E agora deputado Raul Tati?

“É preciso assumir a luta e ir para a frente como foi dito pelo presidente da UNITA, a luta democrática é dentro e fora, por isso estamos prontos a ir para o Parlamento”, afirmou Raul Tati, eleito deputado independente pela UNITA. Se o Povo com fome não escolhe – obedece, já os políticos da oposição escolhem e obedecem. Entre a lagosta no Parlamento de Angola e a mandioca junto do Povo que os elegeu…

O antigo vigário-geral da diocese de Cabinda, Raul Tati, liderou com êxito a campanha eleitoral da UNITA em Cabinda. Foi forte a aposta de Isaías Samakuva e revelou-se ganhadora, embora distante da aposta dos cabindas na CASA-CE. Para os cabindas será, talvez, o mal menor.

Sabemos que Raul Tati tem boa memória. Terá Isaías Samakuva também essa característica? Ou esta aposta é uma mera estratégia eleitoral da UNITA? “O estado que temos idealizado nas nossas mentes é o país de todos, de Cabinda ao Cunene e do Moxico ao mar, não queremos um país que discrimina as pessoas na base da sua região ou camisola política”, disse em tempos o líder da UNITA.

Barbaridades destas, segundo os defensores da causa independentista (entre os quais está Raul Tati), já foram ditas por muitos supostos dignitários dos putrefactos areópagos da política Portuguesa (sendo que Portugal tem o ónus de ainda hoje ser a potência protectora de Cabinda). De Cavaco Silva a José Sócrates, de Passos Coelho a Paulo Portas, todos disseram, ou dizem, o que o dono de Angola manda dizer sobre Cabinda. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa ainda não disseram (pelo menos deforma pública) o mesmo apenas porque ainda não vieram ao beija-mão.

Vejamos o que, no dia 26, Marcelo Rebelo de Sousa dirá (ou não) na posse do seu homólogo (embora não eleito nominalmente) João Lourenço.

Recorde-se que em 2012, a CASA-CE comprometera-se a “pôr fim, de um modo concreto, ao clima de sufoco político, económico e social em Cabinda; Introduzir, de um modo constante, na agenda da Assembleia Nacional, a questão de Cabinda; Plasmar na Constituição, mesmo que provisório, um figurino político-administrativo do território de Cabinda, tendo em vista um referêndum; Consagrar a eleição, através do voto directo, secreto e universal, do governador ou presidente do Território de Cabinda e Consagrar a existência de uma assembleia legislativa territorial de Cabinda, eleita através do voto directo, secreto e universal.”

Importa por isso que os cabindas, tal como os angolanos, não se esqueçam da esclarecedora afirmação de Isaías Samakuva. Não acreditamos que Raul Tati a tenha esquecido. Será que a ideia é, nesta fase, pedir a ajuda da hiena para derrotar o leão. Depois? Depois se verá se a seguir à derrota da hiena não vai o leão comer tudo quanto encontrar.

Por muito que custe à actual UNITA, importa recordar que o seu fundador e primeiro presidente, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervenções públicas que Cabinda nunca fez parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizador português.

Recorde-se também que o então Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, ouviu no dia 20 de Julho de 2010, em Luanda, as preocupações do líder da UNITA, Isaías Samakuva, relativas ao processo de democratização de Angola, à situação na “província” angolana de Cabinda, bem como um apelo às responsabilidades históricas de Portugal.

Afinal, em que é que ficamos? Se Cabinda é – como diz Samakuva – parte de Angola, porque razão o líder da UNITA falou a Cavaco Silva da situação e apelou às responsabilidade históricas de Portugal?

Nessa altura, a UNITA aproveitou o quase monólogo que manteve com Cavaco Silva para dizer ao presidente português o que ele não queria ouvir, sobretudo porque no que a Angola respeita a visão portuguesa era (como continua hoje a ser) obrigatoriamente coincidente com a do MPLA.

Seja como for, Cavaco Silva – que nunca se enganava e poucas vezes tinha dúvidas – continuou a dizer o que mandava a cartilha oficial do MPLA, esquecendo que as relações entre os dois países, bem como com Cabinda, começaram bem antes de 1974.

Mas da mesma forma que Cavaco Silva dizia que as últimas eleições foram livres e justas, e que Angola vai de Cabinda ao Cunene, o mesmo fez Marcelo Rebelo de Sousa em relação às eleições de Agosto. Aliás, em Belém e em São Bento, o discurso apologético já devia estar escrito muito antes de os angolanos votarem.

