A imunidade não faz
prescrever a verdade

Os factos incriminadores, verdadeiros ou falsos, sobre o envolvimento do cidadão angolano Manuel Vicente, à época presidente do Conselho de Administração da Sonangol, empresa petrolífera nacional, no cometimento de uma série de ilícitos, continuam a jorrar. Como é regra num Estado de Direito (que Angola não é de facto), mantém-se a presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença.

Desses ilícitos constam, segundo o Ministério Público de Portugal, tráfico de influência, suborno, lavagem de dinheiro, corrupção, entre outros, praticados em território português.

Os ilícitos ganham notoriedade jurídica, social e pública pela ousadia de terem subornado e corrompido um alto magistrado da Procuradoria-Geral da República de Portugal, visando – segundo a acusação – o apagamento de provas, nos processos em curso que envolvem o também, vice-presidente da República de Angola, homem de extrema confiança do presidente José Eduardo dos Santos.

Como não há crimes perfeitos, de igual, não existem corrupções sem rastos, como é o caso, onde as provas, saltitam sem amortecer, a culpabilidade do infractor, por muito que sejam as estapafúrdias justificações de vagos comunicados das Relações Exteriores e do Jornal de Angola, porta-voz oficioso e não raras vezes oficial do regime.

As evidências, consideradas pela acusação como matéria de facto probatória, quantas vezes desviadas para canto, estão aqui e agora, sem ambiguidades, no meio do terreno, para que todos, em sã consciência, reconheçam não haver, qualquer favorecimento do “árbitro”, em relação a um dos mais emblemáticos jogadores da equipa da casa.

A verdade, “futebolisticamente” falando, é a de um laboratório de controlo antidoping, por todos reconhecido, ver a sua reputação posta em causa simplesmente por denunciar um jogador apanhado ao ingerir substâncias proibidas.

De nada vale evocar desconhecimento na administração da droga, quando as equipas têm corpos médicos para recomendar uma rigorosa preparação atlética e não consumo de substâncias que, para além de nocivas, são proibidas. No caso, concreto como veremos mais à frente, a fragilidade e primarismo dos argumentos de vozes indirectas, esbarram não só nos fortes indícios, como também nos factos já provados, em sede de instrução preparatória.

Assim sendo, compete a Manuel Vicente e a mais ninguém, vir a terreiro dizer de sua justiça, o que fez e não fez, para ser graduada a ilicitude, considerada como crime pela lei portuguesa, internacional e também reconhecida pela Constituição angolana, na al.ª h) do art.º 12.º “repúdio e combate ao terrorismo, narcotráfico, racismo, CORRUPÇÃO e tráfico de seres e órgãos humanos”, para mais adiante ser escudado no n.º 2 do art.º13.º “Os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou ratificados vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano”.

É dentro destes princípios que as autoridades judiciais portuguesas endereçaram cartas rogatórias (carta dirigida pelas autoridades de um país às de outro, a fim de que neste se executem certos actos judiciais”) para Manuel Vicente ser ouvido, pela PGR angolana.

Manuel Vicente declinou a oportunidade soberana de se defender, preferindo a fuga dos arrogantes, endossando o acto a uma perseguição do Estado português a um cidadão angolano, quando é por demais consabido haver, em Portugal, uma clara separação de poderes, não podendo o Executivo interferir na independência do poder judicial.

Como em Angola essa separação só existe no papel, os pseudo-democratas de pacotilha, nada mais fazem senão zurzir, quando confrontados com provas irrefutáveis.

Temos em nossa posse o processo acusatório. Dado o seu inquestionável interesse público e do público que merece conhecer a verdade,  o Folha 8 disponibiliza-o aos seus leitores (na versão impressa ou através do respectivo PDF no Pressreader), para que cada um tire as devidas ilações sobre tão intricado dossier.
figueira
Complementarmente recorde-se que Portugal e Angola são países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Dentro desse contexto, em Novembro de 2005, durante a X Conferência de Ministros da Justiça dos Países de Língua Portuguesa, foi criada a Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa.

