Freedom House arrasa
mas a orgia continua

O relatório mundial da Freedom House demonstra preocupação sobre a influência de Angola (leia-se e entenda-se influência do regime angolano) nos meios de comunicação social portugueses atingindo jornalistas e provocando casos de auto-censura.

Por Orlando Castro

“O bservadores expressaram preocupação sobre a influência de Angola nos meios de comunicação social portugueses, realçando que a situação agravou-se nos últimos anos, altura em que os proprietários de empresas jornalísticas investiram na economia angolana”, refere o relatório mundial da organização não-governamental norte-americana Freedom House.

Nova rectificação. Os proprietários de empresas jornalísticas portuguesas não investiram na economia angolana. Investiram na economia do regime, nos negócios com generais (do regime), com empresários (do regime). Ou seja, confundiram (também não tinham alternativa, é certo) o país com a oligarquia que domina Angola desde 1975.

O documento mundial que vai ser apresentado hoje em Washington classifica Portugal como “país livre” mas além de demonstrar preocupação sobre a corrupção sublinha a “influência” de Angola no jornalismo português.

Nova rectificação. A “influência” do regime angolano, liderado por um presidente (José Eduardo dos Santos) que está no poder há 37 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, não dinamitou o Jornalismo português. Dinamitou a produção de conteúdos, a produção de informação de linha branca. O Jornalismo é outra coisa. É, por isso, que – não só em Portugal – está em vias de extinção.

“Têm-se registado efeitos que atingem os jornalistas que criticam Angola o que provoca casos de auto-censura”, sublinha o relatório da organização fundada nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. O documento diz que “poderosos angolanos” são proprietários da Newshold, o grupo que controla o semanário Sol, “além de outras publicações”.

Pois é. Os homens do regime do MPLA compraram os donos dos donos dos supostos jornalistas. E como novos patrões, atiraram para as prateleiras ou para o desemprego os que que, de facto, queriam ser jornalistas. Tudo isto perante a cómoda passividade dos organismos que em Portugal deveriam reagir.

Por outro lado, o relatório refere que a liberdade de imprensa está garantida constitucionalmente mas que os canais públicos portugueses são pouco apoiados financeiramente e enfrentam sérios problemas de concorrência das estações de televisão comerciais.

A concorrência das televisões, mas também dos jornais e das rádios, é fácil de entender. Vendem tudo o que dê dinheiro e audiências. Jornalismo? O que é que isso interessa? Se o que dá é vender toneladas de lixívia (veja-se o caso da TVI) para branquear o regime despótico e ditatorial de José Eduardo dos Santos, então é isso que vendem. São, na verdade, apenas e só empresas comerciais. Dizem que são comunicação como poderiam dizer que são salsicharias.

Gay Talese (esse perigoso inimigo do regime angolano) no livro “The Kingdom and the Power” (“O Reino e o Poder”), publicado em 1971, diz que “o papel da imprensa, numa democracia, é atravessar a fachada dos factos”.

Pois é. Mas onde está a tese de que os jornalistas existem para dar voz a quem a não tem?

Na verdade, não existe nas linhas de montagem de textos de linha branca nenhuma autonomia editorial e, ou, independência. E não existe sobretudo, mas não só, por culpa dos jornalistas que, sob a conveniente (sinónimo de bem remunerada) capa da cobardia se deixa(ra)m transformar em autómatos ao serviço dos mais diferentes protagonistas, sejam políticos, partidários, sindicais ou empresariais.

Habituados a viver na selva supostamente civilizada onde, com o patrocínio e cobertura dos poderes instituídos, vale tudo, os chefes de posto dessas linhas de produção entendem que a razão da força, dada por alguns milhares de dólares ou euros de avenças ou similares, é a única lei. Dos Jornalistas esperar-se-ia que lutassem pela força da razão. Não acontece. Não é de agora, mas agora tem mais força e seguidores.

Força da razão? Claro que não. Até porque em Angola como em Portugal, por exemplo, não existem Jornalistas a tempo inteiro. Na maior parte do tempo útil são cidadãos como quaisquer outros e que, por isso, não precisam de ser sérios nem de o parecer. Nas horas de expediente, sete ou oito por dia, exercem o comércio jornalístico, tal como poderiam exercer o enchimento de latas de salsichas.

Mas como existe uma substancial diferença entre produzir textos e ser Jornalista, entre ser operário de um órgão de comunicação social e ser Jornalista, tal como exercer medicina e ser médico, continuamos a dizer que nesta profissão quem não vive para servir não serve para viver.

E é por isso que, em Angola, a repressão selvagem, o assassinato de cidadãos indefesos, a violação sistemática das leis e da Constituição, a manipulação dos tribunais – entre tantos outros exemplos – dificilmente são notícia em Portugal. A excepção, em termos de televisões, é a SIC.

É por isso que os operários dos órgãos de comunicação social lá estão para se servir, para servir os seus capatazes, e não para servir o público, para dar voz a quem a não tem.

Infelizmente os meios de comunicação social estão cada vez mais superlotados de gente que apenas vive para se servir, utilizando para isso todos os estratagemas possíveis: jornalista assessor, assessor jornalista, jornalista cidadão, cidadão jornalista, jornalista político, político jornalista, jornalista sindicalista, sindicalista jornalista, jornalista lacaio, lacaio jornalista e por aí fora.

Como diz Gay Talese, cabe ao jornalista procurar incessantemente a verdade e não se deixar pressionar pelo poder público ou por quem quer que seja. Não interessa se as opiniões são do Secretário-Geral da ONU, da Rainha de Inglaterra, do Presidente da República de Portugal ou do “dono” de Angola e de parte de Portugal, de seu nome José Eduardo dos Santos.

Ou, segundo o jornalista inglês Paul Johnston, o jornalismo sério, objectivo e imparcial sabe “distinguir entre a opinião pública, no seu mais amplo sentido, que cria e molda uma democracia constitucional, e o fenómeno transitório, volátil, da opinião popular”.

Falar hoje da regra basilar do regime angolano (até prova em contrário todos somos… culpados) é algo que desagrada aos poderes políticos de Angola e das suas “colónias” (caso de Portugal), bem como ao poder económico nacional ou global.

Em Portugal, que se diz uma democracia consolidada, grande parte da comunicação social amplia a voz dos donos do poder, na circunstância o MPLA, esquecendo que a sua função básica é dar voz a quem a não tem (20 milhões de pobres), neste caso aos que de forma pacífica mostram que estão cansados de ter no poder o mesmo partido há 41 anos, e o mesmo presidente – nunca nominalmente eleito – há 37 anos.

Aliás, fica aqui um repto aos (poucos) Jornalistas portugueses: Digam-nos quantas vezes e onde leram, viram ou ouviram que o presidente de Angola nunca foi nominalmente eleito ao longo dos seus 37 anos de poder ditatorial.

A organização Freedom House, foi criada em 1941 pele advogado do Partido Republicano norte-americano Wendel Wilkie e pela Eleanor Roosvelt, mulher do presidente dos EUA, Franklin D. Roosvelt. O relatório anual sobre “Liberdade no Mundo” é publicado desde 1972.

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