As anedotas de Lourenço

O cabeça-de-lista do MPLA às próximas eleições gerais em Angola, previstas para Agosto, general João Lourenço, prometeu hoje um “cerco apertado” à corrupção, que está a “corroer a sociedade”, e o fim da “impunidade” no país. Muitos dos presentes não perceberam a anedota e ficaram calados. No entanto, a grande maioria riu-se às gargalhadas.

Por Norberto Hossi (*)

O vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa Nacional discursava no Lubango, capital da província da Huíla, no primeiro acto oficial de massas da pré-campanha às eleições gerais previstas para Agosto, às quais já não concorre José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979 sem nunca ter sido nominalmente eleito.

Perante mais de 100.000 apoiantes, segundo números da organização, João Lourenço foi fortemente aplaudido ao destacar aquilo que o regime sempre negou ou minimizou: que a corrupção em Angola é um “mal que corrói a sociedade”, prometendo combatê-la.

Embora saiba que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, suavizou a questão dizendo que a corrupção é um fenómeno que afecta todos os países. João Lourenço advertiu que o problema é a “forma” como Angola encara o problema: “Não podemos é aceitar a impunidade perante a corrupção”. Como anedota passa a ser séria candidata a figurar no top da enciclopédia mundial que reúne as melhores piadas do mundo onde, aliás, figuram muitas outras protagonizadas por excelsos correligionários de João Lourenço, com destaque para sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.

Segundo a Constituição do MPLA (dita angolana nos aspectos que mais interessam ao regime), o Presidente da República é o cabeça-de-lista do partido mais votado nas eleições gerais no círculo nacional, lista que será liderada em 2017 por João Lourenço.

Falando a partir de um palco com duas fotografias de grande dimensão de José Eduardo dos Santos – chefe de Estado, Titular do Poder Executivo e presidente do MPLA (cargo em que se manterá até 2021, pelo menos) – e do cabeça-de-lista do partido, João Lourenço prometeu um “cerco apertado” ao “grande mal” da corrupção e apoio aos empresários que trabalham de forma honesta.

João Lourenço recordou que os empresários têm “apenas três obrigações fundamentais”, nomeadamente licenciar a empresa, pagar “atempadamente” os salários e os impostos ao Estado. Coisas novas, portanto. Uma importante inovação do programa de João Lourenço.

“De resto, deixem-nos trabalhar. Não ponham mais dificuldades”, sublinhou João Lourenço, referindo-se aos problemas que os empresários enfrentam para investir em Angola devido, disse, ao conhecido pagamento de “gasosas” para ultrapassar as “pedras no caminho”.

“Se conseguirmos combater a corrupção, até os corruptos vão ganhar com isso”, ironizou, num discurso transmitido em directo (tudo está na mesma a favor dos mesmos) pela Televisão Pública de Angola (TPA) e pela Zimbo.

“Que sejamos nós, que não seja a oposição, a tomar a dianteira no combate a este mal”, apelou, sobre o combate ao ADN do regime e que dá, desde 1975, pelo nome de corrupção.

Num discurso de uma hora, João Lourenço prometeu a descentralização e municipalização do país, mas sem se referir às primeiras eleições autárquicas em Angola, ainda por agendar.

A saúde é outra das vertentes prioritárias (tão prioritária quanto velhinha a nível de promessas do MPLA) da candidatura de João Lourenço, bem como o aumento da produção nacional, para travar as importações.

“É uma vergonha que a carne para o nosso cidadão tenha que ser importada, quando podemos produzir o gado cá na terra”, disse, prometendo fazer de Angola “um verdadeiro celeiro”. Estará João Lourenço a passar um atestado de competência a José Eduardo dos Santos? Não. Nada disso. Está apenas a repetir o rol de promessas que o MPLA tem feito há 41 anos.

Em termos de investimento, e num momento em que Angola enfrenta ainda uma crise económica e financeira devido à quebra nas receitas do petróleo, o candidato voltou a falar no envolvimento dos privados na reconstrução nacional.