As redes de cooperação jurídica internacional têm como objectivo facilitar e acelerar a cooperação entre os Estados que as integram, prover informações jurídicas e práticas para as autoridades nacionais e auxiliá-las na formulação de solicitações de auxílio. Essas redes são comumente criadas no âmbito de organizações regionais, paralelamente ou em consequência de acordos multilaterais de auxílio jurídico mútuo.

As redes são formadas por pontos de contacto nacionais, designados pelas autoridades centrais responsáveis pela cooperação jurídica, pelo Poder Judiciário, pelos Ministérios Públicos e por outras autoridades envolvidas na cooperação jurídica internacional. Os pontos de contacto, além de coordenar a actuação nacional em temas relacionados com a cooperação jurídica, também devem intermediar o processo da cooperação.

Merecem destaque os acordos para a participação de autoridades do Estado requerente em diligências, as consultas informais sobre a legislação do Estado requerido, pedidos urgentes de complementação de informações constantes em pedidos de auxílio ou de remarcação de audiências e o exame preliminar de pedidos de auxílio.

O sistema jurídico de Angola é o de Civil Law, baseado no sistema português. A estrutura jurídica é composta por tribunais judiciais de primeira instância, sendo o Tribunal Supremo a última instância.

No caso em apreço, o Ministério Público de Portugal acusou o procurador Orlando Figueira, o ex-presidente da Sonangol Manuel Vicente, o advogado Paulo Blanco e o arguido Armindo Pires no âmbito da Operação Fizz, relacionada com corrupção e branqueamento de capitais.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Portugal esclarece que Orlando Figueira, que exerceu funções como magistrado do Ministério Público de Portugal entre Setembro de 1990 e Setembro de 2012, foi acusado de corrupção passiva, branqueamento (em co-autoria com os outros três arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (em co-autoria com os restantes arguidos).

Manuel Vicente é acusado de corrupção activa (em co-autoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), de branqueamento de capitais (em co-autoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em co-autoria com os restantes arguidos).

Entre os acusados estão ainda o advogado Paulo Blanco, que vai responder por corrupção activa (em co-autoria com os arguidos Manuel Vicente e Armindo Perpétuo Pires), branqueamento de capitais (em co-autoria com os restantes arguidos), violação de segredo de justiça e falsificação de documento (também em co-autoria com os restantes arguidos).

O arguido Armindo Pires, representante em Portugal de Manuel Vicente, foi acusado de corrupção activa (em co-autoria com os arguidos Paulo Blanco e Manuel Vicente), branqueamento de capitais (em co-autoria com os restantes arguidos) e falsificação de documento (em co-autoria com os restantes arguidos).

A Operação Fizz investigou o recebimento de contrapartidas por parte do magistrado do Ministério Público, Orlando Figueira, suspeito de favorecer interesses de terceiros, em dois processos.

À data dos factos, Orlando Figueira, que exerceu funções no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) encontrava-se em licença sem vencimento de longa duração desde Setembro de 2012.

Segundo a PGR, três arguidos estão acusados de, em conjugação de esforços, terem pago a Orlando Figueira, que, na altura, trabalhava no DCIAP, cerca de 760 mil euros e de lhe terem dado outras vantagens, designadamente, a colocação profissional numa instituição bancária. Em troca, o magistrado arquivou dois processos, favorecendo o presidente da empresa angolana, Manuel Vicente.

Na investigação foram arrestados e apreendidos ao ex-procurador cerca de 512 mil euros, que se encontravam em contas bancárias portuguesas, em cofres e em contas bancárias sedeadas no Principado de Andorra.

Manuel Vicente foi notificado do despacho de acusação através de carta rogatória dirigida às autoridades angolanas para depois o Ministério Público se pronunciar sobre medidas de coacção a aplicar.

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