A honestidade da mentira

O que a maioria sabia e previa, e os ingénuos ainda tinham remota esperança, aconteceu da forma mais frívola e juridicamente incoerente, com a violação do roteiro da norma jurídica, por parte do Tribunal Constitucional.

Por William Tonet

Este órgão, maioritariamente composto por homens de toga preta e forro vermelho, não disfarçou o favorecimento à veia matriz, ao indeferirem, com argumentos considerados juridicamente (mas não só) barrocos, os recursos interpostos pelos partidos da oposição.

A ossatura reivindicativa assentava na necessidade de a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) ser levada a cumprir a Constituição de 2010 e a Lei 36/11 de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, quanto à realização do apuramento provincial (artigos 126.º à 130.º), não realizado em 15 das 18 províncias e, ou, à recontagem dos votos, de acordo com as “Actas das Operações Eleitorais”, como estipula o art.º 123.º.

Ao império da lei, o Tribunal Constitucional impôs o império da partidocracia. Era expectável, quando previamente à decisão, um alto dirigente do MPLA, dois juízes conselheiros e um alto funcionário do Tribunal Constitucional se pronunciaram verbal e por escrito, nas redes sociais, sobre a vitória eleitoral, assente na “lógica da batata, na lei da batota” do “dono disto tudo”.

Errado? Não!

O órgão constitucional, na sua maioria, foi, “jaguarmente” falando, fiel à veia partidocrata e não poderia, melhor, estava impedido, de deferir em sentido contrário à determinação da obediência ao poder de nomeação.

Ninguém, chegados aos 61%, poderia ousar trair a honestidade de uma mentira, laboratorialmente engendrada, nos areópagos do regime.

Daí o Acórdão 462/2016, de 13 de Setembro, do Tribunal Constitucional entrar para a jurisprudência, como peça processual caricata do regabofe judicialista, na linha do positilismo.

Esta corrente nova (positilismo), defendida pelo advogado e político brasileiro Vicente Fernandes Cascione, advoga ser a Constituição relativa: “rasgue-se a Constituição e cada juiz a interprete como quiser”, encontrou na maioria dos juízes do Constitucional, fortes e incondicionais aliados, tanto assim é que ousaram interpretar, a “Constituição Jessiana”, contrariando o art.º 28.º.

Nada aponta ter-se discernido fora da trambiquice golpista, que empunhou as baionetas contra a petição da oposição, para avaliação e recontagem dos números do escrutínio provincial eleitoral, em nome da verdade eleitoral, da defesa da incipiente democracia e da transparência e segurança tecnológica, art.º 116.º da Lei 36/11.

É perigosos passar-se a mensagem de que roubar a vontade cidadã, o civismo do eleitor, o voto e o sonho dos povos de Angola tem respaldo e protecção incondicional dos órgãos judiciais decisórios.

Demonstrar estar o prevaricador mancomunado com a bandalheira do Direito, que inocenta e estimula o corrupto na rota da delapidação do erário público é muito grave. Exigia-se um pouco de bom senso e compromisso com a verdade, porquanto as alegações da oposição mereciam uma investigação aprofundada e não a tomada das contra-alegações da “CNE do MPLA”, como verdades absolutas, quando a divisão no seio deste órgão foi a tónica dominante, com comissários nacionais eleitorais a não reconhecerem os resultados provisórios e definitivos, por terem sido anunciados em sentido contrário à lei:

a) existência de um grupo técnico, estranho ao conhecimento da maioria dos comissários e da CNE, que fornecia dados nas províncias para as CPE (Comissão Provincial Eleitoral) transmitirem à CNE, diferentes das actas de operações em sua posse;

b) a CNE foi denunciada com elementos probatórios de favorecimento, a um dos concorrentes: o MPLA, fazendo ouvidos moco e cegueira, a todas arbitrariedades por este partido cometidas, desde usar os boletins da CNE, aos carros eleitorais;

c) inexistência de apuramento provincial em 15 províncias;

d) desconhecimento da origem da fonte dos resultados provisórios: se internos (apenas do grupo de comissários do MPLA) ou de órgão externo;

e) a publicação dos resultados definitivos feriu violentamente a lei, por não assente no apuramento provincial.

