são “falsas acusações” a existência de terroristas muçulmanos em Angola, as quais apenas “beliscam a imagem no país” no contexto internacional e “travam a pretensão de investimentos estrangeiros”.

“Isso não é bom para Angola. Esse comportamento de acusações não é salutar e não visa a sã convivência entre os irmãos cristãos, muçulmanos ou ateus. O que nos une aqui é Angola e nunca vamos permitir que algum terrorista venha aqui para atacar as instituições do Estado”, assegurou.

Sem grandes expectativas sobre as eleições em Angola marcadas para 23 de Agosto, David Alberto Já realça apenas que o Estado angolano é laico: “Angola tem uma relação dentro do contexto das nações com outros países e não podemos permitir que dentro de Angola haja essa forma de apontar ou restringir a liberdade religiosa face ao Islão que é reconhecida a nível das Nações Unidas”.

História mal contada pelo regime

O Caso do Estado Islâmico é um “processo político com carácter de perseguição religiosa do islamismo em Angola” dizem os réus que são acusados pelo Ministério Público de organização terrorista.

Numa carta intitulada “A tese da nossa defesa”, assinada por Ahmed Nlandu José (porta-voz do grupo), dizem que “não tem ligação com Estado Islâmico”. Cinco dos suspeitos estão em prisão preventiva desde Dezembro de 2016.

Eis, na íntegra, o texto da carta agora divulgada:

“O Estado Angolano, através das suas instituições continuam hostis contra o Islão e os Muçulmanos, e o Ministério Público apenas vem corroborar a praxe das mesmas na sua cruzada contra o Islão.

O Ministério Público não tem razões para nos manter detidos, durante 6 meses encarcerados nas imundas solitárias, sem podermos andar e nos entregar na companhia dos insectos e cheiro nauseabundo apenas por sermos Muçulmanos.

As acusações do MP não passam de fabricações para justificar o injustificável.

É muita arrogância do MP acusar-nos de atrair e recrutar angolanos e brasileiros para combaterem na Síria e no Iraque, depois de termos recebido uma formação na Mesquita do Palanca!

Isso faria daquela Mesquita um centro de formação de Jihadistas. Então, onde estão os tais formadores?! E quais angolanos e brasileiros que foram por atraídos e recrutados para combaterem nas fileiras do EI? Tanta falsidade quanta mentira!

Nunca prestei, eu Ahmed Nlandu José, ou nós no grupo, juramento algum de fidelidade a Abubakr Al Baghdadi e em momento algum afirmei isso nos meus depoimentos, mesmo sob ameaças de morte e interrogatórios naquela sala militarizada com comandos altamente armados a menos de 1 metro, privados de advogados.

E povo angolano não fique pasmado com as alegações do MP. Trata-se apenas de conspiração e perseguição religiosa. Há muito que isso é sabido.

Não sou fundador nem co-fundador nem mesmo membro de qualquer grupo denominado STREET DAWAS que tenha sido criado no início, ou em meados ou mesmo em finais de 2015. Pura falsidade.

Desconhecemos totalmente a existência em Angola de qualquer grupo com esta denominação que publica e dissemina matérias e temas de cariz radical, nem nas ruas e nem mesmo nas redes sociais, excepto de um grupo denominado PREDICAR ANGOLA que existe desde 2013, único que conheço que até à presente data leva a mensagem do Islão quer nas ruas, através de ofertas de livros com teor meramente religioso, quer nas redes sociais através da nossa página no Facebook com a denominação deste mesmo grupo – PREDICAR ANGOLA, o único do qual faço parte desde 2013 com outros membros como: Adam Campos, Ismael Campos, Domingos da Silva e Eduardo Luther Mustafa.

Desde a sua existência jamais publicamos matérias políticas nem tão pouco existe ligação com o Estado Islâmico e nunca os seus membros juraram fidelidade a líder do EI.

Todas as nossas publicações estão na nossa página do Facebook e convido a todos os angolanos a acessarem-na para verificarem o teor dos nossos conteúdos.”

Folha 8 com Lusa

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