É imperativo ter memória

O MPLA, partido que “só” está no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, defende que se deixe as instituições de justiça (e como só existem as que devem fidelidade canina e bajuladora ao regime, estamos conversados) realizarem o seu trabalho.

Por outras palavras, vamos continuar a ser todos culpados até prova em contrário (nos Estados de Direito é o contrário), assim como vamos ver os tribunais a, primeiro, determinarem a sentença e só depois fazerem o julgamento. Há quem lhes chame, com razão, uma palhaçada.

O posicionamento do partido liderado pelo também presidente da República, nunca nominalmente eleito e no cargo há “só” 37 anos, José Eduardo dos Santos, tem força de lei. Isto é, é a lei. Ou seja, está acima da Constituição.

Recordam-se que o secretário para a Informação do Comité Provincial do MPLA de Luanda, Norberto Garcia, quando instado a comentar as detenções de jovens activistas ocorridas em Junho de 2015, em Luanda, referiu que o posicionamento do MPLA é não fazer “interferências em rigorosamente nada”?

“E aí devemos deixar que as instituições dos órgãos de justiça façam o seu trabalho e que venham explicar aquilo que eventualmente não seja do esclarecimento público”, referiu Norberto Garcia, abrilhantando a piada com a referência a que o MPLA defende o respeito pela dignidade humana e pelos direitos humanos.

“Queremos sempre que a acção das autoridades seja aquilo que defendemos no nosso programa, nos nossos estatutos e nos nossos programas de governação. Queremos que os direitos humanos estejam sempre em primeira linha e é isso que nós queremos aqui dizer, respeitando sempre aquilo que está na lei, na Constituição”, disse o dirigente do MPLA que, graças a esta piada, colocou Angola nos primeiros lugares da enciclopédia das anedotas mundiais.

Entretanto, o Procurador-Geral da República do regime, general-empresário João Maria de Sousa, colocou na mesma altura a sua impressão digital na sentença determinada por José Eduardo dos Santos, confirmando a detenção dos jovens activistas “em flagrante delito”, na sequência de diligências do Serviço de Investigação Criminal.

Segundo o porta-voz do dono do país, também chamado de PGR (Procurador-Geral do Regime), os jovens detidos em flagrante delito estavam reunidos a praticar actos preparatórios que poderiam levar à destituição do Governo legitimamente instituído a partir das eleições de 2012. Lembram-se? Convém não esquecer. É imperativo lembrar.

Não é por nada. Concordamos que quem estiver sempre a falar do passado deve perder um olho. Mas, mais importante, quem esquecer o passado dever perder os dois.

Na certeza de que o regime gostaria de nos ver sem os dois olhos, continuemos a falar do passado recente, que afinal é presente e que no futuro continuará a ser, e a estar, presente.

O SINSE apresentou como prova dos preparativos do suposto “golpe de Estado”, material de uma palestra que os jovens tinham intenção de realizar no bairro Nelito Soares da periferia de Luanda, subordinada ao tema “filosofia ideológica da revolução pacífica versus como derrubar um ditador”.

A ser verdade a tese norte-coreana apresentada pelo MPLA, seria o primeiro golpe de Estado, o que – aliás – corresponderia a mais um contributo histórico para a humanidade, que teria lugar com computadores, lapiseiras e bloco de apontamentos.

De facto, tudo isto mostrou um desnorte do regime que um dia destes vai começar a prender os mosquitos, acusando-os legitimamente de serem apanhados em flagrante delito.

Este país está doente, o regime esgotou todas as soluções próprias de uma ditadura. E em ditadura não há bom senso, não há justiça, só há pouca vergonha e força. Na verdade, qualquer dia destes quem sonhar e pensar também vai preso.

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