A todas violações cometidas, o Acórdão n.º 462/2017 do Tribunal Constitucional, decidiu, talvez no pedestal de cumplicidades espúrias, negar provimento, à oposição e dar razão à CNE e ao partido da situação, pois tal como fez Agostinho Neto em 27 de Maio de 1977: “Não vamos perder tempo com julgamentos”, decretando a pena de morte, também aqui e agora o Tribunal Constitucional, não perdeu tempo em investigar e aprofundar as denúncias constantes nos recursos dos partidos da oposição, principalmente, o recurso interposto pela UNITA, rejeitando os factos e elementos de prova destes não terem dado entrada nas províncias e não terem vindo anexas as actas, que propositadamente a CNE teria instruído, segundo uma fonte eleitoral, as CPE a não enviarem, justamente para este desfecho em actas falsas.

Mas atirando para canto, como a avestruz, o Tribunal Constitucional descredibilizou-se ao falar em actas falsas, documentos indevidos, em posse da oposição, na lógica das contra-alegações da CNE, quando lhe cometia averiguar e apurar as razões de não ter havido apuramento do escrutínio provincial e outros actos importantes.

Mas as heresias do Tribunal Constitucional, segundo os críticos, prendem-se com a legitimação dos resultados provisórios elencados pelos partidos reclamantes, principalmente, por um número considerado de comissários eleitorais, da própria CNE, ter vindo a público denunciar a estranheza da publicação dos resultados provisórios, uma vez os mesmos não resultarem de actas ou dados enviados pelas províncias, ao Centro Nacional de Escrutínio. Este acto, seria dado bastante, para o Tribunal apurar, notificar os comissários, para o fornecimento de mais elementos, visando apurar a verdade material.

Mas como ao “concorrente-mor” tudo se permite, não carece de apuramento ou investigação a origem do misterioso “grupo técnico”, uma vez terem cumprido, exclusivamente, a missão de fornecer votos ao MPLA e roubar aos partidos da oposição.

Será que o Tribunal Constitucional optou por andar de heresia em heresia até a heresia final? Sim, bastando ver o aparente reconhecimento de ilicitude da CNE, mas logo conotada como uma simples falha, sem dolo, logo desculpável, pese a relevância, das decisões e actos do órgão eleitoral decididas tardiamente, terem tido influência nos resultados finais.

Mas numa demonstração de dois pesos e uma medida, em se tratando de actos tardios da oposição, eles são gravosos e o Tribunal Constitucional considera-os desertos, por fora dos prazos. É a lógica de aos nossos se permitir tudo e, aos outros, do outro lado, só a pena de morte por fuzilamento…

Só desta forma, muitos entendem, a justificativa da ameaça estapafúrdia de procedimento criminal, contra o PRS e a UNITA, alegadamente, por anexarem documentos falsos e indevidos, passíveis de procedimento criminal por violação à lei eleitoral, não explicitando, quais dos seus articulados, pois tratando-se da oposição, o Tribunal Constitucional não carece de explicações outras, salvo lavrar já a sentença: CADEIA JÁ!

Didactismo então, para gente do outro lado, nem pensar, principalmente por visarem a virgem “CNE do MPLA”, a conformar-se com a lei, apurando o escrutínio provincial em 15 províncias e ou a recontagem dos votos…

Por esta ousadia de viés democrático, o Tribunal Constitucional ameaça procedimento criminal, por infracção a lei eleitoral, não explicitando qual dos seus articulados, limitando-se ao seguinte arreganho:

“A junção aos autos de documentos com fortes indícios de falsificação, bem como outros que não deveria ter na sua posse, com o propósito de obter vantagem injustificada, constitui infracção eleitoral e criminal pelo que será lavrada a respectiva certidão, dando-se conhecimento ao Ministério Público, para os devidos efeitos legais”, contra a UNITA.