“Vamos criar parcerias público-privadas para recuperar as infra-estruturas (…). Não precisa de ser o Estado sozinho a construir”, apontou, aludindo à intenção de atribuir “concessões” por vários anos a privados (envolvendo construção e gestão), mas sem especificar em que áreas.

Na intervenção, a primeira pública como cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço prometeu ainda uma revisão na política de imigração, tornando “mais fácil e simplificado” o processo de concessão de vistos a estrangeiros.

“Vamos abrir a política de vistos e fazer um controlo muito mais cerrado à entrada de ilegais. Vamos combater seriamente os ilegais, aqueles que pulam a janela e nos surpreendem no quarto. E abrir mais a porta da frente da nossa casa, para os legais”, enfatizou, acusando os imigrantes ilegais de estarem a levar para fora de Angola, ilicitamente, recursos minerais, como diamantes.

“Precisamos de ganhar as eleições. Temos a vitória nas nossas mãos, não a deixemos fugir”, apelou João Lourenço. Não. não fugirá. Esta foi, aliás, uma humorística alusão a uma vitória que há muito está garantida.

Tudo como dantes… ou pior

O MPLA, no poder desde 1975, diz que defende a contratação dos melhores quadros para gerir o país e travar a “gestão danosa” na administração pública. Como anedota até não está mal.

A posição, promessa, propaganda foi expressa em Abril de 2016 no comunicado do bureau político do Comité Central do partido, a propósito do dia da Paz e da Reconciliação Nacional, 4 de Abril, que invoca o fim da guerra civil em Angola (2002).

Para aquele órgão, “no actual contexto da vida do país”, de crise profunda, recomenda-se “uma maior atenção ao desempenho dos quadros, aos quais foram confiadas tarefas de gestão”, acompanhada de um “combate mais firme contra a administração económica danosa ou irresponsável nas empresas públicas e à falta de disciplina na execução dos orçamentos afectos aos serviços da administração pública central e local”.

Paralelamente, o partido liderado por José Eduardo dos Santos, que é também titular do poder executivo e Presidente da República (nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979), reitera (como se fossemos todos matumbos) a vontade de “tomar providências para colocar, no aparelho do Estado, quadros com um perfil mais adequado” à gestão pública.

Como é evidente, basta ver os últimos 41 anos, “quadros com o perfil adequado” só existem no MPLA. Daí que, agora mais do que nunca, o regime defenda que o MPLA continua a ser Angola, e que Angola continua a ser o MPLA.

“Que tenham sentido de responsabilidade e a consciência necessária para ajudá-lo, enquanto força política governante, a fazer cumprir a sua orientação, que prevê o desenvolvimento de instituições fortes e capazes de realizar a sua missão, com eficiência”, refere o comunicado do bureau político do MPLA.

Recordando o pronunciamento feito em Março pelo Presidente do partido, os anos de paz no país são assinalados com um balanço em que as “metas preconizadas” ficam “muito aquém” do que foi definido, nomeadamente “para o aumento da produção, da melhoria da gestão das empresas públicas, do funcionamento do sector bancário, do apoio ao empresário privado angolano e do enquadramento dos quadros recém-formados”.

“O MPLA e o executivo continuam a mobilizar os angolanos, particularmente os empresários, para agirem, com urgência, para o aumento significativo da produção interna, especialmente a de bens de primeira necessidade, para a satisfação plena da demanda nacional e da diversificação das exportações, para o incremento das receitas em divisas”, referia o dito comunicado daquele órgão central do partido no poder.

Lei da probidade morreu há muito

A Lei da Probidade Pública constituiria, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.

Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visaria (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.

Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei era conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.

Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.

Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?

Mas alguém acredita? Mas alguém está interessado? Acreditarão nisso os 68% (68 em cada 100) dos angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome? Ou as 45% das crianças que sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?

Se calhar não acreditam. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acredita, diz, José Eduardo dos Santos. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção.

Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos? Acreditarão os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?

Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.

Se calhar, pensam baixinho os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.

Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.

(*) Com Lusa

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