Viva a seita e o reino

Sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, reconheça-se, continua a querer transformar a Angola dele num país desenvolvido e de referência em África e no Mundo. Está no poder desde 1979, mas isso é muito pouco. E para que não existam veleidades, começou já por pôr em ordem e na ordem na sua própria seita, o MPLA.

Por Orlando Castro

Como no seio da seita começaram a aparecer, embora de forma ténue e muito tímida, pessoas a pensar que tinham direito de opinião, o rei deu ordens para que os estatutos do MPLA eliminassem a existência de correntes de opinião. Como muito bem explicou o sipaio secretário-geral, Dino Matross, “estava a haver muita confusão”.

E, como se sabe, na seita como no regime, só existe direito de ter uma única opinião, a de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.

Fazendo nossas as ideias do sipaio Julião Mateus Paulo “Dino Matrosse”, devidamente autenticadas pelo “escolhido de Deus”, a seita precisa de mais uns 40 no poder para concretizar a luta pela escravidão total do Povo angolano.

Ficam, contudo, algumas dúvidas. Se a Angola (deles) é, por força da impoluta governação do MPLA que já dura desde 1975, uma referência em todo o Mundo e arredores, para onde quererá a seita que o reino vá?

É que a Angola (deles) é mesmo uma nobre e incólume referência mundial, graças exclusivamente ao MPLA e à liderança do “querido líder” José Eduardo dos Santos que, por ser divina, já dura desde 1979 sem carecer de qualquer eleição nominal. Não fossem as suas instruções filantrópicas do rei, sempre atento aos seus escravos, e a seita teria em todas as eleições mais de 100% dos votos.

Com 70% dos escravos afectados pela pobreza, com uma taxa de mortalidade infantil (nos escravos) que é a mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, o reino de Angola é uma referência em África, no Mundo e – seguramente – arredores.

Outros indicadores, basilares para o reino, revelam que apenas 38% da população escrava tem acesso a água potável e que somente 44% dispõe de saneamento básico, que apenas um quarto dos escravos tem acesso a serviços de saúde que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.

Mas há mais dados que revelam toda a capacidade que o reino de Angola tem, graças ao MPLA e ao seu líder – “o escolhido de Deus”- para ser um paradigma pelo menos africano e mundial: 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Quem não se recorda de, em Agosto de 2012, por exemplo, os centros de saúde dos bairros Bula-Matady, Nabamby e o Hospital Municipal do Lubango, no bairro da Mitcha, na capital da província de Huíla, terem solicitado às parturientes que se fizessem acompanhar de velas para a sua assistência, devido às falhas de energia e falta de geradores?

Mas em abono dessa divina governação da seita monárquica jogam outros factores que fazem do reino de Angola a tal referência africana e mundial: a taxa de analfabetos entre os escravos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação que é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino, 45% das crianças escravas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Bem que o rei poderia igualmente, no âmbito dos mais altos valores patrióticos da seita monárquica, falar da dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens que é o método oficial do regime para amordaçar os escravos angolanos ou, ainda, que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem em Cabinda.

Também não seria descabido o rei lembrar que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime se sua majestade.

O rei lembrou-se, contudo, de dizer que a aposta do Executivo é na diversificação da economia para que o país deixe de depender exclusivamente do petróleo e dos diamantes e, mais importante do que tudo isso, que a seita, ao longo da sua trajectória, cumpriu os seus princípios ideológicos, enraizando-se no povo e tornou-se “numa força respeitada em Angola, em África e no Mundo”.

Em síntese. Antes de a seita existir o reino de Angola não existia.

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