Uma ameaça despropositada e descomunal por parte do Tribunal Constitucional, que não consegue esconder a sua matriz partidocrata, a falta de imparcialidade, isenção e independência, denotando clara aversão, ao maior partido da oposição, como se não fossem iguais aos demais de acordo com o art.º 23.º da Constituição.

O eleitor angolano, consciente, ordeiro e que agiu com civismo no dia 23 de Agosto, ao ir votar em consciência, interroga-se se vale a pena continuar a acreditar na força do voto e na democracia, se estes podem ser espezinhados, adulterados e desviados, por razões ideológicas.

Mais, se o Tribunal Constitucional é um órgão imparcial, quais as razões de nunca ter agido de igual forma, quando em causa estão excentricidades políticas e jurídicas do partido no poder ou órgãos da bajulação?

Porque razão, contra a UNITA ou restante oposição, manda às favas o didactismo requerido, nesta fase pioneira, para todos, principalmente, quando inexiste Tribunal Eleitoral e Processo Eleitoral?

É pois a ditadura da toga destes juízes, que ficará na história, por impor um rumo de agitação social, que vai calcorrear na mente contida de mais de 2.500.000 (dois milhões e meio) de eleitores na óptica de: “Quando a política entra no judiciário a justiça sai pela janela”, face à ausência de fundamentos blindados e suportados na Constituição e na lei.

Como pode o Tribunal Constitucional oferecer uma denúncia criminal, passando da suspeição, quando diz enviar ao Ministério Público, sem fazer qualquer dado comparativo, no funcionamento da engenharia da CNE do MPLA, quando os dados estão todos registados no sistema informático e físico, também na posse dos concorrentes, em cópia, estando os originais em poder do órgão eleitoral.

Ora, o grave é a prova material de falsificação não ter sido apresentada com fundamento indesmentível no Acórdão 462/2017 de 13 de Setembro.

Com esta posição o TC demonstra, na falha de argumentos constitucionais e legais de suporte, preferir recorrer ao arreganho da força, quando sabe estarmos diante de uma inconstitucional e ilegal acção de procedimento da CNE, detentora de documentos e informação iguais aos demais concorrentes, logo estas embaçam o resultado do pleito eleitoral, por terem andado em sentido contrário a lei 36/11 de 21 de Dezembro.

Ora, o Plenário do Tribunal Constitucional poderia requerer, fundadamente, um pedido de instauração de incidente de falsidade documental, recorrendo, obviamente, ao que diz a constituição e a lei, mas passou ao largo.

Como se vê, levando a CNE com todas arbitrariedades praticadas, ao longo, durante e depois do pleito eleitoral, ao colo, o Tribunal Constitucional manda para a sarjeta a garantia de paridade de armas, num processo em que a água não se confunde com o vinho.

Logo uma pergunta se impõe: será que a força de um jaguar é maior que a força do Direito, na consciência de um juiz?

Verdade ou mentira, tudo parece incriminar, nesta hora.

E porquê? Porque, mesmo antes deste acórdão, já os convites, para a tomada de posse de João Lourenço, estavam a ser enviados, na certeza de a decisão “acertada” a favor do MPLA, sairia e nada nem ninguém, incriminaria ou recorreria, porque irrecorrível, a parcialidade dos juízes do Tribunal Constitucional, que ao que tudo indica foram compelidos a mostrarem-se “incompetentes”, na defesa da independência requerida a um órgão de tamanha relevância, cuja actuação assenta na honestidade da mentira.

Finalmente, a oposição, uma vez mais, destapou a sua ingenuidade e falta de perspicácia ao abandonar a diplomacia, num momento tão sensível, em que as praças mundiais precisam de informação, em tempo real.

Até mesmo a UNITA que era acutilante no tempo de Jonas Savimbi, abandonou esta ferramenta política importante, não conseguindo mesmo que Jardo Muekália e outros, pudessem agir junto das chancelarias nos Estados Unidos, em Londres, Paris, Lisboa, Rússia, China, Madrid, para lhes dar ciência real sobre a violação da Constituição e da lei.

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