“Falamos ainda sobre o caso de Cabinda, em que Portugal também tem responsabilidades históricas e o governo português pode desempenhar um papel na pacificação porque, com os contactos privilegiados que Portugal tem com o governo angolano e com a sociedade de Cabinda, pode-se encontrar uma forma de fazer com que o diálogo surta efeitos”, disse então o líder da UNITA.

Reitere-se que, se Cabinda, como disse Samakuva, faz parte de Angola, não se percebe o que levou o líder da UNITA, da actual UNITA, a pedir apoio específico para este caso.

Para Cavaco Silva como para Marcelo Rebelo de Sousa, a democracia em Angola esgota-se no MPLA. Para Portugal, Angola é o MPLA e o MPLA é Angola. O resto é paisagem.

Uma das grandes apostas de José Eduardo dos Santos, que será seguida por João Lourenço, foi o ter conseguido abafar o problema de Cabinda a nível das relações internacionais. A tese de que Cabinda é um problema interno de Angola ganhou sustentabilidade com o recurso ao princípio da soberania nacional e da não ingerência nos assuntos internos. JES usou habilmente a arma do petróleo e doutros negócios para comprar o “silêncio” das potências interessadas no problema de Cabinda como os EUA, a França e Portugal.

“O favorecimento de negócios milionários em Angola e a protecção dos seus interesses levou-os a uma conivência activa com o regime colonialista em Cabinda. Isto não significa que ignorem a existência do problema. Simplesmente não tomam iniciativas diplomáticas que possam encorajar as aspirações dos cabindas, o que complicaria as suas relações com Angola”, escrevia Raul Tati em artigo exclusivo publicado pelo Folha 8 em 7 de Dezembro de 2016.

Raul Tati afirmava na parte final desse artigo o que transcrevemos na íntegra:

“Os meus contactos com o mundo diplomático norte-americano mostraram que têm o conhecimento da situação, mas limitam-se a tentar passar a sua mensagem através dos canais apropriados sobre a necessidade de resolver pacificamente o conflito de Cabinda. Ouvi isto da boca de três embaixadores americanos acreditados em Luanda (Joseph Sullivan, Christoffer Dell e Cyntia Effird) com quem mantive conversações. Foi a mesma versão que recebi na Casa Branca por parte de um alto responsável para a política africana da administração Obama. Com a França, um pouco diferente, pois mantive conversas acaloradas com responsáveis diplomáticos que manifestaram solidariedade com os cabindas, mas que tinham de proteger os interesses da petrolífera TOTAL- ELF em Angola. Um deles até me confessou, durante um almoço que me ofereceu, de que já existiam sérios problemas nas relações entre Angola e a França, pelo que estavam interessados a trabalhar para normaliza-las. Isto implicava cautelas diplomáticas acrescentadas.

A nível regional, anda tudo bloqueado: as chancelas da OUA/UA fecharam-se, embora há tempos a Comissão Africana tenha reagido a uma queixa da FLEC contra o governo angolano, dando-lhe procedência à qual se seguiu a interpelação do governo angolano que a contra-gosto se viu obrigado a fazer uma longa contestação de mais de trinta páginas. A verdade é que os actores regionais não ousam confrontar-se com Angola, mesmo em casos de situações flagrantes de violação dos direitos humanos.

Quanto aos países limítrofes (RDC e RC), a estratégia de JES foi mais uma vez brutal: protagonizou duas grandes intervenções militares que destituíram os antigos regimes que eram desfavoráveis para “segurar” Cabinda. A situação nesses países mudou radicalmente, tendo criado um ambiente externo mais favorável aos interesses geo-estratégicos de Angola em Cabinda. Por essa razão, existe uma espécie de pacto tripartido entre JES, Joseph Kabila e Denis Sassou Nguesso. JES tudo faz para mantê-los no poder mesmo atropelando as respectivas constituições.

Enfim, a verdade é que JES está na iminência do render da guarda. Infelizmente o seu paradigma estratégico assente no uso da força e na sedução política dos adversários não resultou para o conflito de Cabinda. Foram desperdiçadas boas oportunidades para um acordo bem negociado que desse aos cabindas a possibilidade de fazerem a escolha que se impõe para o seu futuro. Cabinda há-de ficar na memória dos angolanos como uma das zonas cinzentas e um dos grandes fracassos do legado político de JES.

O Memorando de Entendimento do Namibe (2006) foi a pior palhaçada protagonizada pelo regime de JES, por isso nunca vingou. Depois do Namibe, o regime endureceu a repressão política em Cabinda, mas na mesma medida veio ao de cima a resiliência daqueles que acreditam na causa e por ela estão dispostos a tudo. Ao sucessor de JES caberá o ónus de transformar esse fracasso em oportunidade soberana para reverter o quadro em prol da dignidade da nação cabindesa.”

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